Arquivos mensais: janeiro 2016

33. Toques.

Música e Poesia – registremos alguns nomes fundamentais Brasil/Portugal para posterior abordagem (de antes, durante e depois do 1º Experimentalismo em Poesia), os de fora e os de dentro: Anton Webern (1883-1945), paira como um deus, sobre todos os outros, Hans-Joachim Koellreutter, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, John Cage, Diogo Pacheco, Gilberto Mendes, Jorge Peixinho, Daniano Cozzella, Júlio Medaglia, Rogério Duprat, Willi Correa de Oliveira, Jorge Lima Barreto, Vítor Rua, Lívio Tragtenberg.

§

Pensemos: alguns poemas/versos de Sá de Miranda e Camões e Fernando Pessoa e Carlos Drummond e António Risério seriam, ou melhor pertenceriam ao universo de uma “poesia do significante”? Na teoria das Funções da Linguagem, de Roman Jakobson […], há a colocação da prevalência da Forma quando se configura a Função Poética, então, toda poesia, de fato seria “poesia do significante”, sempre entre aspas. Acontece que, à prevalência da Forma corresponde uma potencialização Semântica. Então, vejamos:

1.

[…]

Pois que trago a mim, comigo,

Tamanho imigo de mim?

Sá de Miranda

 

2.

[.…]

Leva-lhe o vento a voz que ao vento deita.

Camões

 

3.

[…]

Vestes de seda sonhada

Pela alameda alongada

Sob o azular do luar…

[…]

Fernando Pessoa

 

4.

[…]

Chuvadeira Maria, chuvadonha,

Chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha.

[…]

Drummond

 

5.

[…]

…ou então soa

Aquém e além da lenda que sou

Antonio Risério

§

Há um engano por parte daqueles que pensam ter a Poesia Concreta parado nos experimentos dos ano ‘50. E dos que acham que aquele tipo (revolucionário) de poema continuou no centro de cogitações e práticas dos poetas que operaram a partir de São Paulo: mesmo depois dos concretos “históricos”. Todo mundo, quando descobre o que se pode fazer com palavras, além de construir sequências eurrítmicas/eufônicas e de jogos trocadilhescos (paronomásticos), acha que pode criar um poema “concreto”… e pode, mesmo! Porém, não se registram poetas maduros ou jovens operando dessa maneira (o mundo da publicidade, grande diluidor e beneficiário das conquistas artísticas, sim, quando convém). Agora, como colocou Ezra Pound quando expôs os tipos de crítica: há um tipo de exercício crítico que consiste na visita de um estilo ou modo de época. Faça o seu poema “à maneira de”, com a consciência de que isto não passará de um exercício crítico para adentrar/melhor compreender aquele “modo”, assim como existe a crítica via tradução.

§

A antologia que organizei da Poesia Experimental portuguesa difere das demais, entre outras coisas, porque quis saber, dos próprios poetas, que poemas colocariam numa coletânea, considerando o todo de sua produção. Porém, nem sempre as sugestões foram acatadas em sua totalidade. E quando me referi a antologias, foram antologias coletivas, o que difere de antologia versando sobre toda a produção de um único autor – aí, a amostragem tem de ser representativa de todo o seu percurso.

§

Apesar de terminologia e conceitos da teoria linguística saussuriana já terem entrado na corrente sanguínea dos estudos das linguagens, pois o seu sistema (ou suposto sistema) já extrapolou as fronteiras do campo para o qual foi criado, migrando, dado o trabalho dos semiologistas, para outras áreas, acaba sendo algo bastante simplista se comparado ao legado do estadunidense Charles Sanders Peirce (1839-1914), criador de um sistema filosófico do qual é parte integrante a Semiótica (ou Lógica), que acaba por se definir como uma “teoria geral dos signos”. É que, de facto, o conceito peirceano de signo é o mais abrangente de quantos foram enunciados até hoje (em verdade, ele definiu inúmeras vezes Signo, com maior ou menor complexidade, em diferentes momentos, porém, sem contradições) e é aí que estivemos a nos basear quando falamos de signo ou complexo sígnico. “Signo ou representamem é tudo aquilo que, de algum modo ou em certa medida, representa alguma coisa para alguém. Cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou melhor desenvolvido, que é o interpretente do primeiro signo. Um signo representa alguma coisa: o seu objeto, coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os aspectos, mas segundo algo que chamo de o fundamento do representamem.” A partir daí podemos tirar as seguintes conclusões: O signo representa, substitui, está no lugar de; tudo pode vir a funcionar como um signo; o significado de um signo é sempre um outro signo, um outro, um outro, numa cadeia infinita; interpretante é parte integrante do signo e é mais do que comumente entendemos por significado (é tudo aquilo que o signo contém e que poderá vir a se mostrar no processo de leitura, a semiose. É o que dele se extrai, de facto, numa leitura. E possui uma verdade absoluta cujo lugar é o Futuro, sempre. Na leitura do signo, parte-se do emocional, ocupa-se da análise para se chegar a uma generalização); o que o signo representa é o seu objeto, o que está fora dele e o determina e esse objeto tanto pode ser algo existente como algo ficcional, imaginário; todo signo tem um fundamento, que poderá estar na semelhança com o objeto, numa conexão dinâmica, física, mesmo, ou numa convenção e isto dará, na classificação peirceana do signo, considerado com relação ao objeto: ícone, índice e símbolo. A leitura de um signo, obviamente estará condicionada ao repertório do leitor, do intérprete. A leitura possui limite: falta de tempo, estratégia didática, esgotamento repertorial do intérprete, pois, teoricamente, esgotar um signo em todas as suas possibilidades seria chegar ao Interpretante Final, à Verdade, mas o lugar do Interpretante Final é o Futuro. Não chegamos à Verdade absoluta, porém, podemos chegar a parcelas satisfatórias dessa Verdade, o que deixa o signo (ou complexo sígnico: uma sinfonia, um quadro, um filme, um poema, um romance, para ficarmos no âmbito da Arte) aberto para novas leituras, outras interpretações. Então, as obras de análise que consideramos definitivas, não o são de facto – é somente uma questão de tempo aparecerem outras leituras, revolucionárias ou mesmo complementares. Se alguém, frente a uma obra de arte diz: “Que maravilha!”, já deu início ao processo que é a semiose (ação do signo) e estará meramente no nível do emocional, que poderá se desdobrar numa análise até profunda (e é disto que a Academia gosta e exige de seus integrantes) e poder chegar à generalização ou conclusões “provisórias” e este é o ideal: do emocional (que nem sempre é explicitado pelo leitor com ouvintes, pois a Academia o abomina), passando pelo esforço da análise, até chegar as generalizações, ou seja ao Interpretante Dinâmico Lógico. Toda leitura de um signo ou complexo sígnico exige um certo repertório do leitor, assim como, para elaborar o complexo sígnico – artístico, que é o que aqui nos interessa – o artista mobilizou todo um repertório que, em grande parte ele controla, mas em que haverá chance de intromissão do Inconsciente (este, sempre coloca a sua cara!). Nem tudo numa obra, mesmo que altamente pensada, racionalmente elaborada (é claro: racionalidade sempre fazendo par antagônico com a sensibilidade), é do domínio do próprio criador, que poderá colocar ali coisas que não passaram necessariamente pelo crivo do racional. Há coisas que fazem parte do repertório do artista e que vazam, passam sem que ele chegue a perceber. Veja-se a Filosofia da Composição, de Edgar Allan Poe (1846) e a leitura que, em fins dos anos 1950 fez Roman Jakobson da última estrofe de O Corvo. São coisas que, após a leitura de Jakobson parecem tão óbvias, que chegamos a estranhar o facto de Poe não as ter colocado no seu escrito metalinguístico que trata justamente do referido poema. Mas, Jakobson sabia que tudo estava no autor, para que chegasse ao poema.

Com tudo isto, queremos dizer que o nosso pensamento está norteado por conceitos da Semiótica peirceana, porém, sem exercícios classificatórios. Charles Sanders Peirce, Décio Pignatari e Lúcia Santaella assistiram-me neste texto, que deveria ter precedido os demais, já publicados.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

32. Peculiaridades Cá e Lá.

Alguns dos valores colocados pelos concretistas de São Paulo eram também cultuados pelos experimentais de Portugal, com destaque para Mallarmé (1842-1898) e James Joyce (1882-1941). Ezra Pound (1885-1972), uma das figuras de maior destaque no mundo anglófono das letras, poeta fundamental, crítico, tradutor-recriador, promoter (a quem muita gente ótima, de Eliot a Joyce deve gratidão), espécie de semideus para os concretistas, frente ao deus Mallarmé, é referido lateralmente e como recusa pelo experimentalismo português. Mesmo no que diz respeito à questão do ideograma e sua importância para a poesia ocidental no século XX, não apenas pelo ensaio de Fenollosa (Os caracteres da escrita chinesa como um meio para a poesia), editado e divulgado por Ezra Pound, mas principalmente por ele-mesmo – Melo e Castro não reconhece a influência direta de Pound em seu experimentalismo, antes, clama por uma herança mediterrânica. E olha que já em 1956, na entrevista-depoimento que Décio Pignatari deu em Lisboa, com publicação na revista Graal 2, a palavra aparece e por influência de Pound, que é colocado (como vinha sendo, desde muito antes pelos componentes do Grupo Noigandres, formado em 1952 e do qual DP fazia parte) como um valor maior. Com ou sem repercussão, o depoimento de Décio Pignatari estava lá. Quando em 1962, o poeta Melo e Castro publica seu 1º livro de facto experimental, a obra vem com o título de Ideogramas, o que coloca em evidência, não apenas um tipo de escrita, mas também, o modo como ela se organiza. Os contactos diretos dos portugueses com o Oriente, contactos por mar, diga-se, datam de fins do século XV. No século XVI, os lusos estão no Japão e lá deixam marcas de sua presença, entre outros índices, a palavra pan = pão (de origem latina), como chamou-me a atenção, em Buenos Aires, em 15 de janeiro de 1984, Jorge Luis Borges. Então, esse contacto dos portugueses com os canji e, mais diretamente na China, onde estiveram e por séculos, colocam-nos em contacto com esse tipo de escrita que, além de guardar algo do hipo-ícone imagem, organiza-se espacialmente em seu suporte, sobressaindo a coordenação. Porém, não foram esses factos que desembocaram com força na poesia experimental portuguesa, com a assimilação de uma sintaxe ideogrâmica e de uma escrita tendente à imagética. Mais indireta que diretamente, o famoso escrito de Fenollosa, via Ezra Pound e concretistas de São Paulo, repercutiu nas origens da Poesia Experimental portuguesa, como, depois de Ezra Pound, com sua ação poética e crítica, ninguém ficou livre de tal influência, em maior ou menor grau. Talvez que o principal motivo para a recusa com relação ao poeta estadunidense esteja na sua opção política, a partir de um certo momento, e esta opção foi pelo fascismo na Itália, país de sua predileção. Os portugueses que, a partir dos anos 1930 até 1974, estiveram sufocados por uma ditadura de coloração fascista, talvez que não tenham conseguido deixar de lado esse aspecto político do bardo, autor dos Cantos, e preferiram não lhe dar o relevo que, como poeta e crítico, fazia jus. O pessoal da Poesia Experimental constituía um foco de resistência com relação ao regime que vigia em Portugal. Penso que a própria menção do nome Pound causasse uma certa indisposição, um mal-estar entre os/as poetas. Quando Décio passou por Lisboa, Ezra Pound ainda cumpria pena em manicômio judiciário, nos EUA. Livre, foi morar na Itália (e Haroldo de Campos lá o visitou, em 1959), onde veio a morrer, tendo sido enterrado no cemitério da Isola di San Michele, em Veneza. Direta ou indiretamente, todos passaram por Pound. Opção por um partido, quando feita por um artista, é sempre o que de pior ele pode fazer, pois, mais dia, menos dia, ele, artista, quebra a cara. Se todos têm na vida a sua cagada-mor, cósmica, digamos, a de Pound foi ter abraçado o fascismo. Os brasileiros do Grupo Noigandres, assim como o independente Mário Faustino, souberam isolar das grandezas os deslizes do grande Poeta. E quem ganhou com isto foi a Poesia.

