26. Antologias. Uma Antologia da Poesia Experimental Portuguesa.

Quando falamos em jornal, estamos lidando com o efêmero (“o que tem a duração de 1 dia” – heméra, em grego= dia), pois jornal quer dizer diário e não à toa o lugar onde se guardam, colecionam jornais, recortes (e até periódicos) é a hemeroteca. Já a revista fica entre o efêmero do jornal e o perene do livro, e cuida-se de reunir em livro o que foi publicado em jornais e revistas, veículos que chegam rapidamente aos leitores e são imediatamente desprezados – “nada mais velho que o jornal de ontem”. Uma antologia que se assume antologia em volume, entra, já, na categoria livro, aspirando à perenidade, ou mesmo, à eternidade implícita no veículo. Já não entra no jogo a questão impossível (para publicações, como as que estou a tratar) da periodicidade e, embora continue com a parte mais difícil, que é a da seleção, vivencia as diferenças: numa revista ou suposta revista, pessoas são escolhidas, enquanto que, na antologia, os poemas-em-si, têm peso maior. Agora, se a antologia mexe com viventes, as dificuldades até aumentam, pois, se mortos não reagem, viventes o fazem. Exposições coletivas são como antologias: exigem uma curadoria, implicam seleção. E sempre há a exclusão de alguns, por um motivo ou outro. Portanto, critérios têm de ser consistentes e devem ser expostos com clareza.

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Toda antologia peca (quase toda) pelo excesso, sendo que o antologista teme ter-se esquecido de algum valor maior – daí é que acaba por incluir peças que lhe trarão, cedo ou tarde, arrependimento e isto ocorre principalmente quando se trata de antologizar poetas da Contemporaneidade. A pesquisa para a elaboração de antologias nunca é feita satisfatoriamente e, portanto, essas devem ser constantemente reformuladas, modificadas, ao menos, com supressões e acréscimos, trocas de pecas constantes etc. Por outro lado, há que se ter coragem intelectual, o suficiente, para podar, assumir escolhas etc etc etc. O critério da qualidade é o principal (deve ser), pois, se se vai escolher o melhor, a nata (antologia= flores escolhidas), deverá entrar, em primeiro lugar o critério do qualitativo e, mesmo assim, há dificuldades – por exemplo: como colocar, numa antologia lusa da Lírica apenas 3 sonetos de Camões? Ou 2 poemas de Fernando Pessoa? Eis a questão. Daí, entram critérios secundários, como: produção dos anos tais, ou poemas publicados em vida do poeta, ou poemas que falam de amor, e aí vai. Em sua antologia que encerra o livro Apresentação da poesia brasileira, Manuel Bandeira exclui Oswald de Andrade (já havia dito, no texto, propriamente, da poesia de Oswald de Andrade que era constituída por “versos de um romancista em férias”) e, no entanto, coloca, ali, versos de poetastros, cuja ruindade, podendo ser percebida à época, o tempo (o melhor dos juízes) escancarou, com todas as letras, tendo sido legados ao esquecimento – e olha que Bandeira foi um grande poeta: sua obra é uma espécie de síntese da Lírica Ocidental. Na Antologia da poesia brasileira moderna (Lisboa: 1960), organizada por Alberto da Costa e Silva, em 1º lugar, pede-se desculpas pelas exclusões, quando deveria ser o contrário, pois sobram nomes e poemas de poetas que não vingaram e, portanto, desapareceram. Penso que, além do critério da qualidade, deverá haver outras especificações plausíveis e deixar claro Digo mais uma vez) que a antologia estará aberta a reformulações etc.