Importante tentar detectar semelhanças e diferenças entre os experimentais do Brasil e de Portugal, já que, de qualquer modo, houve contacto entre eles, direta ou indiretamente, e há propósitos bem semelhantes no que diz respeito à postura frente à criação poética e à própria execução de trabalhos, e o evoluir dentro dessa (r)evolução trazida pelas novas tecnologias, novas linguagens. Se Lisboa é uma cidade europeia (e chegou a ser a cidade mais cosmopolita do Mundo), com distâncias fáceis de vencer no Continente, rumo a centros, como Paris, por exemplo, São Paulo acabou por assumir sua vocação cosmopolita, tendo o Estado de São Paulo recebido do século XIX ao XX, o maior número de imigrantes do Brasil e, particularmente a cidade de São Paulo, que chegou, nos anos 1940, a ser uma “cidade estrangeira”, ou seja, a maior parte de seus habitantes era nascida fora do Brasil, sendo de italianos a maioria dos tais estrangeiros. Por outro lado, São Paulo possuía uma aristocracia que endinheirou-se graças ao café, que se expandiu pela Província, depois Estado e essa aristocracia mantinha contatos com a Europa, desde o século XIX, chegando ao XX, com o Modernismo – então, de Eça de Queirós a Blaise Cendrars (os Silva Prado e outros) a aristocracia teve a oportunidade de exercitar o seu cosmopolitismo. Nos anos 1950, informações chegavam ao Brasil e viagens eram empreendidas, sendo que aquela aristocracia acabou, em boa parte, por ceder lugar aos emergentes que descendiam de imigrantes enriquecidos. Por outro lado, observavam-se (não na poesia) um número muito grande de artistas imigrantes – basta olhar para o Grupo Ruptura, à época de sua formação, em 1952, em que, de nascidos no Brasil (interior de São Paulo), só havia Geraldo de Barros e Luís Sacilotto, de sete componentes. Mesmo sendo ainda, em parte, São Paulo, uma cidade provinciana, o cosmopolitismo paulistano tendeu a crescer e entre os poetas (Grupo Noigandres, também formado em 1952) isto não apenas foi mais visível, como teorizado: basta olhar os valores que eles estavam a eleger: os precursores apontados, não apenas poetas, mas artistas plásticos e músicos. E passaram a medir tudo considerando o âmbito internacional. O Concretismo poético foi internacionalista. De Portugal, contatos com França, Inglaterra, Itália e Brasil, principalmente, permitiam o trânsito da informação.

Com relação ao Concretismo, houve os criadores do movimento, os que passaram pela Poesia Concreta, os que a praticaram esporadicamente, como um modo, uma “dicção”, os que fizeram e a renegaram e os que não a praticaram, mas a respeitaram e reconheceram o seu valor. O mesmo se observou em Portugal, com relação à POEX.

Como já foi colocado e com base em textos e depoimentos dos “históricos” de Portugal, neste país, não se formou propriamente um grupo, mas houve associação por afinidades poéticas para certos projetos. Portanto, houve menos sectarismo na Terra Lusitana. No Brasil, a coisa de “grupo” foi tão forte que, na fase ortodoxa, foram produzidos poemas que muito se parecem, embora sejam de autores diversos, pois trazem como características principais: economia de materiais, a começar pelo emprego de poucas palavras e, às vezes, uma, apenas, a imposição de uma forma geométrica e a utilização preferentemente do tipo futura negrito, com predomínio de caixa-baixa.

União de poetas com artistas plásticos e designers, tanto em São Paulo, como no Rio de Janeiro. Em Portugal: participação de artistas plásticos nos negócios de poesia e, muito embora sejam muitas as procedências dos poetas, Lisboa foi o grande centro de irradiação dessas ideias de inovação/experimentação. Dados os sectarismos e radicalização de propostas no Brasil, houve a ruptura, a partir de 1957, que se consumou em 1959, com o Neoconcretismo. Fruto principalmente das rivalidades São Paulo – Rio de Janeiro. Há quem considere a dissidência neoconcreta, no Brasil, mais uma questão de exercício de poder do que uma não-aceitação de ordem formal, apesar do extremo racionalismo paulista nos anos 1950, com destaque para Haroldo de Campos e o seu texto, de 2 páginas apenas “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”, que provocou a ira de Ferreira Gullar. Menção merece, também, a extrema radicalidade de Waldemar Cordeiro à época, ele que liderava o grupo de artistas plásticos, que é de onde surgiu a ideia da Exposição, com a participação dos poetas, sendo que Augusto de Campos foi o encarregado de convidar o pessoal do Rio de Janeiro. Essa rivalidade entre centros irradiadores de cultura não houve em Portugal, em torno da Poesia Experimental: poucos são nascidos em Lisboa (Fernando Aguiar, por exemplo), sendo a maior parte provinda de outras cidades, da parte continental do País (Ana Hatherly, do Porto e Melo e Castro, da Covilhã), mas muitos da Ilha da Madeira (o que terá a água do Funchal e arredores, que propicia tantos e tão grandes poetas? Antónios: Aragão, Nelos, Barros) e até da África (Ex-)Portuguesa, como é o caso de Salette Tavares, nascida em Maputo, ex-Lourenço Marques, Moçambique.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

31. Sem Presumir Do Futuro O Que Sairá Daqui…

Em seu prefácio (que pode ser considerado um “manifesto”, porém, sem autoritarismo) ao poema-livro Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, cuja 1ª publicação é de 1897, na revista Cosmopolis, Stéphane Mallarmé chega a dizer algo que se insere no campo do profético-aberto: “Aujourd’hui, ou sans présumer de l’avenir qui sortira d’ici, rien ou presque un art”. É que, do futuro, ninguém sabe e todo bom profeta (profeta é aquele que ‘diz à frente’) é antes ambíguo que categórico. Seria algo como que uma pitonisa (quase) sem o aparato místico-misterioso. De qualquer maneira Mallarmé sabia que dali sairia algo diferente. Mas, seria o quê? O poema que o texto apresenta é dessas peças fundantes, pois, anuncia e embasa a vertente mais criativa e radical da Poesia do século XX.

A herança mallarméana deu e continua a dar frutos e o complexo sígnico Un coup de dés… continua a desafiar leitores-observadores e a suscitar interpretações muitas. Interessante é que, no Brasil, Mallarmé encontrou leitores muito especiais: de Manuel Bandeira aos poetas do Concretismo, que foram até hoje seus melhores tradutores, cabendo a Haroldo de Campos a tarefa de traduzir Um lance de dados, tarefa da qual se desincumbiu magnificamente bem, com sabedoria e sensibilidade. E o poema continuou a instigar músicos: veja-se o projeto de Pierre Boulez (morto recentemente) para o poema, que continuou – salvo engano ou alguma revelação post mortem – projeto. Parece que músicos se sentem como que castrados frente à excepcionalidade da peça mais que centenária. Dificilmente acontece de grandes poemas darem boas composições musicais, ou seja, tornarem-se poemas cantáveis com boa música – o que geralmente se observa é que poemas medianos acabam por “inspirar” músicos que até acabam por fazer peças revolucionárias, a partir deles e com eles. (No Cinema se observa coisa semelhante: salvo raras exceções, veem-se obras literárias medianas propiciando obras-primas – de Hitchcock a Kubrick, enquanto que as obras-primas da Literatura permanecem Literatura e não se transformam no melhor Cinema.)

Há muito não se vive mais época de proselitismos, polêmicas não há, não se defendem idéias (pelo menos com algum entusiasmo), muito embora elas existam, e como! Novas idéias existem e todas ligadas à prática das artes e suas relações com os novos meios/linguagens. Sim, novas tecnologias trazem consigo todo um potencial de linguagem, o qual vem a ser percebido por artistas que, lançando mão daquelas, fazem Arte. Pois é isto mesmo: algo suge como uma mera técnica, tornando-se arte à medida que é percebido como linguagem. Foi o que aconteceu com a Fotografia, com o Cinema, com o Vídeo, que continua na ordem-do-dia, agora mesclado com tecnologias mais avançadas, e tendo, já, produzido obras-primas e abrindo caminho para as obras-primas a surgirem nos outros campos mais recentes.

O interessante é notar que, no que diz respeito à defesa dessas novas tecnologias – salvo um ou outro caso de escândalo, envolvendo suposta questão de ordem ética – temos verdadeiros manifestos, geralmente longos e que quase não encontram resistência por parte de quem quer que seja. É que essas tecnologias adentram o dia-a-dia de todos, independentemente de se ser ou não arrojado e mostram alguma utilidade ou oferecem algo de lúdico, atraindo crianças e adolescentes, que já nasceram em meio à nova realidade desses meios, num processo irreversível. Nessas feiras de Alta-Tecnologia ou nas exposições de Artecnologia, é difícil para um adulto alcançar um daqueles “brinquedos”, já que crianças e adolescentes chegaram antes e já tomaram conta de tudo. O que interessa aos novinhos é a interatividade que, diga-se, é sempre limitada, pois que é dado operar a partir das possibilidades colocadas pelo mentor da obra, que continua sendo o autor (individul ou grupo que se associa). Porém, poucos têm a consciência de que há linguagens aí, à espera de alguém que as trabalhe: o artista percebe e faz. De quando em quando, um débil grito contra “o processo de desumanização que se observa”. Mas como seria não-humana uma produção dos próprios humanos? – perguntaria Décio Pignatari. Essa tecnologia não nos veio de Saturno, mas foi gerada, mesmo, no planeta Terra. Abraçar as novas tecnologias é caminho obrigatório para aqueles que querem fazer Arte hoje e Poesia, em especial, mesmo que operem no convivio de tecnologias várias. Porém, é fundamentel que não se percam as antigas tecnologias, como vimos dizendo. Saberá operar muito melhor uma câmera aquele que conhece pintura e demais artes da visualidade. Operará com mais sabedoria um processador de textos alguém que porventura visitar uma tipografia e ver como é que trabalha um tipógrafo, ainda hoje – e olha que os há em toda parte. Ao mesmo tempo em que se constata a globalização, nota-se a exacerbação de particularismos – ninguém quer que desapareçam as características de sua etnia, comunidade etc. A tecnologia mais avançada pode tolerar antigas tecnologias e até conviver com elas e é o que tem acontecido – é importante que não se percam tais tecnologias, muito embora nunca permaneçam as mesmas. Observa-se, de facto, uma mistura de paradigmas, como bem colocou em importante ensaio Lúcia Santaella (Os três paradigmas da imagem).

Nisso tudo, a ambição artística continua como componente obrigatória dos procedimentos daqueles que – de facto – estão comprometidos com a criação e têm consciência-de-linguagem. Ou seja, poderia ser considerado um artista, um fazedor, alguém que não estaria interessado em, de alguma forma, inovar? Nem que não seja revolucionar, propriamente. Essa questão, configurada no “Experimental”, foi assaz discutida pelos poetas experimentais portugueses, nos anos 1960 e mantém a sua atualidade. O sonho de todo poeta é encarnar o papel de Inventor, tal como colocou Ezra Pound em sua famosa classificação dos escritores (poetas, artistas em geral), ou seja, construir uma obra em que se detectem os primeiros sinais de uma nova arte. E geralmente o que temos são co-inventores: aqueles cujas obras em conjunto são o exemplo de um novo procedimento. No mínimo, quer-se ser um mestre que, às vezes, até chega a fazer algo melhor elaborado que os inventores, que necessariamente o precederam. Com tudo isso o que se quer dizer é que a inquietação e a pesquisa, a busca, estão sempre a acompanhar artistas-poetas e os que abordamos deixam explícita essa inquietação/investigação com relação à(s) linguagem(s). Daí, a experimentação, a busca e a crença em projeto que, no mínimo, vise ao aperfeiçoamento dos humanos seres, no que diz respeito à sensibilidade. Décio Pignatari, Melo e Castro e Salette Tavares, Augusto de Campos e Haroldo de Campos, Ana Hatherly e José-Alberto Marques, Ronaldo Azeredo, António Aragão, Villari Herrmann, Emerenciano Rodrigues, Fernando Aguiar, Lenora de Barros, Abílio-José Santos, José Lino Grünewald, Gil Jorge, João Bandeira, António Nelos, Aldo Fortes, Tadeu Jungle, António Barros, Paulo Miranda, Armando Macatrão, Sonia Fontanezi, Silvestre Pestana, Walter Silveira, Alberto Pimenta, Júlio Mendonça, António Dantas, Arnaldo Antunes, André Vallias, Rui Torres…

Já com um certo distanciamento de parte da produção dessa poesia aqui abordada, pois que o seu processar-se continua em curso, daria para tirar algumas conclusões, como a de que é a que mais se tem empenhado em buscar formas novas, a mais curiosa e investigativa. A de que essa poesia se tem, como que naturalmente, envolvido com as mais novas tecnologias, vendo-as não como meras técnicas a serviço de, mas como portadoras de linguagens, propiciadoras de uma nova arte, a arte de uma nova era. A de que essa poesia já produziu obras-primas, que vão da poesia-papel até o vídeo e as incursões na Rede, adentrando o universo do disponível. Pensa-se, aqui, que o desafio maior da atualidade seja o de conceber peças que possam despertar a curiosidade de terráqueos, simplesmente terráqueos, o que vale como um manifesto e reitera o papel da visualidade como elemento constitutivo estrutural da obra poética.