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A antologia que ora elaboro tem a intenção de levar aos brasileiros uma significativa amostragem da Poesia Experimental portuguesa, pois, somente os diretamente interessados têm dela conhecimento no Brasil, que conta, inclusive, com alguns estudiosos do assunto e, considere-se, muitas publicações lusas chegam até lá, além de livros de poetas portugueses que são publicados no Brasil, como alguns de Ernesto Manuel de Melo e Castro e de Fernando Aguiar. De qualquer modo, falta a divulgação, falha esta que acomete os próprios brasileiros. Em Portugal, essa poesia, malgrado algumas dificuldades no campo editorial, tem sido divulgada por meio de antologias e de catálogos de exposições – por falar em meios impressos – sem contar as inúmeras exposições que têm tido lugar no País e fora, de algumas décadas para cá (o que mostra a vocação internacionalista dessa poesia). Então, o nosso problema era e é: “Como organizar uma antologia da poesia contemporânea portuguesa impressa, a que valoriza a visualidade, para um público brasileiro?” É claro que o mérito maior será o da qualidade das peças constantes e isto não será problema, pois o material é farto de elevado nível. Mas temos que considerar peças que por si sós tiveram importância no desenvolvimento subsequente da Poesia Experimental portuguesa, mesmo que os autores não tenham sido praticantes contumazes desse tipo de poesia. Aqueles que, embora continuem a produzir, apresentam trabalho consistente ao longo de décadas. Aqueles que, embora tardios, estão a construir obra forte, digna de nota, e tentar reunir um máximo de 50 poemas que, certamente poderão ser até menos (ou mais) no futuro, pois toda antologia é passível de ser reformulada, mesmo as que trazem peças milenares (se constam mais pela antiguidade do que pelo que tenham de qualidade). Uma antologia é uma antologia, não “a” antologia e sua função, além de informar, deverá ser a de estimular para a procura de outros poemas. Reunirei, portanto, 50 peças-poemas, com o objetivo de que o apreciador brasileiro tenha uma 1ª ideia do que vem a ser a Poesia Experimental portuguesa que, embora não tendo se constituído em movimento organizado, é mais concentrada do que o que se observa no Brasil, país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes, onde as visualidades pululam, pipocam, dispersivamente. Que essa antologia venha a anunciar uma exposição a ser realizada em local ainda não-definido, na cidade de São Paulo, quem sabe na Casa das Rosas, Espaço de Poesia Haroldo de Campos.

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Eu fazedor de antologias vou basear-me nas que fiz de Poesia, pois já selecionei Pinturas, Esculturas, Obras Arquitetônicas, Peças Musicais. Vivemos a selecionar. Afora o mais informal em sala de aula, com pré-adolescentes e adolescentes, durante mais de duas décadas, elaborei 8 antologias que eram impressas e distribuídas no final do ano e ainda uma, acoplada à minha Dissertação de Mestrado, e que teve edição (pela Nomuque Edições) em separata muito bem cuidada – um trabalho artesanal feito totalmente em serigrafia e com dobraduras, e foram cerca de 100 exemplares distribuídos principalmente a amigos e aficionados, além dos exemplares que acompanharam o volume da Dissertação: Não muito mas muito da poesia em língua portuguesa (de Sá de Miranda a Paulo Miranda). Então, iniciava com a melopeia/logopeia do Mestre luso e terminava com o soneto-fita-métrica do então jovem poeta brasileiro – eram apenas 22 peças de portugueses e brasileiros sendo que, dos portugueses, concluímos com Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa ele-mesmo. Constituiu-se num ato de coragem. Organizar antologias mínimas causa sofrimento, mas apresenta compensações – é preciso, além da coragem, o empenho). Em sua maioria, as referidas antologias foram elaboradas para chegar a um público de não-iniciados, abraçando a noção de Paideuma (um mínimo de peças com um máximo de informação estética, visando a um público de não-iniciados ou de iniciantes, como entendeu Ezra Pound, que colocou a seleção rigorosa como uma das funções da crítica, a principal) e na tentativa de realizar um projeto que era, em verdade e em parte, de Haroldo de Campos, de elaborar uma “antologia da poesia brasileira de invenção”, para a qual colocou apenas algumas diretrizes e sugestões (Pound sempre presente, assim como Jakobson). Também organizei várias exposições, ou seja, fiz curadorias que diziam respeito especificamente à Poesia Visual (não só, mas principalmente na cidade de São Paulo e congregando poetas brasileiros), sendo que a memória de algumas acabou por se perder. Penso ser melhor a antologia que peça por menos do que a que faz sobrar, pois, o objetivo é esse mesmo: o de motivar novas buscas por parte do público leitor.

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Reiterando: As dificuldades em se organizar uma antologia de poemas são imensas e sem remédio. E como diz o ditado: “Se não tem remédio, remediado está!” E persistimos em reunir poemas, sendo que o exame da totalidade seria o mais conveniente, mas isto é tarefa para especialistas e para toda uma vida. Antologias cumprem o seu papel de iniciar alguém em determinado território ou autor ou autores de uma certa poesia, tradição etc. De qualquer modo, os critérios têm de ser claros e o antologista deve ter a consciência de que está fazendo o melhor, dentro do que é possível. E saber que ajustes serão necessários num futuro, que poderá ser próximo: cortes, substituições, acréscimos, correções. No caso específico da Poesia Visual/Experimental portuguesa as dificuldades não são menores, não apenas pelo facto de o processo estar em curso, mas porque já existem excelentes trabalhos de seleção e juntada de poemas dessa estirpe, que se auto-nomeiam antologias e as antologias que são catálogos de exposições, belos catálogos. Vamos, logo mais, apresentar a nossa que acabará por se desdobrar em luso-e-brasileira.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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