No momento atual (de uns 30 anos para cá) em que muito se restaurou – verso, pintura, prosa ficcional com desenvolvimento lógico etc – poetas, mesmo dominando o afazer do versemaker, insistem numa poesia experimental, como novos leitores do Mundo, como produtores de linguagem a cumprir um papel: o de serem portadores de um novo modo, uma nova Poesia. Que um julgamento mais preciso disso tudo é tarefa da qual só o futuro poderá se (des)incumbir. Coragem intelectual, sensibilidade aberta para abraçar a causa. Poesia. Poesia para romper barreiras e encontrar fruidores no mundo todo. Porém, nada se descarta: do livro impresso a um muro, de um poema reproduzido em xerox autonomamente, a um outdoor-papel ou painel luminoso computadorizado, e daí para a Rede. Que essa poesia fala alto e se apresenta com uma linguagem mais universal.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

 

 

 

30. Arremates à Beira-Tejo.

Alguns assuntos laterais (porém, não menos importantes) relativos à pesquisa que vimos desenvolvendo em Lisboa ficaram, até aqui, sem registro em forma de uma escrituração publicável, e outros tantos ficarão, dada a riqueza do assunto e por ser um trabalho que ainda deverá se desenvolver por algum tempo (pois ultrapassa, e de muito, os limites estabelecidos de nossa proposta de pesquisa), com o surgimento de mais fontes e, portanto, de outros dados importantes. Veiculo, por ora, esses arremates à Beira-Tejo (que necessitarão de alguns poucos ajustes), esperando que venham a ser úteis a outros pesquisadores e aficionados do assunto – Poesia de Invenção/Poesia Experimental, Portugal e Brasil.

Antologias de Poesia Concreta no Brasil houve, mas nada que se comparasse aos portentosos volumes que ora se encontram com a Ateliê Editorial: o Viva Vaia, de Augusto de Campos e o Poesia Pois É Poesia, de Décio Pignatari que, como outros, tiveram de esperar os meados dos anos 1970 (Editoras: Duas Cidades, Brasiliense – e lá se vão 40 anos!) para terem obra poética editada comercialmente (depois, vários outros títulos aconteceram, muito bem produzidos graficamente, sem economia de meios). Haroldo de Campos e José Lino Grünewald, Edgard Braga e Pedro Xisto de Carvalho (este com edição autofinanciada) também tiveram voz e vez – Ronaldo Azeredo ficou na espera (até o presente momento). Em 1962 saiu a Noigandres 5 (antologia) do verso à poesia concreta, com Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo, em verdade, edição financiada pelos poetas (José Lino Grünewald…), muito embora levasse o nome de editor. Nos anos 70 as editoras Vozes e Abril chegaram a editar antologias de Poesia Concreta sem, porém, os cuidados gráficos que os poemas exigiam e mereciam. Mas já foi alguma coisa. Na Bahia, nos anos 80, Erthos Albino de Souza editou um número especial de Código (nº 11, 1986) abordando a Poesia Concreta, e a Nomuque Edições (1986 – 30 anos da Poesia Concreta) fez uma pequena edição, toda impressa em serigrafia: Poesia Planetária: a Revolução Concreta – Amostragem. Durante muito tempo, revistas cumpriram esse papel de veiculação e até de memória viva da poesia brasileira de caráter experimental (o que foi comum, também, em Portugal e outros países) e dessas, apenas restou Artéria que, em 40 anos, teve somente 10 números, mas que insiste em continuar. Na Rede: Errática, editada pelo poeta André Vallias. No Brasil, há as Poesias Visuais, de diferentes vertentes, sendo raros os contactos entre poetas das diferentes águas e raras também foram as antologias publicadas – ocorrem-me, agora: Saciedade dos poetas vivos, organizada por Urhacy Faustino e Leila Miccolis (1993) e Bacana 1: coletânea de poesia visual em postal, organizada por Philadelpho Menezes (1994) – cheguei a ver, cá em Lisboa, num sebo (alfarrabista), uma Antologia da poesia visual mineira, edição mais ou menos precária dos anos 90, mas não pude adquirir o pequeno volume. Porém, do pessoal que se identifica com a herança concretista, nada. A não ser belas exposições que têm acontecido no Brasil e fora, quase sempre sem catálogo, propriamente ou com catálogo que não cumpre o papel de uma antologia, como a bela mostra organizada nos EUA (Austin, Texas) por Regina Vater, reunindo poetas de várias das vertentes experimentais do Brasil e que teve, além de reportagem com grande destaque na revista Art in America, um catálogo simples, mas se encontra na Rede até hoje: www.imediata.com/BVP/. A recente exposição ARTÉRIA 40 ANOS, organizada pelo Espaço Líquido, Caixa Cultural-Rio de Janeiro, com curadoria de Omar Khouri e Paulo Miranda, além de uma bela mostra, teve um catálogo que vale por uma antologia. Outras mostras: Poesia Evidência (1984 – organização de Gil Jorge, PUC-SP, sem catálogo), Palavra Imágica (1987 – org. Betty Leirner e Walter Silveira, MAC-USP, com catálogo básico), I Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo (1988 – org. Philadelpho Menezes, com muitas exclusões e auto-exclusões e que contou com 2 pequenos catálogos, sendo um [Arte Pau-Brasil] constituído de 26 poemas em formato de catões-postais, de poetas do Mundo todo – CCSP), Paraver (1993 – org. Omar Khouri e Inês Raphaelian, Faculdade Santa Marcelina, sem catálogo), Poesia Brasileira da Era Pós-Verso (2011 – org. Omar Khouri, IA-UNESP, um simples cartaz-folheto, com texto de apresentação), Poesia (2012 – org. Omar Khouri e Paulo Miranda, Galeria Virgílio-SP, folheto com apresentação), além de muitas outras menores, mas também, importantes. Em 1990 e 1992, André Vallias organizou a parte brasileira da Transfutur, que teve lugar em Kassel e Berlin, Alemanha, mostra que também reuniu poetas visuais da área de língua alemã e da Rússia, e que teve catálogo. Houve catálogos-registros, também, em exposições realizadas em instituições, como a Poéticas Visuais, 1977, no MAC-USP, por Walter Zanini e Júlio Plaza; este também organizou mostra que, de São Paulo chegou à cidade do Porto, em Portugal (Transcriar – 1985) e que contou com catálogos. A Multimedia Internacional, idealizada por Walter Silveira e Tadeu Jungle, com o apoio de Walter Zanini, que teve lugar na ECA-USP, em 1979, contou com catálogo de grande valor documental. Ou seja: falta uma boa amostragem impressa, e em volume, da poesia experimental brasileira que se desenvolveu a partir da Poesia Concreta. Mencionem-se, ainda, os catálogos: O Grupo Noigandres (2002 – organização João Bandeira e Lenora de Barros), Poesia Concreta: O Projeto Verbivocovisual (2008 – org. João Bandeira e Lenora de Barros) + o site www.poesiaconcreta.com, e Concreta 56: a Raiz da Forma (2006 – MAM-SP). A recente mostra que organizei em Lisboa, na FBAUL, em fins de 2015, pequena mostra, mereceu um catálogo simples, que vale como registro e esteve vinculada ao meu projeto de Pós-Doutorado: Amostragem da poesia brasileira da era pós-verso (ver ouvir pensar).

Em alguns dos textos/depoimentos ou em textos em que historia a Poesia Experimental portuguesa, o pioneiro Melo e Castro diz que, em Portugal, não houve de facto a constituição de um grupo de vanguarda coeso, como aconteceu no Brasil – tanto no que diz respeito à Poesia, como às Artes Plásticas: Grupo Noigandres e Grupo Ruptura, formados em 1952, em São Paulo e Grupo Frente, menos coeso, em 1954, no Rio de Janeiro. O que houve em Portugal foi um conjunto de poetas ligados por afinidades de propósitos e laços de amizade, sendo algumas duradouras e, ao longo de um percurso que durou décadas, a aquisição de outros elementos humanos, de outras gerações, mais novas. Melo e Castro deixa clara a importância e a influência dos brasileiros do Grupo Noigandres para o despertar da experimentação na poesia portuguesa, assinalando até a passagem de Décio Pignatari por Lisboa, em meados de 1956, embora sem repercussões. Depois, destaca como fundamental a antologia Poesia Concreta, editada em 1962, organizada pelo poeta e escritor, diplomata de carreira Alberto da Costa e Silva, secretário da Embaixada do Brasil em Lisboa, à época. Isto teria, realmente, despertado o interesse de poetas jovens para a experimentação, muito embora ele, Melo e Castro, já viesse com as suas inquietações e havia precedentes, em Portugal, de valorização de aspectos visuais em poesia, desde o 1º Modernismo, chegando até a poetas de linhagem surrealista (isto sem falar no posterior conhecimento das peripécias visuais dos barrocos portugueses dos séculos XVII e XVIII, matéria que foi pesquisada estudada e divulgada por Ana Hatherly, nos anos 1970, com publicação de resultados a partir de fins da década e o mais importante livro, em 1983: A experiência do prodígio…). No mesmo ano de 1962, saiu o livro de poemas concretos de Melo e Castro: Ideogramas, que veio a ter fundamental importância para o desenvolvimento subsequente da experimentação na poesia, em Portugal. O artigo de Ana Hatherly, no Diário de Notícias, de 1959, não chegou a ter repercussão à época e o poema apontado como “o 1º poema concreto português” saiu, na referida edição, desformatado, sendo que, somente em edição posterior, foi rearrumado. Ana Hatherly, poeta experimental do 1º momento (muito embora não compareça – 1964-65 – na revista Poesia Experimental 1, Suplemento Especial “Poesia Experimental”, do Jornal do Fundão, tampouco na antologia que Melo e Castro traz ao final do seu A Proposição 2.01: Poesia Experimental) prefere apontar como as influências principais da experimentação poética em Portugal aquelas hauridas na própria Europa, desde os exemplos que podem ser colhidos no 1º Modernismo, até experiências dos anos 1950, de Gomringer e outros – sem se esquecer de toda a tradição de visualidade na poesia europeia, desde os gregos aos barrocos portugueses – apontando Melo e Castro como sendo uma espécie de seguidor dos concretos do Grupo Noigandres. Fica difícil analisar as coisas, se se toma uma espécie de partido nessa questão, porém, a presença dos brasileiros nas origens da Poesia Experimental portuguesa é óbvia – e que mal haveria nisto? Pensamos que a notória aproximação de Melo e Castro dos componentes do Grupo Noigandres, especialmente Haroldo de Campos, deve-se à extrema racionalidade ou cerebralismo, o que estava acorde à formação em Ciências Exatas de Melo e Castro, um engenheiro têxtil. Não à toa, à maneira dos brasileiros e de tantos outros poetas do século XX, Melo e Castro desenvolveu, concomitantemente à sua atividade poética, uma extensa obra metalinguística, obra de reflexão sobre poesia e criação artística em geral o que fez, também, Ana Hatherly. A essa influência inicial sofrida por Melo e Castro, segue-se uma obra que dá vazão ao seu cosmopolitismo e à curiosidade com relação a novas tecnologias, características marcantes em toda a Poesia Experimental portuguesa. Do Mundo para Lisboa, de Lisboa para o Mundo. Portugal acabou por produzir, do Planeta, uma das poesias mais instigadoras e os chamados experimentais históricos têm aí um papel fundamental. Pensamos que a onipresença de Melo e Castro cria uma certa indisposição (para alguns). Interessante que, quando em 1973 é editada uma importante antologia, organizada por José-Alberto Marques e Melo e Castro, sai com o título Antologia da Poesia Concreta em Portugal (Lisboa: Assírio & Alvim) e traz, do ano anterior, uma entrevista com Haroldo de Campos de passagem por Lisboa, em que os assuntos tratados são mais gerais do que especificamente de uma ou outra poesia experimental. Em época mais recente, em que tem sido muito requisitado para entrevistas, criador importante que é, Melo e Castro tem dado muita ênfase à herança mediterrânica longínqua, quando toca na questão da visualidade na Poesia Lusa.

Com relação à opção pelo político (os temas políticos), o pró é mais grave (pernicioso) que o contra. Uma opção pelo social-explícito (o abraçar uma causa), em certas conjunturas, é preferível à opção por um partido-político em particular porque, invariavelmente o poeta quebrará a cara – é somente uma questão de tempo. Quanto ao pró, um publicitário faria melhor, pois que a publicidade somente diz sim. Isto não desmerece grandes poetas, que chegaram a ser publicitários profissionais por pouco ou muito tempo, como por exemplo Décio Pignatari, Alexandre O’Neill, Paulo Leminski. Até Pessoa foi cogitado para a confecção de um slogan para a coca-cola: esta, não era a praia de Pessoa, que fez um slogan trocadilhesco difícil e com – é claro – qualidade poética, mas, coisa de alguém que não era do ramo: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”! O slogan não foi veiculado. Mas, artistas e poetas têm feito trabalho engajado e de altíssimo nível: de Goya e Picasso aos Antónios: Aragão, Nelos, Dantas, Décio Pignatari, Carlos Valero, Villari Herrmann, Júlio Mendonça, André Vallias. Fora de partidos, tudo bem, pois as coisas transcorrem tendo o poeta/artista liberdade de ação poética/artística. Com ligações partidárias, o caldo entorna quando pessoas ignorantes em matéria de Arte, começam a sugerir, a querer direcionar o trabalho artístico e, mesmo, a impor-lhe normas de procedimento, temas etc. Político, de um modo ou de outro, todo trabalho é, ou mais ou menos. Não à toa os abomináveis regimes totalitários e autoritários perseguiram as artes (revolucionárias enquanto linguagem) – será que compreendiam o perigo de um trabalho de desmantelamento dos discursos repetitivos políticos kitsch? e. e. cummings: A politician is an arse upon which everyone has sat except a man (e, em tradução-recriação de Augusto de Campos: Um político é um ânus no qual tudo se sentou exceto o humano). Se se referir à conjuntura por uma necessidade de expressar-se, seja sempre contra e, se for a favor, reprima-se e não se expresse, pois você não conseguirá ultrapassar os limites do kitsch, que é onde desemboca tudo o que é laudatório.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

29.Poesia Visual-Experimental Brasileira/Portuguesa: Pontos de Contacto e Diferenças etc.

Penso que haja muita semelhança e poucas diferenças entre os trabalhos dos poetas experimentais de Portugal e do Brasil, a partir principalmente da 2ª geração, a que começa a operar nos anos 1970 e a que vem depois, a 3ª, digamos. A começar pela superação dos tempos heroicos – mas não das dificuldades de veiculação da poesia e da incompreensão – com a possibilidade de trabalhar num ambiente em que já havia um lastro poético de invenção e toda uma fundamentação teórica. É o que chamo de Era Pós-Verso (apesar do verso), em que manifestos ou coisas semelhantes já não faziam quase sentido: adentrou-se um tempo em que a lentíssima mudança de paradigma forçou a comportamentos outros, sem disputas literárias e/ou poéticas/artísticas e em que, portanto, a chamada política-das-artes arrefece – isto não significa que não se defendessem ideias, bem porque, a vaidade de uns criou indisposições com relação a outros, mas isto é coisa menor. Adentrou-se, de facto, um tempo de pluralidade de recursos, abertos para toda e qualquer manifestação e em que as facturas/poemas, sem abandonar de vez o veículo livro, fizeram uso de todos os media que se apresentaram acessíveis. Poesia intersemiótica. Sim. Poesia interdisciplinar. Sim. Poesia de trânsito entre os media. Sim. Poesia multimedia. Sim. Poesia da Era Pós-Verso. Sem descartar meios e modos consagrados, mas abraçando as novas tecnologias, as novas linguagens, exacerbando o conceitual em todas as suas facetas, essa poesia, sem romper com a tradição de rigor estabelecida pelos poetas “históricos”, e até radicalizando certas propostas, continuaram e continuam atuantes, provando que a busca é uma constante no mundo da criação poética. E mais: é poema tudo aquilo que o poeta quer que o seja (parodiando Mário de Andrade). Vejamos, então, as afinidades e diferenças entre os experimentais do Brasil e de Portugal.

Houve um encontro de gentes, em que os poetas “históricos” da experimentação, tanto no Brasil como em Portugal, mesclaram-se a uma nova geração, depois outra, existindo um grande respeito dos mais novos com relação aos mais velhos, sem que se notasse subserviência. Como se fossem da mesma geração, atuaram em muitos projetos, como o de revistas, antologias, exposições, performances. Daí, concluir-se que não houve uma ruptura (das novas gerações) com relação ao trabalhos desenvolvido pelos poetas “históricos”, que continuaram a produzir obra digna de nota, mas uma continuidade de busca, sem implicar continuísmo. Alguns, como este poeta-pesquisador, tiveram a oportunidade de conviver e cultivar durante décadas a amizade dos “históricos”. Exceptuando-se dissidentes, como Ferreira Gullar e independentes, como Wlademir Dias-Pino e Florivaldo Menezes (pai), hoje, vivo, no Brasil, apenas Augusto de Campos, atuante. Dos portugueses, Melo e Castro, José-Alberto Marques, Álvaro Neto e Alberto Pimenta, todos nascidos nos anos 1930, com maior ou menor relevo nas origens da Poesia Experimental lusa, vivem e produzem.

São poetas que valorizam as visualidades todas, assim como as técnicas que as possibilitam, quebrando as supostas fronteiras entre as Artes, porém, têm uma grande familiaridade com o verbal em estado de poesia, inclusive dominando a tecnologia do verso (a maioria). Mesmo não acreditando mais no verso tradicional – o verso, se feito, deve extrapolar os limites do livro, mesmo podendo estar nele – explodindo em vociferações ensurdecedoras, em luminosos, outdoors… O poeta é também um performer. É importante que não se percam antigas tecnologias, a exemplo da tipografia, que dota o manipulador de programas gráficos no computador de uma sabedoria, uma consciência maior e mais precisa do universo gráfico. Os concretistas, que parece que foram os primeiros poetas a romper com o verso, por escrito: “dando por encerrado o ciclo histórico do verso” (A. de Campos et alii Plano-piloto para poesia concreta. Revista Noigandres 4, 1958) eram exímios versemakers e nunca perderam essa tecnologia, nem que fosse no exercício da tradução criativa – transcriação, como colocou Haroldo de Campos. O mesmo com os “históricos” portugueses: Ana Hatherly, Melo e Castro, Salette Tavares… A lição da beleza do verbal jamais foi desprezada por esses poetas. Muitos dentre os da 2ª geração também haviam começado como versejadores.

Algo muito cultivado pelos concretistas brasileiros foi a tradução-recriação de textos poéticos que consideravam fundamentais, visando a formar um corpus essencial da Poesia Universal em Português, para facilitar o trabalho de busca para os iniciantes no gosto pela Arte de Cesário Verde e Manuel Bandeira. E trabalharam com isto durante décadas, ao mesmo tempo em que desenvolviam o seu trabalho propriamente poético e metalinguístico. Muito embora fossem poliglotas, os “históricos” em Portugal, não tiveram o mencionado propósito. Como esse trabalho no Brasil se desenvolveu por muito tempo, vencendo gerações – e até hoje Augusto de Campos dele se ocupa – os poetas experimentais da 2ª geração, pouco se ocuparam da tarefa da transcriação (Haroldo de Campos), embora houvesse alguns com o domínio de idiomas outros, a não ser Luiz Antônio de Figueiredo, que, em colaboração com Ênio Aloísio Fonda, fez ótimas recriações do Latim (Catulo e Marcial) e, já da 3ª geração, o poeta André Vallias, que se tem revelado um excelente recriador a partir do Alemão, do Francês e do Inglês. Em Portugal, mesmo contando com poliglotas da 2ª e 3ª gerações, não se observa essa preocupação de elaborar Paideuma, mesmo que haja um considerável trabalho de tradução por parte de Rui Torres e de Manuel Portela, por exemplo.

A prática do artesanato das chamadas Artes Plásticas, dada a própria necessidade na execução dos poemas: o desenho da letra a aplicação da letraset, a fotocomposição, o novo artesanato propiciado pelo computador – “os novos escribas” (Antonio Risério. Ensaio sobre o texto poético em contexto digital, 1998) – o uso da cor, o desenho, a colagem, a fotografia: do registro à pratica laboratorial, do processo fotoquímico à fotografia digital, o vídeo e a operação com a câmera, a edição. Alguns são, de facto, artistas plásticos, posto que têm o domínio de técnicas e métodos e processos e até chegaram a ter a formação universitária em Artes Visuais, Fotografia, Design. Isto tudo não impede ao autor da ideia de delegar tarefas mais técnicas a outrem ou trabalhar em colaboração. Uma das práticas tentadas e levadas a efeito foi a da serigrafia, primeiro como meio de viabilizar economicamente a impressão de trabalhos e, quase que ao mesmo tempo, pela beleza do resultado-cor e pela dimensão tátil emprestada aos trabalhos. Carimbos, tipografia, caligrafia gestual, xerografia etc tiveram vez e voz, fazendo com que certos trabalhos se avizinhassem ou mesmo assumissem a arte postal e o chamado livro-de-artista. Tanto Cá como Lá houve o interesse pela performance vocal/gestual foi uma constante.

Essa poesia se desenvolveu em seus respectivos países, em contextos sociopolíticos diferentes, chegando a haver desencontro total quanto a democracia e autoritarismo num e noutro lugar. Poemas políticos aparecem em ambos os países, porém, em Portugal o fenômeno foi bem mais explícito e constante que no Brasil.

A abertura para as tecnologias de ponta dos vários momentos, sabendo que não basta dispor de tecnologias tais e tais. É preciso que se as pense enquanto linguagens e que se tenham ideias adequadas. O computador possibilitou um trabalho de artefinal muitíssimo rápido e perfeito, porém, antes de tudo é preciso que se tenha a ideia. Do videotexto aos computares de última geração disponíveis, usa-se a ferramenta adequada, que poderá ser simples pedaço de carvão e um parede clara. Ou um aparato tecnológico digno da NASA. Houve, principalmente nos anos 1970 e 80, uma larga utilização da reprografia em xerox (fotocópias), explorando a coisa enquanto linguagem, fazendo uso de todas as possibilidades do processo e, mais em Portugal que no Brasil, e entre os poetas/artistas, essa técnica/linguagem foi explorada, com ótimos resultados. Alguns dos poetas trabalham de maneira contumaz com as novas tecnologias e já dispõem de uma linguagem mais universal, tendo como pensamento norteador a questão da interatividade, coisa que interessa ao público mais jovem. A questão do vídeo esteve presente, desde, pelo menos os anos 1970, ganhando força nos 80 e desembocando no universo digital. Há experiências poéticas e artísticas com computadores, desde os anos 1960, época de máquinas que hoje consideramos dinossáuricas e os “históricos” estiveram com elas envolvidos: Décio Pignatari, Erthos Albino de Souza, Melo e Castro, coisa que um pouco mais tarde e com muitos outros recursos prosseguiu e prossegue com a 2ª e 3ª gerações de experimentais, sem desprezo pelas tecnologias já consagradas.

A produção quase-sempre pouca, tendo o claro objetivo de não redundar. Outros, publicaram muito pouco, porque dificuldades de veiculação, principalmente a impressa, continuam.

Uma preferência pela veiculação em publicações coletivas que eram chamadas de revistas, oportunidade de encontros e troca de informações, assim como as exposições coletivas, geralmente registradas em catálogos-antologias. Por outro lado, havia a publicação autônoma de poemas (e isto não era exclusividade desses poetas, mas de toda uma época), o que emprestava à coisa uma certa precariedade, sendo a distribuição quase sempre de-mão-em-mão, o que dificultava a divulgação e inclusive o armazenamento das peças. No Brasil, revistas “de invenção” proliferaram nos anos 1970. Em Portugal, exposições, não apenas em Lisboa, mas também em outros centros urbanos e fora do País.

Houve grande interesse pelas muitas artes, incluindo as épocas várias, o que exigiu uma certa erudição por parte dos poetas desta vertente.

Diga-se: não houve propriamente a formação de grupos, tanto em Portugal como no Brasil, a não ser as afinidades, o que fazia com que poetas se reunissem em torno de uma revista ou para participar de uma exposição/espetáculo performático.

Paideumas eram pensados também para todas as áreas: Poesia, Música, Pintura, Arquitetura, Cinema, Design – mais sistematicamente no Brasil que em Portugal, muito embora alguns valores artísticos fossem cultivados tanto Aquém como Além-Mar.

No rastro de Edgar Allan Poe e Décio Pignatari, cogitava-se das relações entre as Artes e a Ciência – o que remete a Leonardo da Vinci – tentando entender o que haveria de comum entre esses tipos de criação/descoberta. Não foi por acaso que jovens cientistas integravam as reuniões de poetas, em São Paulo. Não se via qualquer incompatibilidade entre as duas grandes áreas, que, no senso comum, eram vistas como antagônicas. Em Portugal, alguns poetas possuíam esse repertório mais científico, pela própria formação universitária na área das Exatas e/ou Biológicas e, portanto, tinham um pensamento análogo.

A investida internacional, iniciada pelos “históricos”, foi mais explícita entre os portugueses que os brasileiros, a partir da 2ª geração, o que colocou a poesia visual-experimental portuguesa num confronto internacional mais visível, ocupando o merecido lugar que ocupa no contexto poético mundial. No caso dos brasileiros, muito embora tenha havido alguma divulgação fora, este é um trabalho ainda por fazer.

Praticamente, toda a metalinguagem no que diz respeito a plataformas-de-ação era feita oralmente em reuniões em bares, restaurantes e algumas casas e eram quase sempre acaloradas. Porém, salvo um ou outro trabalho teórico mais geral, pouco expuseram esses poetas – tanto em Portugal, como no Brasil – de seus próprios trabalhos, diferentemente dos “históricos”, em ambos os países. Foi uma época, os anos 70 e depois, em que não faziam mais sentido os manifestos, como já foi dito, nas pegadas das vanguardas históricas, porém havia uma certeza entre os poetas dessa estirpe: a de que estavam fazendo a poesia mais significativa do Brasil e de Portugal. O que se almejava estava acima da excelência, já que as exigências para ser poeta eram muitas, dada a eleição de certos parâmetros. Não se cuidou de demarcações de limites nem de território a ser ocupado. A certeza de se estar fazendo trabalho de alta qualidade jamais colocava em questão o ser-se poeta, embora ninguém estivesse interessado em disputar o título. A Poesia, assim produzida, visava ao Planeta.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

28. Uma Ante-Antologia da Poesia Experimental Portuguesa.

Uma antologia deve ser apenas um esboço de amostragem de obras/ fazedores, com abertura para modificações: correções, acréscimos, cortes etc. Se já deveria ser deste modo em outros tempos, a tarefa hoje se simplifica, à medida que, com novos meios, novas linguagens, novos procedimentos – embora embasados em toda uma tradição – temos este tipo de publicação (digital): crescente e mutante. A maior das antologias, dentre as que examinei, não ultrapassou o 20º poeta. Isto significa que houve seleção, houve cortes – critérios foram postos em ação. Esta pretende ser geral, partindo do final dos 50, mas principalmente a partir dos 60, até à atualidade, porém, apenas considerando a produção impressa, se bem que muitas das peças podem transitar de um meio para o outro, sem perda da informação estética. A maior dificuldade foi justamente a relativa aos poetas e às poetas (não sei se em Portugal “poeta” se tornou comum-de-dois ou se os portugueses continuam a utilizar, para a fazedora, o feminino “poetisa”) que, atravessando décadas, desde o início da experimentação consciente, possuem obra volumosa e de grande qualidade – o que selecionar? Outras questões: a dos que não participaram de revistas pioneiras, mas acabaram por produzir textos afins, como Alexandre O’Neill, que comparece nas antologias, salvo erro, a partir de 1973, com a Antologia da Poesia Concreta em Portugal, ou dos que, como Herberto Helder, abandonaram as hostes experimentais, ou o dos artistas plásticos que tiveram e têm a escrita no centro de suas preocupações, como Emerenciano Rodrigues e Jorge dos Reis. Rui Torres, de uma 3ª geração, podemos assim dizer, tem foco principal nas novas mídias, porém, há um aspecto gráfico que pode, não sem perda de parte da informação estética, ir para o papel, que é o principal (não o único) suporte da poesia impressa: tipografia, offset, serigrafia, reprografia, carimbos e até auxílio a caligrafia gestual etc. Interessante é que, em alguns poetas, a parte verbal/verso/discursiva é muito mais volumosa que a propriamente experimental (com forte visualidade estrutural) que, tudo faz crer, obriga à prática da parcimônia. Os históricos, todos, já possuíam um percurso na poesia-verso, como disse em entrevista Melo e Castro, que também afirmou, em outra ocasião, que a poesia visual que produziu equivaleria a cerca de um quarto de toda a sua produção poética. Antologia escolhe peças e não autores, daí que o seu objetivo maior não é dar uma ideia da evolução de um poeta em particular, mas de todo o universo poético abordado. Uma antologia informa e cria expectativas para que o leitor-fruidor possa ir em busca de mais e mais informação. Embora contando com colaboradores (às vezes), os maiores promoters, divulgadores e organizadores de exposições e antologias são Melo e Castro e Fernando Aguiar – este último pertencente à 2ª geração de experimentais portugueses. Algumas peças tornaram-se verdadeiros “clássicos” da Poesia Experimental portuguesa e aqui comparecem inevitavelmente (não todas, porém). Que se tenha uma noção, tênue que seja, de como se desenvolveu a experimentação em Solo Lusitano.

*Fontes dos Poemas: sigla determinada e o nº de página ou de figura. Por uma questão que envolve direitos autorais etc. os poemas serão, por ora, apenas indicados, não reproduzidos.

ABVG: Alexandre O’Neill. Abandono vigiado. Lisboa: Guimarães Editores, 1960.

APEP60-80: Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro (org.) Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: anos 60-anos 80. Coimbra: Angelus Novus, 2004.

APCP: José-Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (org.) Antologia da Poesia Concreta em Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim, 1973.

COEXVS: Fernando Aguiar e Gabriel Rui Silva (org.) Concreta. Experimental. Visual. Poesia Portuguesa 1959-1989. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1989.

10EMER: Pedro Barbosa et alii. Emerenciano: 10 Anos de Escripinturas: 1973/1983. Porto: Fundação C. Gulbenkian, 1983.

25PO: António Nelos. 25 Poemas Visuais. Lisboa: Vala Comum, 1993.

IDGR: E. M. de Melo e Castro. Ideogramas. Lisboa: Guimarães Editores, 1962.

PLGS: E. M. de Melo e Castro. Poligonia do Soneto. Lisboa: Guimarães Editores, 1963.

REILEI: Ana Hatherly. A Reinvenção da Leitura: breve ensaio crítico seguido de 19 textos visuais. Lisboa: Editorial Futura, 1975.

PEXPP90: Fernando Aguiar (org.) Poesia Experimental Portuguesa dels 90 (Antologia). Barcelona: RSalvoEdicions, 1994.

PO.EX: site po-ex.net

sip: sem indicação de página

fig: figura

sd: sem data

 

A Ante-Antologia – Poetas/Poemas (em ordem alfabética de prenome de autor):

>Abílio-José Santos (Maia 1926-1992)

.Sem título [d o o o], 1968. COEXVS: 18

.Humo, 1972. COEXVS: 19

.Sem título [Amor], 1992. PEXPP90: sip

>Alberto Pimenta (O Porto 1937-)

.Biografias, 1977. APEP60-80: 168-171

.BLACK & WHITE, 1977. COEXVS: 21

.Intervenção no dia do turista, Lisboa, 1991. PEXPP90: sip

>Alexandre O’Neill (Lisboa 1924-1986)

.Tenho o colo de cisne e o corpo de hipocampo, 1960. ABVG: 26

.Quem nos dera bem juntos…, 1960. ABVG: 31

.Uma alegria de vírgulas em fuga…, 1960. ABVG: 39

>Almeida e Sousa (…)

.Sem título [poema], 1991. PEXPP90: sip

>Álvaro Neto [Liberto Cruz] (Sintra 1935-)

.Demonstrativando, 1966. APEP60-80: 82

.Despossuindo, 1966. APEP60-80: 84

.Grelha vocálica, anos ‘60. APCP: 96

>Ana Hatherly (O Porto 1929-Lisboa 2015)

.1º Poema Concreto, 1959. COEXVS: 10

.1 – MAIS IMPORTANTE E LIVRE, 1975. REILEI: sip

.3 – OS AS, 1975. REILEI: sip

.19 – LE PLAISIR DU TEXTE, 1975. REILEI: sip

.Sem título, 1984. APEP60-80: 247

>Antero de Alda (Sever do Vouga 1961-)

.Poema do guarda-chuva fechado, 1984. APEP60-80: 251

>António Aragão (São Vicente/Madeira 1921- Funchal 2008)

.Poema encontrado, 1964. COEXVS: 14

.Istória VEM, anos ‘60. APCP: 49 (encarte)

.Antes de vós, anos ’60. COEXVS: 15

.SOS-CÉU, 1987. COEXVS: 50

>António Barros (Funchal 1953-)

.TrAdição/Traição, 1979. COEXVS: 24

.Escravos, 1979. APEP60-80: 195

.Estudo dum texto visual, 1985. APEP60-80: 265

>António Dantas (1954-)

.ta-ta-ta, 1986. APEP60-80: 271

>António Nelos (Ilha da Madeira 1949-)

.SUB VER SÃO, anos ‘80. 25PO: sip

.DE VO TA, anos ‘80. 25PO: sip

.PRI MATA, anos ‘80. 25PO: sip

>Armando Macatrão (1957-)

.Soneto do nada ubíquo, 1987. COEXVS: 52

.Soneto atómico, 1990. PEXPP90: sip

>César Figueiredo (O Porto 1954-)

.Solar III, sd. COEXVS: 55

>Emerenciano Rodrigues (Ovar 1946-)

.Escripintura, anos ‘70. 10EMER: fig 3

.Escripintura, anos ‘70. 10EMER: fig 4

.Escripintura, 1985. COEXVS: 40

>Ernesto Manuel de Melo e Castro (Covilhã 1932-)

.Tontura, 1962. IDGR: sip

.Soneto Soma 14 X, 1963. PLGS: 38

.Geografia Humana, 1962. IDGR: sip

.Sintagramas 7, 8, 9, 10, 1967. APCP: 69

.Transformação-2, 1993. PEXPP90: sip (sequência de 3 páginas)

>Fernando Aguiar (Lisboa 1956-)

.(c)entro, 1978. APEP60-80: 208

.País de poetas, 1986. COEXVS: 42

.Murmúrios acerca de um soneto, 1986. COEXVS: 43

.Soneto progressivo-regressivo, 1990. PEXPP90: sip

>Gabriel Rui Silva (Almada 1956-)

.Sem título [Camara Municipal/informações], 1991. PEXPP90: sip

>Herberto Helder (Funchal 1930-Cascais 2015)

.Sem título, anos ’60. APCP: 70

>Jorge dos Reis (Unhais da Serra 1971-)

.Alfabeta [releitura], 2011. PO.EX

>José-Alberto Marques (Torres Novas 1939-)

.Sem título [o pó], 1967. APEP60-80: 133

.Textura 1, anos ‘60. APCP: 83

.Homeóstato-1, 1967. COEXVS: 22

.Geopoema, 1984. COEXVS: 39

.Ex-critas, 1985. APEP60-80: 326-7-8

>Manuel Portela (…)

.Fractal, 1991. PEXPP90: sip

>Rui Torres (O Porto 1973-)

.PoemAds – Sob o signo da devoração, 2012. PO.EX

>Salette Tavares (Lourenço Marques-Maputo/Moçambique 1922-1994)

.Falo, anos ’60. APCP: 102

.Os efes, anos ’60. APCP: 104

.Kinetofonia – TAKiTAKi, anos ’60. APCP: 105

.Kinetofonia – Ri m riri, anos ’60. APCP: 106

.Ironia sobre o computador, anos’60. APCP: 111 (encarte)

>Silvestre Pestana (Funchal 1949-)

.Atómico Acto (Construir o Poema), 1969. APEP60-80: 150

.Telegrafias, 1969. APEP60-80: 148

.Computer Poetry to Juian Beck, 1985. APEP60-80: 338

Creio que, em pouco tempo, já estarei a executar modificações, provavelmente acréscimos e trocas, pois, por mais que tenha tentado uma certa objetividade nas escolhas, norteadas mormente pela dimensão do qualitativo, há a irremediável questão idiossincrásica, mas sempre esperando ter feito o melhor possível, na base do “por enquanto”. XAIPE!

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

27. Antologias de Poesia Experimental Editadas (quase-sempre) em Portugal.

Há inúmeras antologias da Poesia Experimental portuguesa editadas em Portugal e fora. Aqui (neste texto) se consideram também “revistas” que, em verdade, são reuniões de poemas de uma certa atualidade, ou seja, são antologias, mais que revistas, já que a questão da periodicidade fica ausente, ainda mais no caso em que essas revistas chegaram apenas ao 2º número. E que poetas/poemas constam dessas publicações? Interessante observar:

.Poesia Experimental 1 (1964). Esta publicação inaugura as reuniões de poetas/poemas interessados em mudanças e por que não dizer invenção, inovação? Participam desta os poetas: António Aragão, António Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder e Salette Tavares. Há, ainda, na publicação, uma antologia da tradição experimental em Portugal.

.Suplemento Especial “Poesia Experimental” do Jornal do Fundão (24 de janeiro de 1965). Poetas: E. M. de Melo e Castro, António Ramos Rosa, Álvaro Neto, Maria Alberta Meneres, Luís Veiga Leitão, António Barahona da Fonseca, José Alberto Marques, Herberto Helder, Salette Tavares e António Aragão.

.A Proposição 2.01: Poesia Experimental (abril de 1965) livro teórico de Melo e Castro, de pequeno formato, mas que, ao final, traz uma interessante antologia, com facturas de épocas diversas e autores de vários países (com destaque para o Brasil). Os portugueses daquela atualidade presentes: Salette Tavares, Herberto Helder, Mário Cesariny de Vasconcelos, António Aragão e E. M. de Melo e Castro.

.Poesia Experimental 2 (1966). Neste 2º e último número, além dos portugueses, a revista abriga um contingente internacional de poetas [Melo e Castro, que consta como co-organizador, juntamente com António Aragão e Herberto Helder foi o encarregado da contribuição internacional]. Poetas portugueses: Luiza Neto Jorge, Herberto Helder, José Alberto Marques, Melo e Castro, António Barahona da Fonseca, António Aragão, Álvaro Neto, Ana Hatherly e Salette Tavares (+ o músico Jorge Peixinho, escrevendo sobre “notação musical”).

.Operação 1 (1967). Aparecem trabalhos de um brasileiro, Pedro Xisto de Carvalho. Portugueses: António Aragão, Ana Hatherly. E. M. de Melo e Castro e José Alberto Marques.

.Hidra 1 (1966). Os próprios poetas experimentais desconsideram esse 1º número de Hidra, que classificam como eclético demais, pois são muitos os colaboradores não-ligados à experimentação, mas há nomes importantes, como os de António Aragão, Luisa Neto Jorge, Salette Tavares, Herberto Helder, Liberto Cruz, porém, o destaque maior é para Melo e Castro com o seu Mapa do Deserto, poema de 1962, que aparece como encarte.

.Hidra 2 (1969). Participa, aqui, um brasileiro do Poema-Processo: Nei Leandro de Castro. Portugueses: Liberto Cruz, José Alberto Marques, António Aragão, Silvestre Pestana e E. M. de Melo e Castro.

.Antologia da Poesia Concreta em Portugal (1973). Poetas antologizados: Abílio, Alberto Pimenta, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, António Aragão, Melo e Castro, Herberto Helder, Jaime Salazar Sampaio, José Alberto Marques, José Luís Luna, Liberto Cruz, Luís Pignatelli, Salette Tavares e Silvestre Pestana.

.Antologia da poesia visual europeia (1977). [Josep M. Figueres e Manuel de Seabra org. Lisboa: Editorial Futura] Portugueses presentes: António Aragão, E. M. de Melo e Castro, Silvestre Pestana, Liberto Cruz, Manuel de Seabra e Ana Hatherly.

.Representação Portuguesa na XIV Bienal de São Paulo – catálogo (1977). Abílio José dos Santos, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, António Aragão, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder, Jaime Salazar Sampaio, José Alberto Marques, José Luís Luna, Liberto Cruz, Salette Tavares e Silvestre Pestana.

.Joyciana (Lisboa: & etc, nov. 1982). Constituiu-se numa obra-homenagem ao centenário de nascimento de James Joyce, um dos valores considerados pelos poetas experimentais portugueses. Consta que foram impressos 1000 exemplares, porém Melo e Castro escreveu-me em e-mail, que foram, em verdade, bem menos. Uma brochura tipo apostila, bem impressa em papel de gramatura baixa, sendo uma cor para cada um dos 4 participantes, com trabalhos originais, a partir de James Joyce: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão e Alberto Pimenta – apresentam trabalhos além de interessantes, com destaque para Alberto Pimenta – homiliada joyce – espécie de ready-made em que mexe com um catálogo de nomes, e onde entra o humor como componente importante. Aliás, o humor aparece desde a 1ª página: “no primeiro e último centenário do nascimento de James Joyce”.

.Poemografias: perspectivas da poesia visual portuguesa (1985). [Fernando Aguiar e Silvestre Pestana org.] Reúne poetas portugueses (+ um crítico e um músico) que, independentemente da extensão do percurso poético, já adentraram novas mídias e/ou impregnaram o seu trabalho de conceptualismo: Ana Hatherly, Alberto Pimenta, Salette Tavares, Antero de Alda, José-Alberto Marques, Abílio, António Barros, E. M. de Melo e Castro, Fernando Aguiar e Silvestre Pestana.

.Concreta. Experimental. Visual. Poesia Portuguesa 1959-1989 (1989). [Fernando Aguiar e Gabriel Rui Silva org.] Esta antologia constituiu-se em um catálogo de exposição. Poetas constantes: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão, Salette Tavares, Abílio-José Santos, Alberto Pimenta, José-Alberto Marques, Fernando Aguiar, António Barros, Rui Zink, Gilberto Gouveia, Gabriel Rui Silva, António Nelos, Emerenciano, António Dantas, Armando Macatrão, César Figueiredo, Avelino Rocha e Eduardo Nascimento.

.Visuelle Poesie aus Portugal: eine Anthologie (1990). [Fernando Aguiar org.] Poetas constantes: César Figueiredo, Armando Macatrão, Ana Hatherly, Emerenciano, Salette Tavares, Fernando Aguiar, José Alberto Marques, Antero de Alda, António Barros, Abílio José Santos, Alberto Pimenta, Rui Zink, António Aragão, António Dantas e António Nelos.

.Poesia Experimental Portuguesa dels 90. Antologia (1994). [Fernando Aguiar org.] Autores: Abílio-José Santos, Alberto Pimenta, Almeida e Sousa, Ana Hatherly, Melo e Castro, António Nelos, Armando Macatrão, César Figueiredo, Cristina Novais, Emerenciano, Manuel Portela, Fernando Aguiar e Gabriel Rui Silva.

.Imaginários de Ruptura: Poéticas Visuais. Antologia (2002). [Fernando Aguiar e Jorge Maximino org.] A antologia agrega aos portugueses vários brasileiros e poetas de outras nacionalidades, sendo uma publicação “associada à Bienal Internacional de Poesia do Douro e Vale do Côa – 2002, na qual os imaginários de ruptura servem de tema genérico.” Poetas portugueses constantes: Fernando Aguiar, António Aragão, Melo e Castro, César Figueiredo, Emerenciano, Ana Hathertly, José Alberto Marques, António Nelos, Alberto Pimenta, Avelino Rocha, Abílio-José Santos e Almeida e Sousa.

.Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80 (2004). [Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro org.] A publicação agrupa a produção da Poesia Experimental em anos 60, 70 e 80 – há quem conste das 3 décadas (Ana Hatherly, Melo e Castro, António Aragão, Salete Tavares, Silvestre Pestana), pois que a produção poética justifica. Poetas constantes: Abílio-José Santos, Alberto Pimenta, Alexandre O’Neill, Álvaro Neto, Ana Hatherly, Antero de Alda, António Aragão, António Barros, António Dantas, António Nelos,  Armando Macatrão, César Figueiredo, Emerenciano, Melo e Castro, Fernando Aguiar, Gabriel Rui Silva, José-Alberto Marques, Luiza Neto Jorge, Salette Tavares, Silvestre Pestana.

Estamos a tratar da Poesia Experimental impressa e de antologias a que tivemos acesso tanto no Brasil como em Portugal. Entre outras dificuldades de uma antologia que se pretenda geral em algum âmbito é justamente a questão da atualização, pois se está trabalhando com algo que se processa há décadas e que está ainda em curso. A delimitação temporal pode entrar como um recurso que, de facto, acabe por minorar o problema, mas não o elimina. Como vimos, das origens da Poesia Experimental portuguesa até parte dos anos 90, há uma cobertura bastante satisfatória. Daí em diante, as coisas ficam por fazer. A fonte mais atualizada para esse estudo será portanto uma fonte digital: o sítio PO.EX, organizado por Rui Torres: http://www.po-ex.net.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

 

26. Antologias. Uma Antologia da Poesia Experimental Portuguesa.

Quando falamos em jornal, estamos lidando com o efêmero (“o que tem a duração de 1 dia” – heméra, em grego= dia), pois jornal quer dizer diário e não à toa o lugar onde se guardam, colecionam jornais, recortes (e até periódicos) é a hemeroteca. Já a revista fica entre o efêmero do jornal e o perene do livro, e cuida-se de reunir em livro o que foi publicado em jornais e revistas, veículos que chegam rapidamente aos leitores e são imediatamente desprezados – “nada mais velho que o jornal de ontem”. Uma antologia que se assume antologia em volume, entra, já, na categoria livro, aspirando à perenidade, ou mesmo, à eternidade implícita no veículo. Já não entra no jogo a questão impossível (para publicações, como as que estou a tratar) da periodicidade e, embora continue com a parte mais difícil, que é a da seleção, vivencia as diferenças: numa revista ou suposta revista, pessoas são escolhidas, enquanto que, na antologia, os poemas-em-si, têm peso maior. Agora, se a antologia mexe com viventes, as dificuldades até aumentam, pois, se mortos não reagem, viventes o fazem. Exposições coletivas são como antologias: exigem uma curadoria, implicam seleção. E sempre há a exclusão de alguns, por um motivo ou outro. Portanto, critérios têm de ser consistentes e devem ser expostos com clareza.

§

Toda antologia peca (quase toda) pelo excesso, sendo que o antologista teme ter-se esquecido de algum valor maior – daí é que acaba por incluir peças que lhe trarão, cedo ou tarde, arrependimento e isto ocorre principalmente quando se trata de antologizar poetas da Contemporaneidade. A pesquisa para a elaboração de antologias nunca é feita satisfatoriamente e, portanto, essas devem ser constantemente reformuladas, modificadas, ao menos, com supressões e acréscimos, trocas de pecas constantes etc. Por outro lado, há que se ter coragem intelectual, o suficiente, para podar, assumir escolhas etc etc etc. O critério da qualidade é o principal (deve ser), pois, se se vai escolher o melhor, a nata (antologia= flores escolhidas), deverá entrar, em primeiro lugar o critério do qualitativo e, mesmo assim, há dificuldades – por exemplo: como colocar, numa antologia lusa da Lírica apenas 3 sonetos de Camões? Ou 2 poemas de Fernando Pessoa? Eis a questão. Daí, entram critérios secundários, como: produção dos anos tais, ou poemas publicados em vida do poeta, ou poemas que falam de amor, e aí vai. Em sua antologia que encerra o livro Apresentação da poesia brasileira, Manuel Bandeira exclui Oswald de Andrade (já havia dito, no texto, propriamente, da poesia de Oswald de Andrade que era constituída por “versos de um romancista em férias”) e, no entanto, coloca, ali, versos de poetastros, cuja ruindade, podendo ser percebida à época, o tempo (o melhor dos juízes) escancarou, com todas as letras, tendo sido legados ao esquecimento – e olha que Bandeira foi um grande poeta: sua obra é uma espécie de síntese da Lírica Ocidental. Na Antologia da poesia brasileira moderna (Lisboa: 1960), organizada por Alberto da Costa e Silva, em 1º lugar, pede-se desculpas pelas exclusões, quando deveria ser o contrário, pois sobram nomes e poemas de poetas que não vingaram e, portanto, desapareceram. Penso que, além do critério da qualidade, deverá haver outras especificações plausíveis e deixar claro Digo mais uma vez) que a antologia estará aberta a reformulações etc.

§

A antologia que ora elaboro tem a intenção de levar aos brasileiros uma significativa amostragem da Poesia Experimental portuguesa, pois, somente os diretamente interessados têm dela conhecimento no Brasil, que conta, inclusive, com alguns estudiosos do assunto e, considere-se, muitas publicações lusas chegam até lá, além de livros de poetas portugueses que são publicados no Brasil, como alguns de Ernesto Manuel de Melo e Castro e de Fernando Aguiar. De qualquer modo, falta a divulgação, falha esta que acomete os próprios brasileiros. Em Portugal, essa poesia, malgrado algumas dificuldades no campo editorial, tem sido divulgada por meio de antologias e de catálogos de exposições – por falar em meios impressos – sem contar as inúmeras exposições que têm tido lugar no País e fora, de algumas décadas para cá (o que mostra a vocação internacionalista dessa poesia). Então, o nosso problema era e é: “Como organizar uma antologia da poesia contemporânea portuguesa impressa, a que valoriza a visualidade, para um público brasileiro?” É claro que o mérito maior será o da qualidade das peças constantes e isto não será problema, pois o material é farto de elevado nível. Mas temos que considerar peças que por si sós tiveram importância no desenvolvimento subsequente da Poesia Experimental portuguesa, mesmo que os autores não tenham sido praticantes contumazes desse tipo de poesia. Aqueles que, embora continuem a produzir, apresentam trabalho consistente ao longo de décadas. Aqueles que, embora tardios, estão a construir obra forte, digna de nota, e tentar reunir um máximo de 50 poemas que, certamente poderão ser até menos (ou mais) no futuro, pois toda antologia é passível de ser reformulada, mesmo as que trazem peças milenares (se constam mais pela antiguidade do que pelo que tenham de qualidade). Uma antologia é uma antologia, não “a” antologia e sua função, além de informar, deverá ser a de estimular para a procura de outros poemas. Reunirei, portanto, 50 peças-poemas, com o objetivo de que o apreciador brasileiro tenha uma 1ª ideia do que vem a ser a Poesia Experimental portuguesa que, embora não tendo se constituído em movimento organizado, é mais concentrada do que o que se observa no Brasil, país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes, onde as visualidades pululam, pipocam, dispersivamente. Que essa antologia venha a anunciar uma exposição a ser realizada em local ainda não-definido, na cidade de São Paulo, quem sabe na Casa das Rosas, Espaço de Poesia Haroldo de Campos.

§

Eu fazedor de antologias vou basear-me nas que fiz de Poesia, pois já selecionei Pinturas, Esculturas, Obras Arquitetônicas, Peças Musicais. Vivemos a selecionar. Afora o mais informal em sala de aula, com pré-adolescentes e adolescentes, durante mais de duas décadas, elaborei 8 antologias que eram impressas e distribuídas no final do ano e ainda uma, acoplada à minha Dissertação de Mestrado, e que teve edição (pela Nomuque Edições) em separata muito bem cuidada – um trabalho artesanal feito totalmente em serigrafia e com dobraduras, e foram cerca de 100 exemplares distribuídos principalmente a amigos e aficionados, além dos exemplares que acompanharam o volume da Dissertação: Não muito mas muito da poesia em língua portuguesa (de Sá de Miranda a Paulo Miranda). Então, iniciava com a melopeia/logopeia do Mestre luso e terminava com o soneto-fita-métrica do então jovem poeta brasileiro – eram apenas 22 peças de portugueses e brasileiros sendo que, dos portugueses, concluímos com Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa ele-mesmo. Constituiu-se num ato de coragem. Organizar antologias mínimas causa sofrimento, mas apresenta compensações – é preciso, além da coragem, o empenho). Em sua maioria, as referidas antologias foram elaboradas para chegar a um público de não-iniciados, abraçando a noção de Paideuma (um mínimo de peças com um máximo de informação estética, visando a um público de não-iniciados ou de iniciantes, como entendeu Ezra Pound, que colocou a seleção rigorosa como uma das funções da crítica, a principal) e na tentativa de realizar um projeto que era, em verdade e em parte, de Haroldo de Campos, de elaborar uma “antologia da poesia brasileira de invenção”, para a qual colocou apenas algumas diretrizes e sugestões (Pound sempre presente, assim como Jakobson). Também organizei várias exposições, ou seja, fiz curadorias que diziam respeito especificamente à Poesia Visual (não só, mas principalmente na cidade de São Paulo e congregando poetas brasileiros), sendo que a memória de algumas acabou por se perder. Penso ser melhor a antologia que peça por menos do que a que faz sobrar, pois, o objetivo é esse mesmo: o de motivar novas buscas por parte do público leitor.

§

Reiterando: As dificuldades em se organizar uma antologia de poemas são imensas e sem remédio. E como diz o ditado: “Se não tem remédio, remediado está!” E persistimos em reunir poemas, sendo que o exame da totalidade seria o mais conveniente, mas isto é tarefa para especialistas e para toda uma vida. Antologias cumprem o seu papel de iniciar alguém em determinado território ou autor ou autores de uma certa poesia, tradição etc. De qualquer modo, os critérios têm de ser claros e o antologista deve ter a consciência de que está fazendo o melhor, dentro do que é possível. E saber que ajustes serão necessários num futuro, que poderá ser próximo: cortes, substituições, acréscimos, correções. No caso específico da Poesia Visual/Experimental portuguesa as dificuldades não são menores, não apenas pelo facto de o processo estar em curso, mas porque já existem excelentes trabalhos de seleção e juntada de poemas dessa estirpe, que se auto-nomeiam antologias e as antologias que são catálogos de exposições, belos catálogos. Vamos, logo mais, apresentar a nossa que acabará por se desdobrar em luso-e-brasileira.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

25. Os Contextos Brasileiro e Luso à Época das Explosões Experimentais.

O Brasil, após o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), sob o comando de Getúlio Vargas, gradativamente se encaminhou para um regime democrático, permeado de crises políticas, sendo as mais graves: a que culmina com o suicídio de Vargas, que havia sido eleito Presidente e a que se inicia com a renúncia de Jânio Quadros e culmina com o Golpe de 1964, que põe termo ao período. O momento pós-Vargas é caracterizado por uma crise, que terá fim com a eleição e posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK que, superando os primeiros momentos nada pacíficos de seu governo, coloca o País num clima de euforia, sendo que importantes acontecimentos no âmbito da cultura já vinham ocorrendo desde os anos 1940: da criação do MASP (1947) aos MAMs (São Paulo 1948 e Rio de Janeiro 1949), ao TBC, Cia. Cinematográfica Vera Cruz, à Bienal de São Paulo (sendo a primeira, em 1951), a entrada em grande estilo e de facto da Arte de Linha Construtiva no Brasil (já em fins dos anos ’40, mas, principalmente, nos anos ’50). A Arquitetura Moderna, que fora introduzida em fins dos anos ’20, ganha força nos 30, continuando a sua escalada nos ’40 e triunfando nos ’50 de mãos dadas com o urbanismo, 2ª metade, com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e o projeto e construção da Nova Capital: Brasília. Concretismo nas Artes Plásticas, com os Grupos Ruptura (1952) e Frente (1954) e, mais para o final da década, o Neoconcretismo. O marasmo e conservadorismo poético da Geração de 45 têm um “basta” com o nascimento da Poesia Concreta, Grupo Noigandres, 1ª movimento artístico internacional com a participação de brasileiros em sua criação, movimento experimental-inventivo, por excelência, em sua fase ortodoxa ou heroica. Exposição Nacional de Arte Concreta, com a participação dos poetas: 1956 São Paulo-1957 Rio de Janeiro. Tempo em que nasce a Bossa Nova, no Rio de Janeiro, e já começa o seu florescimento sendo que, na década seguinte, acaba por ganhar o Mundo. Em 1958 o Brasil, que já era o “país do futebol”, conquista a sua primeira Copa, brilhantemente, na Suécia. O país, vive, então uma fase de verdadeira democracia (apesar dos grandes problemas de ordem social, dos quais não se livrou até hoje), e se aposta num desenvolvimentismo, que acabou por deixar como herança todas as brechas que dariam guarida a crises, que explodiriam na década seguinte, em seus inícios: da Renúncia de Jânio Quadros, à casuística instalação do Parlamentarismo (enquanto que o Vice eleito estava ausente do País), à derrubada do Parlamentarismo por meio de um Plebiscito, à volta do Presidencialismo e as campanhas populistas que mexeram com os temores da burguesia, classe média e militares, o que culminou com o Golpe de 1964, instituindo os governos militares, com um autoritarismo que foi num crescendo, recrudesceu e demorou a arrefecer – isto já nos anos 1980, em que eleições diretas começam a ser restabelecidas (menos para Presidente, que terá de esperar mais) até que civis vieram a ocupar o cargo maior do País (1985) e a nova Constituição (1988), com garantias das liberdades etc. Mesmo sob o tacão da ditadura militar, na 2ª metade dos anos ’60 floresceu a Tropicália ou Tropicalismo, em São Paulo, movimento musical e comportamental, propondo uma diferente leitura do Brasil, mas que acabou por ser vítima do Regime, porém, mudou tudo na MPB, ultrapassando suas fronteiras. Nos anos 1970, com a 2ª geração de poetas experimentais (abraçada à 1ª), que atuaram mormente junto às revistas, que proliferaram no País, a Poesia floresce e, dentro já de uma tradição do rigor e intersemioticidade, estende-se à atualidade. Então, diferentemente do Brasil, em Portugal o Experimentalismo poético se inicia e se desenvolve sob um regime autoritário, regime este que cede apenas em 1974 – daí, depois de décadas, o País experimentará a Democracia.

Já em suas origens, o autoritarismo luso de António de Oliveira Salazar (1889-1970) encontrou entre seus opositores, ninguém menos que Fernando Pessoa (1888-1935) que, já próximo do desaparecimento e que, dando vazão ao seu “nacionalismo místico”, havia publicado (1934) o seu Mensagem, chega a compor peças ditadas pela conjuntura, que reproduzimos a seguir (Fernando Pessoa. Mensagem e outros poemas sobre Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim, 2014, p. 127, 128 e 129-130):

António de Oliveira Salazar.

Três nomes em sequência regular…

António é António.

Oliveira é uma árvore.

Salazar é só apelido.

Até aí está bem.

O que não faz sentido

É o sentido que tudo isto tem.

(29-3-1935)

Este senhor Salazar

É feito de sal e azar.

Se um dia chove,

A água dissolve

O sal,

E sob o céu

Fica só o azar, é natural.

 

Oh, c’os diabos!

Parece que já choveu…

(29-3-1935)

Coitadinho

Do tiraninho!

Não bebe vinho,

Nem sequer sozinho…

 

Bebe a verdade

E a liberdade,

E com tal agrado

Que já começam

A escassear no mercado.

 

Coitadinho

Do tiraninho!

O meu vizinho

Está na Guiné,

E o meu padrinho

No Limoeiro

Aqui ao pé,

E ninguém sabe porquê.

 

Mas, enfim, é

Certo e certeiro

Que isto consola

E nos dá fé:

Que o coitadinho

Do tiraninho

Não bebe vinho,

Nem até

Café.

(29-3-1935)

Salazar (e o “Estado Novo”) dominou o País, de 1932 a 1968, seguido por outro “mão de ferro”, Marcelo Caetano, derrubado em 1974, com o 25 de Abril. E nesses mesmos anos ’70, meados, libertações das Colônias portuguesas de África, depois de guerras de independência. Valerá a pena ler a entrevista-depoimento concedida por E. M. de Melo e Castro a Raquel Monteiro, no Museu de Serralves, Porto, em 2006 – disponível em: http://www.po-ex.net – em que o contexto político e literário em Portugal, nos anos 50 e 60 é brilhantemente colocado. Do mesmo poeta-experimentador, entrevista concedida a Ana Cristina Joaquim, Revista Desassossego 9, junho de 2013 (existe em PDF). Melo e Castro, com a sua exuberância verbal, conhecimento-vivência e clareza, não sonega informação. Daí ser desnecessário que eu o parafraseie. O mesmo, com textos de divulgação (Rádio) de Ana Hatherly, abordando os anos 1960: “A década prodigiosa I, II, III, IV e V” (Ana Hatherly. Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social, anos 1960-1980. Lisboa: Quimera, 2009, p. 92-102.) A entrada de Portugal no rol das Democracias, depois de décadas, trouxe consequências boas, mas também dificuldades para um país que, durante séculos esteve em posse de um Império Colonial que, apesar dos muitos percalços, manteve-se, até o seu desmantelar completo, nos anos 1970. Na Democracia Lusa, tem-se observado a atuação de forças contrárias, não propriamente antagônicas, do que ainda se chama de esquerda (os progressistas) e direita (os conservadores/entreguistas) sem grande poder de ação para um país que optou por fazer parte da Comunidade Europeia, para não ficar à margem com relação ao restante do Continente Europeu. Mas vive-se uma democracia num país que muito tem a oferecer e que se transforma para melhor – para os de fora, que o observam. A Poesia Experimental lusa antecipou-se à grande abertura, desmantelando o discurso do autoritarismo salazarista (Melo e Castro) e abrindo o País para o Mundo.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

24. Nome, Classificação da Poesia: Concreta, Visual/Experimental.

Dar nome é coisa primordial para nós (entre nós e o mundo: uma espessa camada de signos), classificar é o passo seguinte. A ânsia de classificação é coisa que persegue os Humanos, principalmente os doutos que, classificando, etiquetando, engavetando, acabam por ter a posse da coisa (ou a ilusão de), o domínio sobre a coisa e, tudo o que com ela se relacione tem de caber naquela classificação. Algumas classificações até chegam a ser úteis, desde que sua operacionalidade as justifique. A Semiótica peirceana nos ensina que nenhuma leitura de signos ou de complexos sígnicos é definitiva, por melhor que seja – o Interpretante Final tem como lugar o Futuro, sempre. Nomes têm sido dados, pelo bem (por autodenominação ou não) e pelo mal (pejorativamente ou não) e acabam por se consagrar, tais como Impressionismo, Futurismo, Fauvismo, Cubismo, Imagismo, Orfismo, Simultaneísmo, Surrealismo etc. Como sabemos, o nome Poesia Concreta foi dado por Augusto de Campos (já que existiam Arte Concreta e Música Concreta – é assim que o poeta o justifica – e independentemente de um sueco nascido em São Paulo ter falado pouco antes em poesia concreta, coisa que não vingou) e aceito por Eugen Gomringer (co-criador), em contacto com Décio Pignatari e o Grupo Noigandres. Sendo uma poesia de altíssimo repertório, a penetração junto a um público maior de não-especialistas/não-aficionados da Poesia foi e é difícil: 1º pelo boicote empreendido pela crítica do establishment, e 2º pelas próprias dificuldades apresentadas por uma poesia que não fez concessões sendo que, via de regra, a informação chega de forma diluída antes de chegar ela-mesma ou chega de forma indireta ao grande público. No caso da Poesia Concreta, no Brasil, até pessoas de um repertório mais elevado – mais lendo os detratores do que procurando a própria produção – tiveram uma noção errada das coisas, limitando a Poesia Concreta àquela produzida nos anos 1950 (importantíssima, por sinal), fase dita Ortodoxa ou Heroica, em que os poemas se caracterizavam pela parcimônia verbal, pela espacialização rigorosa, deixando sentir-se a brancura da página, pela tentativa de uniformização tipomórfica (com o tipo não-serifado futura) e pela imposição de uma forma geométrica. Acontece que as coisas evoluíram, sem perda do rigor, muito rapidamente, nos 60 e 70, mesmo em tempo em que os poetas concretistas brasileiros, embora cultivando estreitos laços de amizade (não sem conflitos esporádicos e conversáveis), já não formavam propriamente um grupo. Nesse universo dos anos 1960, além do chamado “salto participante” (Invenção 2, 1962), surgiram projetos individuais e em colaboração, mas com peças de autoria sempre individual, como as Galáxias, de Haroldo de Campos, os pop-cretos de Augusto de Campos + Waldemar Cordeiro, os poemas-código ou poemas semióticos de Décio Pignatari + Luís Ângelo Pinto, que tiveram seguidores. Wlademir Dias-Pino que, no texto “Nova linguagem. Nova Poesia” é apontado como precursor dos poemas semióticos (poemas código), por Décio Pignatari e Luís Ângelo Pinto, acaba por se tornar tributário daquela proposta quando, na 2ª metade dos anos ’60 cria o Poema-Processo (que frutificará mormente em Estados do Nordeste brasileiro), tentativa de radicalização do não-verbal em Poesia – os poemas semióticos portavam uma “chave léxica” direcionadora de leitura. Além das discordâncias e atritos que, desde a 1ª metade dos anos 1960, houve com Mário Chamie (1933-2011), que teve participação na página “Invenção”, do Correio Paulistano, mas acabou por se tornar inimigo figadal dos poetas concretos, criador da Poesia Práxis, houve uma indisposição Concretismo/Poema-Processo, sendo este anti-paulista ferrenho. Em entrevista concedida a Antonio Risério (publicada na revista Código 1. Salvador: Erthos Albino de Souza, 1974), Haroldo de Campos chegou a afirmar; “o poema-processo é a doença infantil da poesia concreta”. Coloca-se, geralmente, a denominação Poesia Visual, como algo geral, uma espécie de saco-de-gatos, onde cabe tudo – então, a Poesia Concreta seria uma modalidade de poesia visual, o que não conteria alguma precisão, pois, abraçando um termo cunhado por James Joyce, os concretistas se propunham a fazer e fizeram uma poesia vebivocovisual. Apesar de consagrado, inclusive internacionalmente, o termo “poesia visual” é insuficiente, não somente por não dar conta do fenômeno como por levar a equívocos. Quando os concretistas do Grupo Noigandres entram em desacordo com Apollinaire e seus caligramas, é pelo fato daquelas facturas serem figurativas e em nada diferirem dos carmina figurata, praticados há mais de 2 milênios e, no mais, estava-se na época dos radicalismos exacerbados: Haroldo de Campos havia escrito (1957) um texto que trouxe problemas, principalmente com Ferreira Gullar: “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”, cuja ideia principal era a de que deveria existir uma estrutura que antecedesse a feitura do poema. A denominação “Poesia Concreta” não apenas continuou a ser utilizada pelos componentes do Grupo Noigandres, como sua abrangência, por ação de seus principais teóricos, chegou a ser ampliada. Haroldo de Campos, em época tardia, em que inclusive havia dado por encerrado o seu projeto de prosa experimental Galáxias (1963/4-1976), muito embora acatasse a ideia de que toda poesia digna do nome é concreta, à medida que coloca em evidência a materialidade dos signos, cansou-se de ser chamado “concretista” e, em várias de suas conferências chegou a dizer: “se amanhã eu vier a fazer um soneto, ainda dirão: ‘o poeta concretista Haroldo de Campos acaba de publicar um soneto’”. Esse fardo, Augusto de Campos carrega até hoje e com grandeza, pois, além do trabalho crítico que continua a desenvolver + a tradução-arte que pratica diariamente, produz uma poesia com forte carga de visualidade o que o liga, indissoluvelmente, embora com anos-luz de distância, à Poesia Concreta dos primeiros tempos, desde a sua célebre série de poemas coloridos Poetamenos (1953).

M. de Melo e Castro apresenta no Suplemento Especial “Poesia Experimental” do Jornal do Fundão uma classificação por demais abrangente, envolvendo todo o universo da poesia experimental mundial, que é reapresentada em A Proposição 2.01: Poesia Experimental, com algumas alterações – o primeiro, publicado em 24 de janeiro de 1965 e o segundo em abril do mesmo ano (Lisboa: Editora Ulisseia). Assim como os nomes de movimentos podem ser dados pelos próprios criadores, todo um trabalho de organização do pensamento, por escrito, e com fins didáticos pode ser desenvolvido e Melo e Castro é mestre nesse tipo de coisa e ninguém melhor que ele para discorrer sobre, ele que, além do alto repertório e de ser criador, possui essa capacidade de expor ideias, como poucos. Assim também Ana Hatherly, embora mais didática. Ambos fizeram muita metalinguagem constituindo-se, em Portugal, não nos únicos, mas nos maiores críticos (crítica= discernimento) das hostes experimentais. Os melhores críticos são aqueles que contribuem para a melhoria da arte que criticam – é o caso deles. A seguir vêm os que focalizam o melhor que se produz – é o caso deles e as afirmações acerca dos críticos foi feita por Ezra Pound. Os grandes críticos (além de serem capazes de grandes e esclarecedoras análises) são os que revelam à Sociedade novos valores e por isto mesmo, pelo menos num certo período, fazem crítica militante. É o caso dos dois. Voltemos à questão terminológica:

Melo e Castro, em e-mail de 11.09.2015 […] Penso que fui o primeiro a usar os seguintes termos :  Videopoema, videopoesia, infopoesia , infopoema, mas Visopoema é de autoria de António Aragão no 1º número da revista  Poesia Experimental [organizada por António Aragão e Herberto Helder], talvez influenciado pelo termo Poesia Visiva usado pelos italianos, pois ele viveu em Roma alguns anos estudando restauro de obras de arte e convivendo com poetas visivos. Segundo me parece é também  italiano o sema  POESIA VISUAL hoje vulgarmente usado e abusado por muita gente…

 Ao final do pequeno e importante volume A Proposição 2.01: Poesia Experimental, Melo e Castro traz uma antologia mais que interessante de poesia que valoriza a visualidade e outros cometimentos, já com aquele internacionalismo que caracterizará a mais avançada poesia produzida em Portugal, a partir dos anos 1960 e, na apresentação, diz que as peças constantes estão divididas em três partes: 1ª – Documentando uma profunda e essencial preocupação do Homem com a escrita. 2ª – Exemplos de poemas gráficos pioneiros. 3ª – Exemplos actuais de poemas gráficos, plásticos, concretos e combinatórios.” Nota-se, já, a abertura que se anuncia para esse universo de prática poética.

Melo e Castro, em 1977: “Quase toda a Poesia Experimental Portuguesa produzida a partir do início da década de 60 se pode inscrever dentro de uma denominação geral de POESIA ESPACIAL, uma vez que as suas coordenadas visuais são dominantes”. É claro que esta afirmação era até então válida, sendo que, a seguir, estará superada pelos acontecimentos poéticos, a começar pelo próprio Melo e Castro, e novos discursos foram necessários.

Poesia do Significante, utilizado por mais de um estudioso para qualificar a Poesia Experimental portuguesa, não me parece adequado bem porque toda poesia digna do nome chama a atenção para a materialidade do signo poético (Jakobson) e é por isto que, mais que ambiguidade, o signo poético é portador de uma carga semântica potencializada, sem compromisso com verdades, mas com o Admirável.

Parece que, com relação à poesia com forte carga de visualidade, dos anos 1970 (a partir da 2ª geração de experimentais, digamos), até hoje, não houve muita preocupação em classificar a produção ou estabelecer uma tipologia da mesma. A preocupação maior esteve em denominar o fenômeno como um todo: poesia intermedia, poesia intersemiótica, visopoemas, poesia multimídia, poesia intersignos, poesia interdisciplinar, poesia da era pós-verso. Porém, tudo faz crer que a primeira tentativa de classificação geral da produção a partir dos ’70 até aos ’80 (parte), no Brasil especificamente, incluindo a produção de criadores que vinham de bem antes, originou-se de um trabalho de Philadelpho Menezes (1960-2000), que se constituiu em sua Dissertação de Mestrado e depois publicado (Philadelpho Menezes. Poética e visualidade: uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.) Ele, também poeta, chegou a sistematizar algumas ideias que eram discutidas desde os anos 1970 por um grupo de São Paulo (onde se incluía o seu pai Florivaldo Menezes, poeta) do qual, por um curto espaço de tempo e mais tardiamente, ele chegou a fazer parte, como sua esposa, a artista plástica e poeta Ana Aly. E, dentre as ideias colocadas, a central era a da perfeita fusão de códigos no poema, não simplesmente justaposição ou superposição de códigos/linguagens. Bem, mas a classificação que ele apresenta, possui o mérito de ter sido a primeira tentativa de agrupar sob critério formal e valorativo poemas – então, minimizava o aspecto qualitativo de uns e supervalorizava de outros, sendo que era, em verdade, de difícil aplicabilidade. Poema Embalagem, Poema Colagem e Poema de Montagem Intersígnica, numa escala crescente quanto ao aspecto qualitativo. Chamou de Poesia Intersignos a que obtinha uma verdadeira fusão de códigos e chegou a organizar uma exposição no Centro Cultural São Paulo, com aquela denominação (1985). Tirando a repercussão negativa (mal-estar) que isto causou entre os poetas, essa terminologia nem chegou a ser adotada por outrem. Importante foi a exposição por ele organizada, também no CCSP (1988) e que reuniu grandes nomes da Poesia Visual, internacionalmente falando – Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo – e que contou com a presença de Eugen Gomringer. Seu trabalho poético estava a se desenvolver e adentrando as novas mídias, quando veio a falecer. Ana Aly tem divulgado a poesia de Philadelpho Menezes por meio de várias exposições, principalmente na cidade de São Paulo. Seu mais bem realizado poema a meu ver (e não é o mais divulgado) é o que utiliza o anagrama “universo-souvenir”. Há quem não se preocupe com classificações, considerando apenas se o poema é ou não um bom poema, porém, aí, entra em jogo uma outra questão: o que vem a ser um “bom poema”? De qualquer modo, a pioneira classificação elaborada por Philadelpho Menezes fica como um estímulo para novas tentativas. Metalinguagem não é exclusividade de doutos – todos a fazem, com maior ou menor consciência, de modo simplório ou bastante sofisticado. A mais importante é a que venha a implicar, de facto, esclarecimentos acerca dos fenômenos das linguagens.

Obs. Toda uma apresentação cuidadosa (com discussão) é desenvolvida na “Introdução” da Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80, pelos organizadores Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro (Coimbra: Angelus Novus, 2004).

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz