Arquivos mensais: novembro 2015

11. Revistas de Invenção/Revistas Experimentais, Revistas de Artistas, Revistas.

As revistas de criadores (poetas, artistas plásticos…), via de regra, desdizem a definição de revista, pois já começam a falhar quanto à periodicidade – isto, quando conseguem sair do 1º número, sobrevivendo por um certo tempo (incerto). A partir de fins do século XIX, mas principalmente ao adentrar o século XX, tais publicações desempenharam um papel assaz importante na divulgação de poemas etc e ideias, e foram congregadoras de produtores de linguagem de muitas áreas, principalmente de Poesia. No modernismo luso, assim como no brasileiro, elas tiveram fundamental importância, chegando a emprestar seus nomes a grupos – Orpheu, Portugal Futurista, Presença, Klaxon, Revista de Antropofagia… Reuniram forças, preservaram materiais e como que retiveram o espírito de sua época. Difícil, porém, é, em primeiro lugar, obter coesão, com relação a um grupo de criadores e, em segundo, manter esse grupo interessado por algum tempo (questões referentes a revistas já tratamos em Doutorado, cuja Tese continua inédita, e na publicação de 2004, da Ateliê Editorial: Revistas na era pós-verso…). Se a Arte não suporta amarras por muito tempo, muito embora não viva sem regras, temporárias ou duradouras, os grupos, via de regra, têm curta duração, muito embora tenham tido importância capital nos Modernismos. O Grupo Noigandres (São Paulo, Brasil) dos concretistas é um desses grupos de longa duração – excluam-se grupos internacionais, com grande abertura e com poucos contactos entre os seus membros. O Grupo Noigandres, inicialmente formado por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos nasce propriamente com a publicação do número 1 da revista do mesmo nome, em 1952, e dura até a de número 5, de 1962 – nesse meio-tempo, agrega Ronaldo Azeredo (a partir da de nº 3) e José Lino Grünewald (na de nº 5). Décio Pignatari, em várias ocasiões, disse-nos que os três haviam feito um trato: o de nunca romper a amizade, por mais que viessem a ocorrer diferenças na criação ou pensamento, para que, na maturidade e na velhice, eles não viessem a ficar sem interlocutores, e isto surgiu ao observarem, quando em visita a Oswald de Andrade, modernista histórico, a solidão em que vivia o poeta, no que diz respeito à vida intelectual e artística, muito embora se esforçasse por participar das atividades culturais da cidade de São Paulo. Como já foi dito, ao Trio Noigandres se juntaram Ronaldo Azeredo e José-Lino Grünewald e, já nos anos 60, Edgard Braga e Pedro Xisto de Carvalho. Adentra-se os ‘60, com a página “Invenção”, no Correio Paulistano e tem início a edição de Invenção, sendo que os dois primeiros números saem em 1962, antes mesmo do 5º número de Noigandres, que encerra suas atividades com uma espécie de balanço do Concretismo brasileiro-noigandrense, apresentando uma antologia dos cinco componentes, com o título: antologia noigandres 5: do verso à poesia concreta. Invenção também durou 5 números, sendo o último datado de 1966-67. Experimentação e amizade prosseguiram, não sem discordâncias, porém, discordâncias discutidas e não-estruturais. Como afirmou várias vezes Melo e Castro e outros, em Portugal, os poetas experimentais não se constituíram em grupo, apenas se reuniam para conversas e nas publicações, mas mesmo assim, houve desacordos, sendo o mais notório o de Herberto Hélder, que teve importante papel nos princípios do experimentalismo português. Este também registra importantes publicações coletivas de pouca duração e que tiveram papel fundamental no processo de instauração e prosseguimento de propósitos, embora sem sectarismo. Registram-se as publicações (que serão tratadas em texto especial): Poesia Experimental 1 (1964), Poesia Experimental 2 (1966), Suplemento Especial “Poesia Experimental”, do Jornal do Fundão (24.01.1965), Hidra 1 (1966) e Hidra 2 (1969), Operação 1 (1967) e Operação 2 (1967), além de exposições, com catálogos que assumiram especial papel de registro. Depois desse período, que se pode chamar “heroico”, de luta, aconteceram muitas mostras, antologias e exposições-sessões de performance. A investida internacional, presente desde o início, nos anos ’60, terá uma intensificação sem precedentes na poesia lusa. Retornando às generalidades sobre revistas de artistas, em verdade, publicações coletivas, cujo trabalho maior sempre recai sobre 1, 2 ou 3 dos componentes da “equipa”, dão força a um pensamento, a uma proposta, a um movimento e atrai gente. Mesmo no caso daquelas que não saíram do 1º número ou que, saindo, não chegaram a ter periodicidade, pois a tendência é que, a partir de um certo momento, cada um tome o seu rumo e os projetos coletivos – formando ou não um grupo – desapareçam, tomem outras formas ou comecem a apresentar variantes, sendo que alguns até abandonam por completo antigas crenças, chegando a renegá-las, por um motivo ou outro. Essas publicações coletivas, num futuro, dão lugar a obras individuais que acabam por reunir o já publicado, recontextualizando-o, ao mesmo tempo em que parte do que está nas revistas fica esquecido, porém, a preparar surpresas para futuros pesquisadores. As revistas cumprem o papel que lhes cabe: veicular criação/pensamento e revelar novos valores. Escreveu Melo e Castro num ensaio sobre revistas dos anos ‘50 e ’60: “… o livro, quer em edição de autor, quer em edição de uma editora, não era geralmente acessível aos jovens estreantes; a revista constituía o meio mais prático de publicar pela primeira vez.” (Melo e Castro. “As revistas de poesia nas décadas de 50 e 60”. In: Literatura portuguesa de invenção. São Paulo: DIFEL, 1884, p. 78). Muita coisa mudou e, hoje, um estreante poderá elaborar o seu livro em casa e enviar a uma empresa que fará a reprodução de poucos exemplares, a um custo bastante baixo. O grande problema de quem custeia a sua própria edição será principalmente o da distribuição. As revistas estarão sempre no universo do provisório, muito embora, com o tempo, revistam-se de uma espécie de aura que faz com que sejam facsimilarmente reproduzidas. Livros, namoram o perene, aspiram à eternidade. Mesmo numa época em que o digital – universo do disponível – se impõe como a coisa do momento, os impressos continuam a fascinar estreantes, que já nasceram com esses instrumentos e media da Nova Era.

PS O encargo financeiro, o custo dessas revistas – e, em mais de 90% dos casos não se computa o capital trabalho – fica por conta do grupo, que se cotiza ou de um ou dois que, mais comumente do que se imagina, recorrem a membros da família mais abonados, sob a promessa de que reporão o dinheiro ali “investido”. A alegria de publicar coletivamente talvez seja a maior recompensa daqueles que se empenham para que “revistas” aconteçam.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

10. Poesia: em busca do ouro: primeiras edições de Poesia Experimental Portuguesa etc.

Poesia é “artigo” que pouco se vende e o poeta é um ser que não pode/não consegue viver daquilo que melhor faz: seus poemas, sua poesia (daí, talvez, carregar consigo a obrigação do risco – a não ser que seja o “poeta da corte” ou que venha a ter sucesso como letrista de canções populares. Poesia somente “dá dinheiro” quando, facilitada e utilizando recursos os mais vulgares que se conhecem, como o tema “amor” com todas as suas nuances, e rimas – adivinháveis – e refrões, é musicada baratamente, e é tocada no rádio e alimenta os mega-shows. Aí, sim, pode render até milhões. De quando em quando, algo um pouco melhor, no âmbito da música popular, e é o que irá vender menos). Não é de se estranhar que editores relutem em publicar, arcar com o ônus pecuniário de um livro que abriga poemas e que, certamente, não terá um comércio apreciável. Poemas! E, no entanto, as sociedades têm o maior orgulho de seus poetas, os mortos (quase-sempre). A grande poesia – que continua a existir, diga-se – é difícil, indigesta, obriga a operações mentais cansativas e, por isto mesmo, quase não tem público. Edições de livros de poesia, pelo menos no âmbito da Língua Portuguesa são pequenas (a não ser daqueles valores consagrados, que constam das antologias escolares ou que, no caso do Brasil, são parte do programa dos vestibulares para ingresso nas universidades, mormente o da USP: daí, mega-edições a baixo-custo, já que há um público comprador certo), ao passo que a prosa pode chegar ao status de best-seller (certa vez, eu, ao telefone com Décio Pignatari, falava, a propósito de uma adaptação para cinema, de um desses best-sellers e tentei abordá-los, no geral – fosse um filme brotado de uma obra literariamente importante eu diria, com Jakobson, não adaptação, mas tradução intersemiótica. Bem, Décio, sem muita paciência e para encerrar a conversa, disse-me, enérgico: – Omar, best-seller não é bem Literatura!). Exceções há, e o caso Pessoa (Fernando Pessoa 1888-1935) é bem ilustrativo disto. Além de grande e prolífico fazedor, Pessoa acabou, ele-mesmo, tornando-se uma lenda e todo um folclore foi criado à sua volta e a sua poesia (não somente) tem sido consumida, nem digo fruída, por uma multidão de leitores, que geralmente procuram conteúdos e incursões pensamentais elucubrativas, sem por um minuto pensar o que faz daqueles textos algo tão especial (o Poeta foi exímio nas incursões logopaicas, melopaicas e até fanopaicas, para ficarmos com Ezra Pound). Pessoa, no Brasil é unanimidade: entre os alfabetizados que leem poesia (Décio Pignatari diria: pelas “minorias de massa”), transita entre toscos e sofisticados, mas transita, a ponto de poder ser apreciado quando declamado em shows de música popular. Em Portugal, Pessoa se avoluma: edições sucessivas de seus escritos (era um compulsivo escrevedor, com um nível elevadíssimo). E livros sobre ele, penso que não haja semana em que não apareça algo novo e geralmente tentando penetrar o mistério Pessoa. É espantoso o fenômeno! A rigor, Fernando Pessoa não poderia ser chamado de inventor, considerando aqui aquela classificação de escritores elaborada por Ezra Pound (1885-1972), um seu contemporâneo. Seria um mestre, é um Mestre, já que como poeta, operou com versos, sem atentar contra a sua integridade – fossem livres ou não – muito embora tenha em suas práticas, em certas peças, o uso abusivo do enjambement, o que causa estranheza num leitor comum de poesia. Mas, a genialidade de Pessoa está justamente na multiplicidade configurada com a sua heteronímia, aliada a um qualitativo hors concours. Daí, pode ser considerado um inventor (embora não tenha inventado a heteronímia). Ficou difícil dizer algo poeticamente depois de Pessoa. Ficou mais difícil ser poeta-maior depois do Bardo. Em Portugal, os poetas, de 1960 para cá, digamos, queixam-se de editores que relutam em editar os seus livros, e falam em dificuldades para consegui-lo (somente para lembrar: 2ª metade do século XIX, Cesário Verde esbravejando em seu poema Contrariedades, contra aqueles que não o publicavam – pobre/rica Poesia!). E isto pude notar quando, frequentando grandes e pequenas livrarias em Lisboa, dificilmente encontrava obras dos poetas experimentais, até aquelas que foram editadas em outros momentos por editoras estabelecidas, dentro do sistema editorial. No Brasil, os “históricos”, quase todos, têm suas obras poéticas editadas e encontráveis em livrarias, mas somente a partir de meados dos ’70, em Portugal, obras dos “históricos”, quase-todas, se esgotam e não têm tido reedições. Daí é que, contrariando o que seria de costume, passamos a procurar as obras nos sebos, nos alfarrabistas. Conversando com Melo e Castro sobre isto e o Poeta abordando a questão com naturalidade, cheguei a afirmar ser paradoxal essa faina, o que em verdade não chega a sê-lo, já que nessas livrarias de livros usados (porém nem sempre) encontra-se tudo o que já passou por outras mãos, há muito ou pouco tempo. Lembrei-me do livro Soma (1963), de Edgard Braga (1897-1985), uma joiazinha que eu sempre quis ter e que somente anos após a sua morte pude encontrar em São Paulo, num sebo, aos montes e a preço tão baixo, que adquiri 15 exemplares, com os quais fui, ao longo dos anos, brindando os amigos. Penso que toda a biblioteca do velho Braga, médico-obstetra e poeta, tenha sido vendida a preço de nada. Pude comprar inúmeros livros, desde os primeiros, parnaso-simbolistas, até o mencionado Soma – quadradinho, com projeto gráfico de Décio Pignatari – além de livros de medicina, propriamente. Livros são a pior herança que se pode deixar para os familiares: não será jamais um prêmio, mas um encargo, do qual irão se livrar na primeira oportunidade. Bibliotecas têm a feição daqueles que as formaram e, por isto mesmo, têm-na em alta conta. Os outros, não. Daí, que é melhor destinar os livros a uma instituição. Mas o que acontece é que, geralmente, sabendo da importância da edição, os livreiros exorbitam nos preços. É claro que o lugar exato para se procurarem essas edições para consulta seria uma grande biblioteca e, em Lisboa, nenhuma melhor que a Biblioteca Nacional. E foi lá que pude ter acesso a publicações que se tornaram raridade, na edição original ou em cópia digitalizada, ou mesmo edição fac-similada. Porém, algumas outras, dentre as constantes do catálogo, ainda não estavam disponíveis. Somando-se a isto o fato de existirem muitos alfarrabistas no centro da cidade, passei a frequentá-los. Mesmo nos sebos, é difícil encontrar obras dos experimentais históricos e, quando encontradas, a dificuldade será pagar o que se pede por tais obras. Mesmo assim, adquiri umas poucas, não tão raras, pois edições como as das revistas, estas tinham preços estratosféricos. Estive na Letra Livre, Calçada do Combro e encontrei textos metalinguísticos de Melo e Castro, acessíveis. Já outras obras, não pude adquirir. Ainda na Calçada do Combro, a livraria Ecléctica, onde, ao mencionar Melo e Castro, senti que havia uma grande familiaridade com relação ao autor. O rapaz que me atendeu mostrou-me algumas obras (3, depois, adquiri) e prometeu falar com o pai, o proprietário, que era amigo de Melo e Castro. Em outro dia, cheguei à livraria e já havia, em exposição, raridades da Poesia Experimental Portuguesa: Operação 1, Hidra 1, Hidra 2, Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de 24 de janeiro de 1965 e algumas obras de autores vários. Fiquei maravilhado com o que vi e assustado com os preços que ouvi. Não só o Sr. Alfredo Gonçalves era amigo de Melo e Castro, como o Poeta havia vendido a ele, acho que parte de sua biblioteca, e sabia do valor daquele material. Conversei, conversei e perguntei, dada a impossibilidade de adquirir aquelas publicações, se poderia ir até lá para consultá-las, com todo o cuidado, ao que ele concordou. No dia seguinte, lá estava eu, com caderno de notas, régua e caneta para efetuar a pesquisa, e a fiz! Depois, considerei-me o maior cara-de-pau, mas fui e fiz. Sou imensamente grato ao livreiro que, no mais, deu-me muitas preciosas informações sobre publicações e Poesia Experimental, especificamente. Isto tudo me faz lembrar de uma Livraria e Editora de São Paulo, que não era alfarrabista e que já nem mais existe: a Duas Cidades, ali na Rua Bento Freitas, Centro, com aquelas moças, Maria Antônia à frente, que entendiam de livros, como poucos: atendiam bem, sabiam o que estavam a vender, davam informações, faziam sugestões quando solicitadas e até eram capazes de indicar a concorrente quando um certo título não estava ali disponível. Deixar algo em consignação na Duas Cidades, era certeza de correcção no acerto – não apenas aceitava em consignação as publicações da Nomuque, como, em 1977, distribuiu nacionalmente as Artérias 1 e 2, além de outras publicações da mesma estirpe e, o mais notável, fez reedição do Teoria da Poesia Concreta, editou comercialmente a poesia de Décio Pignatari – Poesia Pois É Poesia – e a de Augusto de Campos – Viva Vaia – e chegou a publicar 3 números de uma revista que, dentro do sistema editorial brasileiro, foi a mais arrojada, com um notável time de colaboradores: Através. Hoje, muitas livrarias, do mundo todo, possuem cadeiras confortáveis para que os seus clientes (ninguém mais fala “fregueses”) possam examinar livros e outros tipos de publicação (e muitos chegam a ler, em várias “sessões”, volumes inteiros), somente falta uma mesinha para que possam realizar as suas pesquisas. Auguri!

Obs. Devo ter, em minha pequena biblioteca particular, em São Paulo, umas 10 ou 12 diferentes edições do Mensagem de Fernando Pessoa, livro publicado em 1934 e, pelo qual, não obteve o 1º lugar num concurso. É um livro que se apresenta completo, redondo, embora poemas tenham sido escritos em épocas diferentes. Propõe-se como um épico, épico possível em seu tempo, um épico sem movimento, composto de quadros estáticos, como na galeria de um museu, mas, que quadros! José Augusto Seabra disse tratar-se de uma obra pan-genérica. Dá para entender. A excelência das peças que o compõem faz até com que a riqueza semântica, que remete a ocultismo, numerologia, messianismo, nacionalismo místico etc, seja negligenciada. É coisa de Mestre. É possível lê-lo em 1 hora e 20 minutos… e ficar a retomá-lo a vida toda. Pude consultar a edição de 1934 (único livro de poesia em português publicado por Fernando Pessoa, ele-mesmo), na Biblioteca da Faculdade de Letras da USP, há mais de 20 anos. Procurei-o, cá em Lisboa, num sebo, ao que obtive como resposta que é raro aparecer um exemplar e, caso apareça, terá um preço proibitivo. Comprei uma edição fac-similada. Um dos mais belos livros de Poesia do século XX.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

9. Revistas de Invenção/Experimentais: participações. Antologias.

Contactos poéticos/artísticos entre Brasil-Portugal-Brasil (já sabemos), pelo menos a partir do século XIX, estiveram abaixo do que seria de se esperar – isto quando se trata de ações presentes em que trocas e influências mútuas poderiam vir a ocorrer (não estou a considerar aqui os casos de artistas portugueses que se radicaram no Brasil, tais como Joaquim Tenreiro, Fernando Lemos, Arthur Barrio, António Manuel, ou mesmo Vieira da Silva, exilada no País, com o marido Arpad Szenes, nos anos 1940). Penso que as coisas são como são e, forçar contactos, seria algo fora de propósito. Reclama-se, também, do pouco contacto do Brasil com os demais países da América Latina, achando que deveriam ser mais intensos e perceptíveis. No campo da Música Popular, nem é preciso falar, porque as coisas acontecem, mesmo! Em outros campos, a mesma elite artística e intelectual que não faz contacto (há exceções) é a que consome os produtos culturais, como a literatura, por exemplo, mormente quando passa a haver uma certa distância no tempo. Contactos há quando têm de haver, muito embora, existam aqueles que, se dependêssemos deles, teríamos um verdadeiro dirigismo artístico. Nada pior do que colocar cabresto no mundo da arte. Apesar de tudo, as coisas estão a acontecer, assim como estiveram. Porém, considerando Brasil e Portugal como países com tanta coisa em comum, é de se estranhar tanta distância com poucos momentos de aproximação. Vejamos, em momento bem determinado da história recente da poesia, os contactos que vieram a acontecer, em termos de publicação em revistas de invenção, como são identificadas no Brasil ou experimentais, como preferiram os portugueses.

Brasil. Em Noigandres (1952-1962), apenas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos e, a partir da de nº 3, onde já aparece o subtítulo “poesia concreta”, entra Ronaldo Azeredo. José Lino Grünewald, apenas participa na de nº 5: “do verso à poesia concreta”. Grande abertura já se verifica na página “Invenção” do Correio Paulistano, o que se verificará também na revista Invenção (1962-1966-67), a partir da de nº 2 (a 1ª trouxe apenas 2 ensaios: de Cassiano Ricardo e de Décio Pignatari). Em Invenção 2 (2º trimestre de 1962) há a participação do poeta português Jorge de Sena (1919-1978) que, na ocasião, estava exilado no Brasil, onde lecionou por alguns anos (Assis, Araraquara), sendo que sua entrada se deve a Augusto de Campos, que o conheceu no Congresso de Crítica e História Literária de Assis, em 1961 – participa com 4 Sonetos a Afrodite Anadiómena. Aquele tipo de produção, não era bem o que a revista – que trazia o subtítulo de “revista de arte de vanguarda” – esperava, mas os “sonetos” foram publicados. De qualquer forma, os referidos textos possuíam qualidade inegável. Em Invenção 3 (junho de 1963) aparece o poema Monumento, de E. M. de Melo e Castro, peça constante de Ideogramas, obra publicada pelo poeta, em 1962. E, na secção “Móbile” de Invenção, à página 79, o livro é noticiado e comentado. Em Invenção 5 (1966-67), na secção “Móbile”, páginas 112 e 113: Melo e Castro e a carta (1962) ao Times Literary Supplement e um longo relato sobre o experimentalismo em Portugal – atividades, exposições, publicações. Invenção encerra suas atividades com o 5º número, momento em que já se vivia no Brasil uma ditadura militar, sendo que o pior estava por vir em dezembro de 1968. A Poesia Concreta brasileira, enquanto grupo organizado, mesmo com a evolução que se observou a partir de 1960, termina aí, muito embora o Concretismo poético continue o seu curso até bem mais além, assim como a denominação “Poesia Concreta” – poucos grupos de vanguarda tiveram duração tão longa e com um núcleo coeso e amigo, que durou até à morte da maioria. Além de o Grupo Noigandres ter incorporado Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, mais dois poetas, praticamente da geração dos modernistas históricos, passaram a integrar a equipe: Pedro Xisto de Carvalho e Edgard Braga. Hoje, Augusto de Campos é o único sobrevivente e, aos 84,5 anos, continua atuante como poeta, tradutor-recriador e ensaísta (não são mencionados, aqui, poetas viventes que passaram pelo Concretismo, com realizações notórias, tendo participado da Exposição Nacional de Arte Concreta, 1956-57, em São Paulo e no Rio de Janeiro, como Wlademir Dias-Pino, um dos criadores do Poema-Processo, nos anos ‘60, e que continuou experimental, e Ferreira Gullar, que rompeu com o Concretismo paulista, instaurando o Neoconcretismo e, depois, afastando-se dos processos de experimentação e, hoje, membro da Academia Brasileira de Letras – de qualquer modo, históricos. Em outras artes, vivem: Judith Lauand, pintora, e o músico Gilberto Mendes, nonagenários. Em âmbito internacional, os viventes nonagenários: Pierre Boulez, músico, e o co-fundador do Movimento da Poesia Concreta Eugen Gomringer. O poeta experimental português E. M. de Melo e Castro, octogenário, em plena atividade, vive em São Paulo de Piratininga, Brasil – para falar apenas de “históricos” que passaram dos 80 anos). Alguns poetas, temporariamente experimentais / concretos, passaram pela página, no Correio Paulistano e pela revista Invenção e, depois, afastaram-se, com ou sem conflito. Adesões temporárias também aconteceram em Portugal: breves participações nas hostes vanguardistas. O experimentalismo luso não veio a formar um grupo, propriamente, com um projeto rígido, mesmo que temporário, como aconteceu em outros lugares, inclusive no Brasil, com o Grupo da Poesia Concreta, implicando renúncia de um projeto meramente individual, em prol do coletivo, do Grupo. Houve, em Portugal, apenas a aproximação de pessoas, por afinidade de propósitos, sem sectarismo, propriamente. No caso do Brasil e dos concretistas, mesmo os manifestos foram, em sua maioria, assinados por um só integrante, embora se detectasse coerência nas propostas todas. Poucos manifestos tiveram as assinaturas dos três iniciantes do Grupo: o mais famoso teve: Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Por outro lado, os poemas foram sempre individuais, embora tenha havido trabalhos “em colaboração”. Já na página “Invenção”, e também na revista do mesmo nome, é óbvia a busca do apregoado internacionalismo.

Portugal. Brasileiros nas publicações experimentais portuguesas do 1º momento: Poesia Experimental 2 (1966): poemas de Pedro Xisto e Edgard Braga, e o fragmento inicial de Galáxias, de Haroldo de Campos, e em Operação 1 (1967): Pedro Xisto de Carvalho (1901-1987), com 4 Epithalamia, trabalhos que o celebrizaram no âmbito de uma poesia gráfica e que já haviam sido publicados em Invenção 5, juntamente com outros 4 (Logogramas). Em 1969, em Hidra 2: Nei Leandro de Castro (1940-) poeta potiguar, pertencente ao Poema-Processo, comparece com Desmontagem do NU, em três folhas soltas, num contexto de grande arrojo. O desejo de internacionalismo é evidente nas publicações coletivas do experimentalismo português.

A impossibilidade de montar uma estrutura, de facto, de publicação periódica, praticamente ditou o fim de revistas de invenção/experimentais, tanto no Brasil, como em Portugal. E no Mundo todo, pode-se dizer. No Brasil, houve tentativas e até se contou com editores, que foram mais distribuidores de publicações, cujos custos eram cotizados entre os participantes ou eram bancados por um dos componentes. Essa coisa de financiamento pelos próprios criadores também aconteceu em Portugal, sendo que patrocínios foram raros.

Três importantes antologias de Poesia Concreta foram publicadas nos anos 1960, todas elas no mundo anglófono (Reino Unido e Estados Unidos da América): organizadas por Stephen Bann (Concrete Poetry: an international anthology. London: London Magazine Editions, 1967), Emmett Williams (An Anthology of Concrete Poetry. New York: Something Else Press, 1967) e Mary Ellen Solt (Concrete Poetry: a World View. Bloomington: Indiana University Press, 1968). Stephen Bann traz longa introdução. A antologia se inicia – Parte 1 – com Eugen Gomringer e outros de língua alemã. Brasileiros comparecem na Parte 2: Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald, Pedro Xisto e Edgard Braga. Na Parte 3, os de língua inglesa. Ausência de poetas de Portugal, que também se encontram ausentes da antologia de Emmett Williams que traz, além dos brasileiros já citados, Wlademir Dias-Pino e Luiz Ângelo Pinto. Emmett Williams privilegia o italiano Carlo Belloli (que foi casado com a escultora brasileira de linha construtiva Mary Vieira), uma espécie de tardo-futurista e que, não tendo qualquer papel para o nascimento da Poesia Concreta, apresenta interessantes poemas com destaque para a parte gráfica, com datas bem recuadas. Já Mary Ellen Solt, traz uma longuíssima introdução, em que percorre países, rastreando origens: Suíça, Brasil etc. Traz algumas linhas dedicadas a Portugal: menciona a passagem de Décio Pignatari pelo país, em 1956 e a antologia Poesia Concreta, de 1962. Cita E. M. de Melo e Castro e Salette Tavares, os quais comparecem na antologia: Melo e Castro com Monumento e Salette Tavares com Aranha. Brasileiros presentes: Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Luiz Ângelo Pinto, Edgard Braga, José Lino Grünewald, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo e José Paulo Paes. Muitas outras antologias internacionais ou mesmo nacionais viriam depois.

Em 1973, foi publicada a Antologia da Poesia Concreta em Portugal, organizada por José-Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (Lisboa: Assírio & Alvim). Traz uma elucidativa introdução sobre as origens da poesia concreta/experimental em Portugal, assim como suas fontes e rumos tomados até àquela data (inícios dos anos 1970), estampando poemas de 14 poetas com produção que poderia, pelo menos em parte e/ou temporariamente ser classificada como concreta, ou com visualidade como elemento estrutural. De Ana Hatherly, Melo e Castro, António Aragão e Salette Tavares, passando por Herberto Hélder e Alexandre O’Neill, a Alberto Pimenta e Silvestre Pestana, constam com mais ou menos páginas. Ao final, há uma entrevista com Haroldo de Campos, feita por Melo e Castro, quando da passagem do poeta brasileiro por Portugal, pouco tempo antes – fala-se, nessa entrevista, mais do geral do que da Poesia Concreta na Terra Lusitana, propriamente. Uma antologia geral da Poesia Concreta, no Brasil, demoraria a sair e, assim mesmo, de modo insatisfatório. Está, aí, algo a ser pensado e viabilizado.

Obs. Em época mais recente, Fernando Aguiar e Jorge Maximino organizaram uma antologia internacional em que, ao lado de poetas experimentais portugueses (desde os “históricos”) e de outras nacionalidades, constam os brasileiros: Arnaldo Antunes, Avelino de Araújo, Joaquim Branco, Paulo Bruscky, Rodolfo Franco, Artur Gomes, J. Medeiros e Hugo Pontes. Publicação “associada à Bienal Internacional de Poesia do Douro e Vale do Côa – 2002, na qual os imaginários de ruptura servem de tema genérico.” F. Aguiar e J. Maximino org. Imaginários de ruptura: poéticas visuais (antologia). Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

8. Brasil-Portugal: difícil contacto.

“Que portugueses e brasileiros se desconhecem e ignoram cada vez mais, não pode haver dúvida nenhuma. Embora nos discursos e nos acordos se pretenda o contrário, a realidade grita que um oceano nos separa”. (João Alves das Neves. O Movimento Futurista em Portugal. 2ª ed. Lisboa: Dinalivro, 1987, p. 179). E isto talvez possa ser afirmado até à Contemporaneidade (exceções se verificam com relação às produções dos respectivos presentes, no campo da Música Popular, por exemplo, mas não apenas – porém, não o suficiente para poder desdizer o que acima se afirma), pois os olhos se voltam para centros hegemônicos (econômicos e culturais), desconhecendo, os portugueses, que há um Brasil que cresceu, mas que cresceu irregularmente e que vai além do universo folclórico, tencionando um lugar digno na chamada Cultura Ocidental, agora Global/Globalizada, não sendo, portanto apenas um país de proporções continentais, tão cheio de desigualdades e, por seu turno, os brasileiros não percebem a complexidade da Terra Lusitana, apesar de sua exiguidade territorial e de toda a herança, a partir do idioma, recebida e que Portugal esteve à frente da Europa, num certo momento – fins do séc. XIV, séc. XV, adentrando o XVI – tendo sido Lisboa a cidade mais cosmopolita existente no Mundo. Muita água rolou durante séculos e, apesar dos percalços, Portugal ainda conseguiu manter um império colonial (inclusive retomando parte do Brasil aos holandeses), ao qual emprestou uma coloração ímpar, tendo a destacar a traumática transferência da Corte para o Brasil e até a coroação do rei D. João VI, no Rio de Janeiro. Afora a chegada de portugueses durante o Brasil-Colônia, a Terra Brasilis continuou a receber os lusos, sendo fortíssima a sua presença na formação étnica e na cultura brasileiras. Há um certo peso sobre Portugal, que talvez seja motivo de vagareza, que é o messianismo, sob a forma de Sebastianismo, que perpassou séculos (desde a desaparecimento do Rei D. Sebastião, no Norte da África, em 1578) e chega ao século XX, e alimentado por ninguém menos que a exponencial figura de Fernando António Nogueira Pessoa, o Fernando Pessoa, Poeta maior. Hoje, não saberia dizer sobre o que há de residual desse “nacionalismo místico”, que acometeu o grande fazedor. Por seu turno, o Brasil, frente a um potencial natural notório e notável, e pelo fato não engrenar como deveria, graças mesmo às suas riquezas naturais, foi (e talvez ainda seja) assolado por uma crença altamente perniciosa de que é o País do Futuro, e a coisa fica como a espiga de milho dependurada por um fio numa vara e colocada à frente de um burrinho que, tentando alcançá-la, põe-se a andar, mas nunca a alcança! A crença num país que irá se realizar plenamente no futuro não deixa de ser uma espécie de messianismo. Bem, dedicar-se a exercícios de futurologia é um modo de andar às tontas, com a certeza de errar na mosca, como diria Paulo Miranda. O que de facto interessa é a labuta no presente! Da mesma forma que se reclama uma maior integração cultural Brasil-Portugal, se brada por uma maior vivência entre países da América Latina, incluindo o Brasil. Essas interações somente existirão de fato quando houver uma bem maior integração sob o aspecto econômico – daí, os bens culturais e os interesses mútuos nessas trocas terão voz e vez. Com os concretos e experimentais os messianismos não tiveram vez.

Obs. Em Orfeu 1, consta modestamente, poeticamente falando, o brasileiro Ronald de Carvalho, que aparecerá na Semana de 22, em São Paulo. Um trabalho de Tarsila do Amaral consta em Presença, importante revista lusa, nos anos 1920. O foco, porém, desde antes, mas durante o 1º Modernismo, sempre se centrou um pouco além, em França – Paris, principalmente.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

7. A tradução de textos poéticos como parte do projeto concretista

Nenhuma tradição poética é suficientemente rica para satisfazer a curiosidade de alguém que, de facto, ama a Poesia, a ponto de querer conhecê-la em profundidade. Nenhuma, seja em língua inglesa, francesa, alemã, russa, espanhola, portuguesa – nenhuma! Um leitor de Alemão, por exemplo, se quiser adentrar a Lírica, em profundidade, terá de recorrer à poesia grega, para nós, fundante, e deverá, portanto, penetrar os mistérios da língua de Safo, Alceu, Arquíloco e outros. Para quem não quer saber de nada que não seja entretenimento, bastará ouvir a poesia cantada das chamadas músicas populares (é espantoso o fenômeno de massa que se observa nesses mega-shows, no mundo todo, com as plateias cantando junto com os cantores, com as bandas, a ponto de impressionar poetas do universo erudito), que operam em vários níveis, geralmente abaixo da Poesia considerada Grande Arte. É tudo uma questão de repertório, procurar uma ou outra poesia, o que não impede alguém de alto repertório de gostar de “coisas menores” – que as há, há! Ezra Pound, uma das pessoas que melhor entenderam essa questão da necessidade de se visitarem as produções poéticas das várias tradições idiomáticas, escrevendo para um público anglófono, fazendo recomendações de leitura (ele que se preocupou com o poético e as futuras gerações, elaborando paideumas), disse, com uma espécie de “desprezo respeitoso”: para aqueles que só sabem inglês… O Português produziu grande poesia (uma das coisas que podemos tirar da teoria jakobsoniana de Funções da Linguagem, à maneira de corolário, é a de que todo idioma está apto a produzir poesia do mais alto nível), desde sempre e até se poderia dizer que Camões vale por toda uma Literatura. Poetas, em muitos momentos, ocuparam-se da tradução, para seus respectivos idiomas, de textos de outros poetas, de realidades idiomáticas várias. Por sugestão, por encomenda remunerada ou por puro gosto e a operação se constituía num desafio. Um poeta somente será excepcional, num único idioma: o idioma dentro do qual nasceu (não me lembro de exceções). Mesmo no caso de domínio de dois ou mais idiomas, o poeta se destacará num, e o idioma de escolha é ciumento e, portanto, exclusivista e não dará vez a outro, consumirá as energias poético-criativas do fazedor, deixando nada ou quase-nada para outro idioma. Sempre vem à mente o caso de Fernando Pessoa (1888-1935), que possuía grande domínio do inglês e dele se serviu tanto para a poesia como para a prosa, porém, sua Pátria foi a Língua Portuguesa – o grande Pessoa está em Português. E Pessoa chegou a realizar traduções de poemas, em que, além da extrema competência, em termos de idioma e das técnicas de versificação, possuía ousadia, a ponto de, em sua mais célebre tradução de poema – The Raven/O Corvo, de Edgar Allan Poe – subtrair da peça o nome da amada-morta, já que em inglês, o seu (dela) nome rima com a expressão-chave, o que não seria possível no Português: Lenorenevermore e considerando perfeita ritmicamente a tradução literal de nevermore por nunca mais. Bela tradução, possui momentos de ápice, como o verso, da última stanza: And his eyes have all the seeming of a demon’s that is dreaming: Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha. A mesma subtração em Annabel Lee! No Brasil, Manuel Bandeira (1886-1968), também um modernista da 1ª geração, que traduziu de tudo, realizou algumas ótimas traduções. Porém, isto de traduzir poemas não entrou para os citados poetas como um projeto que integraria com força suas atividades enquanto criadores, diferentemente do que veio a ocorrer, depois, com os componentes do Grupo Noigandres: Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, mas principalmente os irmãos Campos, que colocaram a tradução de textos poéticos como preocupação tão importante como a produção de obra própria. O mesmo não se observa entre os experimentais históricos de Portugal – isto não quer dizer que não tenham traduzido, incluindo, aí, os da 3ª geração de experimentais. Vejamos o que perguntei a Melo e Castro, tendo em consideração a grande cultura dos poetas e o facto de serem, em sua maioria, poliglotas:

Eu: – Houve, de sua parte, interesse na tradução de poesia para o Português, com a intenção de formar um paideuma, como aconteceu com os concretos no Brasil? (e-mail em 14.07.2014)

Melo e Castro: – Não. Eu costumo até dizer que não tenho a “Musa tradutória”! A  preocupação a que se refere não existiu também em nenhum dos poetas experimentais portugueses… talvez até porque as magníficas traduções do Haroldo e do Augusto de Campos nos satisfaziam completamente, enriquecendo a língua portuguesa! (e-mail em 18.07.2014)

No caso brasileiro, a coisa foi diferente: houve desde o início da amizade entre Décio Pignatari e os irmãos Campos, uma grande ambição: a de formar um corpus mínimo e máximo, em Português, daquela que consideravam a melhor poesia produzida no mundo, em qualquer tempo, ou seja, elaborar um paideuma, como o entendeu Ezra Pound (um conjunto mínimo de poemas com o máximo de informação poética e que teria como finalidade a educação das novas gerações, facilitando-lhes o trabalho de garimpagem). Pound foi, portanto, o grande mentor intelectual e poético dos componentes do Grupo Noigandres, a começar pela denominação “Noigandres”, extraída de citação do Canto XX do poeta estadunidense que, por sua vez, a detectara em poema do trovador provençal Arnaut Daniel. Por outro lado, Pound não esteve no centro de cogitações dos poetas experimentais portugueses, muito embora cultíssimos; porém, algumas ideias lançadas pelo Bardo chegaram às suas práticas poéticas. Dúvida não há quanto a Mallarmé e James Joyce (por ocasião do centenário de nascimento de Joyce – 1982 – foi publicado um volume de um modo mais ou menos precário, porém, obra preciosa: não traduções de textos do irlandês, mas textos/poemas motivados por ele; participaram do trabalho: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão e Alberto Pimenta – Joyciana. Lisboa: & etc, 1982). Poesia: obviamente o melhor é lê-la no original, o que restringe a possibilidade de muitos. Daí é que entra a tradução interlingual como um expediente que viabiliza um processo comunicacional verbal. E por penetrar nas estruturas dos idiomas, a tradução implica uma operação metalinguística. Muito já se falou sobre os problemas da tradução de textos poéticos, por não se tratar de um problema meramente técnico, mas principalmente artístico. Ao invés de simplesmente se aceitar a máxima “traduttore traditore”, ou de concordar com Robert Frost, que “poesia é aquilo que se perde na tradução”, pensar a tradução de textos poéticos como uma “categoria da criação”. Ou seja, tentar transpor um texto poético, encontrando equivalências morfo-semânticas na língua de chegada. Augusto de Campos (li certa vez, na introdução dum livro português, que trazia traduções de Bertolt Brecht, o seguinte: “Augusto de Campos, o maior tradutor de poesia da Língua Portuguesa, de todos os tempos”. Grande elogio veio, também, de Paulo Miranda, que disse, depois de ler uma sua tradução de um dos franceses de linha coloquial-irônica: “Não gostei da tradução francesa!”) que, a partir de um certo momento – ele que sempre tomou o exercício de tradução de poemas como uma de suas facetas de criador/poeta – já não utiliza a expressão “re-criação”, como era de costume entre os concretistas tradutores, mas “tradução-arte”. É claro que o melhor tradutor de poemas será um poeta que, às vezes, se descobre poeta durante o percurso. E o tradutor-poeta, obviamente deverá dominar a tecnologia do verso, senão como poderá traduzi-los a contento? De bons versos na língua de partida, entregar bons versos na língua de chegada – Augustus dixit. Grande tradutor também, o irmão Haroldo de Campos foi nosso maior teórico da tradução de poesia, com muitos textos importantes, destacando-se entre outros, também excelentes, o “Da tradução como criação e como crítica”, dos anos 1960 (1962, que teve várias edições, mas que veio a integrar Metalinguagem). E, posteriormente, Haroldo de Campos cunha o termo “transcriação” para nomear a criação da criação, ou seja, aquilo que ele entendia como a tradução de poesia. O poeta-tradutor-ensaísta coloca que o texto traduzido deve ser autônomo e recíproco, o que significa que o texto deve ele-mesmo ser uma obra de arte (partiu-se de uma obra de arte, o poema, e se chegou a outra obra de arte) e trazer consigo a memória do original que o motivou. Quanto maior for a dificuldade apresentada pelo original, mais instigadora será a tarefa, diz ele. Entre as complementações, pelo próprio Haroldo de Campos, temos que a “lei da compensação” deverá sempre acompanhar o tradutor em seu exercício: o que se perde num lugar, ganha-se noutro. Não à toa temos, no Português, um Maiakóvski magnífico, trabalho dos irmãos Campos, em boa parte assistidos por Bóris Schnaiderman. Conta-se que o poeta russo, nascido na Geórgia, era monolíngue, ou seja, sabia apenas russo, mas emitia juízos sobre traduções, dizendo isto está bom, aquilo está mau e é compreensível: se em russo o texto estava bom era porque a tradução estava bem feita. Mallarmé, Pound, Cummings, Carroll, Joyce, Dante, Arnaut Daniel, John Donne, e tantos outros estiveram no centro dos trabalhos de tradução dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e este, que teve como última empreitada a tradução integral da Ilíada de Homero (assistido pelo helenista Trajano Vieira), apaixonado por línguas e pela Poesia, ainda tencionava aprender o árabe, para poder penetrar o universo de sua poesia. Vejamos como re-criou em Português, Augusto de Campos, poema de Lewis Carroll (de Através do espelho):

Jaguadarte

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”

Ele arrancou sua espada vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo.
Na árvore Tamtam êle afinal
Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo,
Sorrelfiflando através da floresta,
E borbulia um riso louco!

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!
Cabeça fere, corta, e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.

“Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!”
Ele se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Afora os Campos, em termos de tradução de Poesia, entre as gerações mais novas de criadores intersemióticos, ninguém esteve interessado em formar um corpus substancioso, com a finalidade de termos uma reserva poética para as novas gerações de não iniciados e/ou iniciantes nas coisas da Poesia. Porém, alguns encararam a tradução poética como um desafio, vendo-a como uma categoria da criação, trabalhando mais ou menos, nesse afazer, como, nos anos 1970, Luiz Antônio de Figueiredo e de duas décadas para cá André Vallias, sendo o empenho deste, considerável e com ótimos resultados. Alguns outros, de raro em raro, apresentamum trabalho, como Aldo Fortes e Omar Khouri. Vejamos um epigrama de Marcial, poeta latino do século 1 dC, por Luiz Antônio de Figueiredo, com a colaboração de Ênio Aloísio Fonda:

Corre o rumor, Quione: nunca foste fodida,

e nada mais puro existe que tua cona.

Nessa parte (por vestes velada) nem te lavas.

Se é pudor, desnuda a cona e vela a face.

 Das minhas poucas incursões nesse território da tradução, por puro amor e resposta a desafios, fiz algumas poucas traduções do Grego Antigo e uma do Latim. Ouso publicar a tradução de um verso (330) de Eurípides, de sua tragédia Medeia, que me havia impressionado, e em que quis conservar algo do grego original, como a não necessidade do verbo ser, que fica subentendido, e um arranjo tal, que nem se assemelha a uma descontextualização, que o foi, de facto.

Dores, dores!

Pra os mortais, grande mal:

Amores.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

6. Anotações à margem – BNP: Lisboa III

 Ainda, da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, frequentador contumaz que me tornei e sendo um escrevedor compulsivo, apegado à manuscritura, enquanto que 90% dos leitores, lá, utilizam os seus leptops.

Dado o facto de os textos barrocos portugueses, dos séculos XVII e XVIII, com forte visualidade, terem sido produzidos em época em que o Brasil (os Brasis) pertencia ao Mundo Lusitano, legítimo seria reclamarem, os brasileiros, ou melhor, clamarem os poetas visuais por essa herança. [Lembro-me de ter ouvido, certa vez, em entrevista na TV Cultura de São Paulo, Caetano Veloso estranhar o fato de os paulistas não reivindicarem Chico Buarque, de pai paulista, mas, ele-mesmo, nascido no Rio de Janeiro, porém, criado em São Paulo. Eu diria que o cosmopolitismo paulistano não faz questão disto, já que pode fruir as canções de Chico, pura e simplesmente, sem nenhum problema. O artista, por sua vez, adotou definitivamente, e há muito tempo, a Cidade Maravilhosa e, se não tinha, adquiriu um sotaque Zona Sul.] O Concretismo paulista (com 2 cariocas: Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald) já colocara – bem antes dos estudos importantíssimos terem sido feitos (e publicados) por Ana Hatherly – a importância do Barroco para nossa poesia de invenção e, particularmente, Haroldo de Campos já se colocara como produtor de uma poesia barroquizante, principalmente a partir de 1952 e, depois, na prosapoética das Galáxias, a partir de 1963. Foi Haroldo de Campos o principal responsável pela mudança de uma certa opinião sobre o seiscentista Gregório de Mattos e Guerra, que lera Camões, Quevedo e Góngora. E toda uma defesa do Barroco foi feita nesse sentido [desaprovando a exclusão do estilo do Brasil-Colônia de um certo estudo célebre, que versava sobre a formação da Literatura na Terra Brasilis], culminando com a obra O sequestro do Barroco… e toda essa defesa recebeu, em parte, incentivo da 1ª geração modernista do Brasil, que teve em alta consideração o Barroco, principalmente a vertente mineira do Barroco (viagem dos modernistas de São Paulo às cidades históricas de Minas Gerais, em 1924, com o suíço-francês Blaise Cendras), mas não apenas. Acontece que toneladas de entulho esconderam essa importante herança lusa, mas algo deve ter permanecido dessa vocação de visualidade gráfica na poesia portuguesa que, aparecendo de quando em quando, teve sua primeira explosão com o Modernismo, futuristicamente, mas não apenas e, depois, configurou-se, de facto, no mundo lusófono, com as vanguardas dos anos 50 (Brasil) e 60 (Brasil e Portugal), tudo indicando a sua perenidade, mormente quando vem a adentrar as novas mídias, as novas linguagens. Concluindo: as pesquisas sobre textos barrocos, por Ana Hatherly e sua publicação (volume de 1983: A experiência do prodígio…) evidencia a vocação visual (gráfica) da poesia lusa e, obviamente, isto irá repercutir entre os poetas experimentais.

Afinidades observadas entre novas gerações (a partir dos anos 1970, em que estão bastante diferenciadas) com a geração dos que nasceram em fins dos anos 20, começos dos anos 30, sendo que a geração mais antiga, em boa parte, continuou a produzir em elevado nível, chegando poucos (Augusto de Campos no Brasil, Melo e Castro em Portugal – e poderíamos apontar, também, Ana Hatherly, que faleceu em agosto de 2015) aos dias atuais, curiosos, atuantes, produtivos. Os mais velhos se contaminaram da juventude dos mais novos e estes se valeram da experiência e repertório dos mais velhos e, nesse caminho, nessa evolução, segue a experimentação, valendo-se das novas, sem desprezar tecnologias mais antigas e ainda eficazes.

O domínio do verbal e de tecnologias específicas do verbal, como a do verso: isto deveria tirar a dúvida daqueles que perguntam “- Mas isto é poesia ou artes plásticas?” Parodiando Mário de Andrade: É Poesia tudo aquilo que o poeta quer que o seja.

Alexandre O’Neill (Lisboa 1924-1986) – nome que vi (sim, “vi” e não “ouvi”) pela primeira vez quando, tendo-me apaixonado pelo poema Catar feijão, de João Cabral de Melo Neto, obra-prima publicada entre obras-primas, no livro A Educação pela Pedra, de 1966, senti a necessidade de ler o texto impresso. Vi, então que era dedicado a alguém, para mim, completamente estranho: Alexandre O’Neill e fiquei a matutar de que origem seria. João Cabral era objeto de estudo (a sua poesia) nas aulas de Introdução aos Estudos Literários, na Letras-USP e também no curso de Jornalismo, na FAAP, e Paulo Miranda trouxe até mim a maravilha, não sei de qual das Faculdades, pois ele chegou a cursar as duas. Deveria ser o ano de 1973. No ano seguinte cheguei assistir, como ouvinte, às aulas, na USP, de um grande especialista em João Cabral: o intelectual e crítico João Alexandre Barbosa, que abordou outras joias do mesmo referido livro, como Tecendo a manhã e Fábula de um arquiteto. E Alexandre O’Neill? Bem, ficou em minha cabeça, até que aos poucos, fui desvendando o mistério, sem recorrer ao Google que, na época, não existia. A descoberta do surrealista Alexandre O’Neill em antologias de poesia concreta e experimental foi outra surpresa: os sinais gráficos que levam títulos, comentários acabaram por figurar em muitas antologias e talvez tenham algo a ver com a profissão de publicitário, que o poeta acabou por abraçar, com a maior competência e desenvoltura, expert do verbal, que era. Era amigo de João Cabral, que o tinha na maior consideração.

[E. M. de Melo e Castro, à minha pergunta sobre se havia conhecido pessoalmente o poeta, disse-me, em e-mail (10.11.2015):

“Sim. Conheci bem o Alexandre O´Neill.  Posso dizer que éramos amigos, principalmente nos últimos anos da sua vida. Almoçávamos  muitas vezes na mesma mesa num restaurante do Bairro Alto!,  mas as relações eram um tanto cerimoniosas e ele nunca me referiu nada sobre o João Cabral de Melo Neto. Acontece que pouco mais ou menos nessa época, anos 80 talvez, o João Cabral estava no Porto como Consul do Brasil e só se dava com o Alexandre e com a Sophia de Mello Breyner. Para ele parece que não havia mais poetas em Portugal… tanto que estando eu na Direção do PEN CLUBE Português, em Lisboa, recusou aceitar um jantar-homenagem para o qual o convidamos a vir a Lisboa, respondendo que se o queríamos homenagear, devíamos nós ir ao Porto!!!  Essa homenagem  nunca se realizou… mas o O´Neill nada teve a ver com isso, pois não pertencia ao PEN. O O´Neill era uma excelente pessoa, muito convivial e um ótimo publicitário, profissão que quase toda a vida teve, sendo o criador de muitos slogans que ainda hoje estão na oralidade portuguesa como por exemplo  HÁ MAR E MAR, HÁ IR E  VOLTAR para uma campanha de segurança nas praias.”

Quando, em 1985, estive em Portugal (Lisboa), com Paulo Miranda, Levei, a pedido de Augusto de Campos, várias publicações – Caixa Preta etc – para entregar, no Porto, a João Cabral. A tais publicações, juntamos algumas da Nomuque, mas não fomos ao Porto, onde o poeta era Cônsul Geral do Brasil, mas com direito a usar o título de Embaixador (que ele não quis ser). No Consulado do Brasil, em Lisboa, deram-nos o endereço do diplomata-poeta e enviamos o material e acho que chegou até o homem. Era uma chance de conhecer pessoalmente um dos poetas que eu mais admirava nesta vida, e tive mais duas e não as aproveitei: quando foi em São Paulo lançar a sua edição de poemas completos etc, da Nova Aguilar, em 1994 (Samira Chalhub e Vilma Maggio conseguiram, para mim, um volume com dedicatória), e quando ele, já aposentado, foi residir, não no Recife, não em Sevilha, mas no Rio de Janeiro (pertencia à Academia Brasileira de Letras), Bairro do Flamengo. Augusto de Campos deu-me o endereço, inclusive o telefone, mas acabei por não ir, considerando a sua quase total cegueira e a sua irritabilidade (todos diziam). Ah, não fora a aspirina…! Poucos poetas-verso do mundo lusófono estiveram no mesmo patamar que João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Seus poemas de A Educação pela Pedra se constituem em verdadeiras joias: divididos em duas partes, opera o poeta, embora moderna e secamente, como um fazedor de sonetos: cria uma tensão, lança um problema, na 1ª parte (as quadras do soneto), e resolve a tensão na 2ª (tercetos). De suas entrevistas filmadas/gravadas (tanto da juventude, como da maturidade e velhice), duas coisas me ficaram (além do cacoete “compreende?”): não é necessário poetizar o poema, pois ele já é poético, e um livro tem de ser planejado como um todo, não devendo ser um ajuntamento, uma cata de poemas.]

Vamos ao Catar feijão (que, enganosamente foi “corrigido” na edição da Nova Aguilar):

CATAR FEIJÃO

       A Alexandre O’Neill

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na fôlha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, tôda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nêle,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

   2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

Na Edição original, em A Educação pela Pedra (Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1966), o poema comparece impresso em 2 páginas, assim como os demais poemas. O livro, como um todo, é dedicado a Manuel Bandeira, “para seus oitent’anos”. Esta consulta foi feita, obviamente na BN, muito embora, em São Paulo, eu possua essa edição em minha biblioteca. Bem, voltando a Alexandre O’Neill, as suas faturas que têm feito parte de antologias de Poesia Concreta e Experimental, encontram-se num livro de 1960: Abandono Vigiado (Lisboa: Guimarães Editores), livro dedicado ao “brasuca Alexandre Eulálio” – secção da 1ª parte “Divertimento com sinais ortográficos” (p. 21-49). Os sinais enormes tomam boa parte do branco da página, chamam a atenção para o branco da página, numa série, simplesmente ótima (? ! Ç … ~ § etc ) e dedica a secção: “A Sebastião Rodrigues, que se divertiu a apurar graficamente este Divertimento. Ao compositor e aos impressores que colaboraram neste livro”. Acontece que, chamando a bela série de “divertimento”, o poeta estaria tentando uma espécie de legitimação perante o establishment literário, o que não lhe tira, de qualquer modo, o mérito. É claro que há de se considerar o lado propriamente lúdico dessas facturas, o que têm de teor humorístico, de uma qualidade sem brincadeiras. Segue 1 exemplo:

§

Tenho colo de cisne e

corpo de hipocampo

 

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes

da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

5. Anotações à margem – BNP: Lisboa II

Da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, ainda as anotações que se seguem, para não dar muita chance ao ócio, em momentos mínimos, e para que o alvoroço pensamental se aquiete um pouco e que se possa produzir algo mais elaborado a seguir – talvez que as primeiras ideias venham a ser as melhores, embora, às vezes, toscas na aparência.

§

A saída do sufoco, em Portugal [25 de Abril de 1974, depois de longuíssima ditadura de coloração fascista], e a entrada num internacionalismo [que já vinha acontecendo, há mais de 10 anos], com a Poesia Experimental… Nesse internacionalismo entra, obviamente o Brasil, com a Poesia Concreta (e outras tendências) e os contactos, que realmente houve, incluindo-se, aí, a correspondência epistolar de Melo e Castro com Haroldo de Campos. Este, teve papel fundamental, com sua paciência para escrever cartas, seu domínio de várias línguas e entusiasmo com relação ao Movimento [da Poesia Concreta], que se tornava internacional, de facto. Sob este aspecto, Melo e Castro também desempenhou importante papel, principalmente divulgando a PC no Reino Unido.

Publicações fora [do Brasil] e exposições…

§

Artistas portugueses radicados no Brasil:

(Vieira da Silva, nos anos 40, com o marido…)

Joaquim Tenreiro

Fernando Lemos (trabalhou com Décio Pignatari; é coautor do logo C2N2L, da TV Cultura-SP, que não foi aprovado).

António Manuel

Arthur Barrio. Arte brasileira? Arte portuguesa no Brasil? Arte universal.

§

A partir dos anos 1960 (o País vivendo, ainda, regime de exceção) e daí em diante, a poesia portuguesa partiu para uma internacionalização sem precedentes… publicações, congressos, exposições. Lisboa congrega e irradia e como que retoma um cosmopolitismo que era dela, séculos antes! Pelo que pude notar, até agora, os poetas experimentais [de 2ª e 3ª gerações] portugueses tiveram muito mais veiculação impressa que os da mesma época, no Brasil, que continuaram e continuam (em parte) a financiar as próprias publicações. Mas parece que, nem cá nem lá há muitas facilidades para veicular poesia e, ainda mais, uma poesia interdisciplinar.

§

Revistas, sempre com importante papel: no Modernismo etc (desde antes, porém) e até à atualidade, com a mídia eletrônica [e o carácter crescente e mutante]. Os blogs proliferam, mas a coisa impressa continua a exercer fascínio sobre quem faz o seu registro gráfico – e escrever, grafar é assumir um compromisso com a Posteridade (não a Eternidade). No Brasil, anos 1970, proliferação de revistas experimentais ou “de invenção”, como já se disse. E em Portugal? Saberei.

§

As questões que os “mal-humorados” colocam:

– Mas a Arte (e a Poesia, especificamente) não é necessariamente experimental? Isto já foi respondido em Portugal e no Brasil e noutras paragens…

– Mas a Poesia não foi, desde sempre, intersemiótica?

Três negações entrariam numa definição de arte, na parte de complementação de ideias: 1º Arte não é espontânea, 2º Arte não é expressão de sentimento e 3º Arte nem sempre é invenção, ou seja, a Arte nem sempre inova. E é arte porque cumpre um papel nas sociedades. Não à toa Pound, em sua classificação dos escritores (poetas, artistas em geral), coloca os Mestres, depois dos Inventores.

Experimentação tem a ver com busca, risco, portanto, com curiosidade (aquela de que era dotado Leonardo da Vinci, aquela que conduz ao conhecimento). Experimentação não é reiteração de excelência, experimentação implica perigo. Herberto Helder e Melo e Castro escreveram muito bem sobre isto!

§

Antologias: quanto à questão da qualidade do material constante, nem se discutiria, bem porque esta seria a condição básica, como numa curadoria de Artes Plásticas etc. Daí, para evitar volumes intermináveis é que se colocam: “dos anos X”, “dos poetas com mais de X anos”, “daqueles que publicaram seus poemas em livros”, “dos que etc etc etc”. Antologias sempre apresentarão problemas, sempre abrigarão enganos, deverão ser sempre reconsideradas as seleções feitas. Antologias da Contemporaneidade: as mais difíceis, as que mais erram – quando se tornam passado e as olhamos criticamente e que percebemos melhor isto. Por outro lado, o antologista não pode apenas se ocupar do já consagrado, mas arriscar-se, ter coragem de assumir indicações não óbvias. O grande crítico é aquele que revela à sociedade novos valores – o resto é lucro.

§

Dizer que a Poesia Experimental é a “poesia do significante” é errôneo e preconceituoso. É aplicar a teoria e a terminologia inadequadas para uma poesia que se propõe de risco, de invenção. A Arte privilegia a Forma, senão não seria Arte e esta coloca em evidência, obviamente a materialidade dos signos que compõem a obra – Jakobson, discorrendo sobre a Função Poética e o signo linguístico. Acontece que – e isto pode-se tirar da teoria jakobsoniana como corolário – à prevalência da forma, corresponde uma potencialização semântica. De qualquer modo, o termo “significante” está atrelado à teoria saussuriana, que não é a mais adequada para analisar uma factura intersemiótica. Nisto, a teoria semiótica peirceana dá melhor conta do recado: desde a definição de signo, com sua enorme abrangência, até à classificação dos signos (o Signo com relação ao Objeto)– teoria que possui mais de 100 anos de existência, mas cuja dissecação ainda se processa. Uma “poesia do significante” coloca em evidência a separação conteúdo-forma, algo não-desejável, muito embora, em algum momento, a denominação possa ter funcionado [para propósitos específicos, não apenas por críticos, mas , antes, por poetas do ramo, mesmo].

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Teorias criadas para uma área específica podem ser utilizadas com o devido cuidado – já se disse – em outras, já que extrapolam o seu âmbito original.

Aceita-se Platão, aceita-se Aristóteles, que escreveram no século IV aC (como se se pudesse encontra-los ali, no bar da esquina, em qualquer momento), mas desaprovam a utilização de uma obra, uma teoria escrita nos anos 1930 – acham-na antiquada, ultrapassada. Ah!, essa Academia!!!

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Melo e Castro evidencia a importância da Poesia Concreta Brasileira para a arrancada da Poesia Experimental portuguesa. Ana Hatherly reconhece o pioneirismo brasileiro, mas minimiza o papel do Grupo Noigandres em Portugal e valoriza Gomringer e, mais precisamente, o movimento de experimentação que se configurou na Europa a partir da Poesia Concreta, criação de Gomringer + Noigandres. Diz que, mais influenciado pelo grupo brasileiro, é Melo e Castro. Penso que o cerebralismo de Melo e Castro esteve acorde com o do Grupo Noigandres, daí a aproximação e afinidades até formais, apenas num dado momento. Ana Hatherly faz uma boa metalinguagem, grande pesquisadora, uma poeta a ser estudada, apreciada e amada.

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Sem querer minimizar a importância do mundo acadêmico naquilo que ele tem e traz de relevante, geralmente não é graças a ele que as coisas vão para a frente (no âmbito das Ciências deve estar a exceção). Os acadêmicos são capazes de pesquisas minuciosas, com análises aparentemente, ou de facto, profundas, porém, quando se trata de Arte, quando abordam artes que fizeram revoluções, são cautelosos, parecendo querer navegar por mares de calmaria e, portanto, colocar um ponto final nas inquietações vanguardistas. Dão um “graças a Deus” por um certo processo ter-se encerrado e dificilmente aceitam um novo modo de ver as coisas, pois teriam de refazer todo o seu repertório já cristalizado, solidificado e não querem abrir mão de suas conquistas intelectuais e abraçar novas causas [como sempre e onde quer que se vá, há exceções]. Penso que a principal questão, aí, é o medo da perda do instrumental seguro para a abordagem do objeto de pesquisa, preferentemente situado num lugar do passado distante. Com um processo encerrado, tudo poderá ser etiquetado e engavetado, não mais representando perigo à muralha de conhecimentos que estava sendo ameaçada e até prestes a ruir – o conservadorismo das sociedades constitui-se numa força poderosa e a Academia, aí, possui importante papel. Novas produções artísticas exigem novas teorias e, como já se disse, a obra de invenção apanha a crítica desprevenida/despreparada. A crítica acadêmica, oficial ou oficiosa, vê-se atropelada pelos acontecimentos e reage, como aconteceu em muitas ocasiões e muitos lugares, a propósito de inovações ou mesmo, de revoluções no âmbito da linguagem. No Brasil, a Poesia Concreta criou inimizades duradouras, no mundo acadêmico e fora dele.

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Eu pensava Pessoa, em sua grandeza, como uma bomba de efeito retardado, a ocupar um lugar cada vez maior dentre as cogitações daqueles que se dedicam à Poesia [em Portugal], tanto os meramente apreciadores e pesquisadores, como os fazedores [poetas]: a questão seria fugir a tudo isto, escapar à tentação de estar a imitar o mestre ou estar acoplado a ele, como aqueles pequenos peixes grudados nos tubarões, que acabam por levá-los por onde forem: peixinhos-poetas subsidiários do grande vate. De facto, a obra pessoana criou problemas praticamente insolúveis para a poesia-em-versos estabelecendo patamares difíceis de serem alcançados, no âmbito da Língua Portuguesa (e alguns poetas e críticos explicitaram isto), mormente em Portugal. A Poesia Experimental mostrou que havia um outro caminho/outros caminhos, e abriu/explicitou possibilidades-mil para as novas gerações.

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A discussão sobre a denominação “experimental” está sobejamente apresentada na introdução da antologia elaborada por Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro e que – parece – não gostam de vanguardas, mas fizeram um estudo cuidadoso/minucioso para introduzir os poemas/poetas objetos da referida obra, por sinal, um belo e importante livro, e no Brasil ainda não temos um trabalho desse porte, com tal abrangência, referente à Poesia Visual, digamos. Os autores recorrem a muitos teóricos, mas o que há de melhor ali é a citação de Herberto Helder, que se encontra em Poesia Experimental 1. Eu, particularmente, só aceito que toda prática artística tenha algo de experimental, se se considera a luta com (contra) o acaso, no processo de elaboração, posto que a Arte nem sempre é inovadora e a ânsia dos experimentais é chegar a algo novo. Então, nós reservaríamos o termo “experimental” para a prática que tem a experimentação como propósito e isto envolve risco, independentemente de se enquadrar no que se convencionou chamar “vanguarda”.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

4. Anotações à margem – BNP: Lisboa I

Na Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, têm-se as condições ideais para um bom trabalho de pesquisa bibliográfica, ou mesmo de fontes primárias ou documentais: farto e rico material, em grande parte disponível nas edições originais (algumas edições raras ou em estado precário podem ser consultadas digitalizadas ou em microfilmes), sistema informatizado e desburocratizado, um pessoal da maior gentileza e competência. Frequento essa Biblioteca desde que cheguei em Lisboa, agosto de 2015, e a boa impressão inicial foi sendo reiterada nas muitas vezes seguintes em que lá estive. Entre um livro e outro ou na espera de uma edição mais difícil de ser localizada pelo técnico encarregado – o que é que esse brasileiro está a pesquisar em obras que quase nunca foram a nós solicitadas?, seria lícito pensar – eu fazia o registro escrito de alguma ideia que me ia surgindo, no mínimo, com a esperança de desenvolvê-la melhor, em futuro próximo. Trago, aqui, algumas dessas anotações, quase em ordem cronológica de registro. Anotações à margem dos fichamentos de livros e revistas, meus objetos de leitura, matérias-primas de minha pesquisa sobre poesia e visualidade em Portugal e suas relações com a poesia, da mesma estirpe, produzida no Brasil. Os acréscimos posteriores vão entre colchetes.

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Augusto de Campos fez-me alguns esclarecimentos, por e-mail, e falou da importância que Alberto da Costa e Silva teve para a divulgação da Poesia Concreta na Europa. Deve ter correspondência com o diplomata entre os seus documentos, assim como o arquivo epistolográfico de Haroldo de Campos, porém, seria difícil procurar, naquele momento. Melo e Castro deve ter tido um melhor conhecimento da PC brasileira, pela antologia de 1962 [foi, desde aquela época, e é amigo de Costa e Silva]. Costa e Silva é que deve ter feito, de facto, a seleção dos poemas constantes na antologia [provavelmente, trocando ideias e/ou acatando sugestões dos Campos] e a publicação saiu, é claro, graças a ele, que era Secretário da Embaixada do Brasil em Lisboa, e ele-mesmo poeta e escritor. Augusto disse-me que nem imagina quem vem a ser Marcelo Moura que, nas informações biográficas, fica-se sabendo que é cearense, nasceu em 1941, e que residia em Londres, à época. [Ele foi um dos antologizados, e figura ao lado dos criadores da Poesia Concreta.]

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Modernismos – tanto no Brasil, como em Portugal, Futurismo e Cubismo (muito tardio, no Brasil) tiveram fundamental importância e acho que também o Expressionismo – basta ver melhor como é que foi em Portugal, pois no caso do Brasil, não há dúvida. Contactos com Paris: diretos e por meio de… [Mário de Andrade, diferentemente de alguns companheiros de jornada artística, nunca saiu do Brasil, ou melhor, da América do Sul, mas informava-se por meio de publicações e amigos de lá chegados, cartas]. O Cubismo, antes em Portugal [o pintor Amadeo de Souza-Cardoso inteirou-se daquele repertório na capital francesa e teve obras expostas em Nova Iorque – Armory Show – em 1913. Veio a falecer muito cedo, em 1918].

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Na Poesia Experimental [portuguesa], parece que acontece como no Brasil: respeito [dos mais novos] pelos experimentadores veteranos: Melo e Castro, Salette Tavares, Ana Hatherly, António Aragão, entre outros.

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Pessoa: presença esmagadora. Não houve fenômeno semelhante no Brasil, que teve vários poetas excepcionais, no Modernismo e em momento imediatamente posterior. Sá-Carneiro – morte prematura, talento extraordinário. Almada como poeta… ? Não posso avaliar, ainda.

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O Futurismo ainda teve mais importância para os portugueses [pelo menos até fins de 1917]. Começaram antes, porém, não tiveram uma Semana, como a de 22. [Enquanto em Portugal, já em 1915, há uma revista modernista Orpheu, que teve 2 números (o 3º ficou nas provas tipográficas), publicação importante, mas sem arrojo gráfico – a não ser a colaboração de Santa-Rita Pintor (1889-1918) no 2º número, + poema de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)- Manucure – e um pouco do excesso interjetivo de Pessoa-Álvaro de Campos. Houve ainda a Portugal Futurista, fins de 1917, e que chegou a ser apreendida – aí, já há um arrojo gráfico, de par com o que era tradicional nas publicações periódicas. Klaxon, primeira revista modernista do Brasil, que durou de 22 a 23, teve 9 números em 8 volumes e apresentou um arrojo gráfico apreciável, diferente do que se observava em revistas do Brasil, na época.]

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Os poetas visuais portugueses da atualidade parecem respeitar os mais velhos, que foram concretistas [de linha brasileira-noigandrense ou de linha propriamente europeia-gomringeriana, mas não somente], como Melo e Castro e Ana Hatherly [infelizmente, não pude conhecê-la pessoalmente, pois veio a falecer em 5 de agosto deste ano]. Parece que alguns não têm muita simpatia pelos concretos históricos do Brasil. A poesia visual/experimental brasileira que mais se assemelha à produzida em Portugal é a que deriva do Poema-Processo.

1956 (meados): passagem de Décio Pignatari por Lisboa – parece que não chegou a dar frutos.

1962: a antologia Poesia Concreta – marcou. Melo e Castro dixit.

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Parece que existe, mesmo, por parte do pessoal mais novo – dos 40 aos 60 anos, ou um pouco mais – um respeito reverencial [não subserviente] pelos veteranos da visualidade em poesia (vamos ver se, pelas entrevistas, isto se confirma).

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Como no Brasil: os poetas visuais portugueses abraçaram, por um lado, as novas tecnologias e, por outro, a coisa do conceitual e suas ramificações como, por exemplo, a performance. A info-poesia é praticada e se apresenta com bastante força. [O fenômeno parece ser mundial.]

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Fico a pensar sobre o pouco uso da cor na poesia impressa: seria a questão do custo [sendo que grande parte das edições existe em função dos recursos dos próprios poetas – edições auto-financiadas], até a chegada dos anos 90? No Brasil, ao que me consta, houve um pouco mais de utilização do elemento-cor, a começar pelos poemas da série Poetamenos, de Augusto de Campos, mas a questão custo foi um fator de impedimento importante. O pessoal de Artéria encontrou solução parcial, ainda nos anos 1970, na serigrafia, delegando a gráficos a tarefa, e aprendendo a técnica e executando o trabalho de impressão, sendo poetas-impressores: de fins dos anos 70 os inícios dos 90.

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Antologias são injustas, sectárias, excessivas, corrigíveis (modificáveis). Como evitar, pelo menos, a 1ª e a 3ª, já que que as outras “qualidades” continuarão sempre a existir, posto que inevitáveis? O Paideuma poundiano e a seleção drástica: seria, de facto, possível? [É preciso ter coragem intelectual.]

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

3. Viagens: a viagem de Décio Pignatari à Europa, nos anos 1950

Há vários modos de aquisição de know-how, além da espionagem – há modos mais dignos, digamos, que não sejam o da rapinagem ou o do ato de surripiar. As viagens são muito importantes para a aquisição de know-how, de repertório (ampliação e elevação), pois constituem vivência hiper-complexa, que envolve múltiplas experiências, que vão da observação de paisagens à apreciação da arte, da culinária, aprendizado de idiomas e modos, enfim, aquisição de conhecimentos em geral e até de conhecimentos específicos. Isto acontece desde sempre e é claro que, no Mundo Grego, a coisa toma uma feição bastante notória e notável, com os livros do Pai da História, Heródoto, no século V a.C. A aquisição de know-how pode, enfim, dar-se de muitas maneiras: desde o deslocamento de uma pessoa, ou a contratação de alguém, ou o seu envio a algum lugar, a chegada de livros etc. Mas requer – sempre – esforço: adquirir conhecimento dá trabalho e inteligência é coisa que se cultiva e, assim, evita-se o processo de emburrecimento. Algumas viagens ficaram famosas dentro da História e fora dela, considerado, aqui, o universo ficcional. Mas, interessa-nos, agora, as que pertencem à História, como as dos Polo, por exemplo, pois tiveram desdobramentos, fizeram história, de facto. De importância grande para a Poesia Portuguesa foi a viagem de Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) à Itália (e Espanha), com retorno em 1526, pois, da Península Itálica ele trouxe o Soneto, forma fixa da poesia ocidental, mormente da Lírica, das que maior sucesso tiveram e que, já alcançando alta qualidade nas facturas do introdutor, atinge o apogeu na Lírica Camoniana (Camões: 1524-1580) – e o verso decassílabo. Há outros deslocamentos importantes na história Ocidental, com importantes consequências, envolvendo todas as artes. Artistas, quando se deslocavam para centros, como as cidades italianas nos séculos XV e XVI, ou Paris, no século XIX e inícios do XX, para aquisição de um Know-how somente encontrável lá. Marcel Duchamp fez o caminho inverso, deslocando-se de Paris para Nova Iorque, em 1915, afastando-se do palco principal da Primeira Guerra Mundial. Em inícios do século XX, Paris estava no centro das cogitações dos artistas, não só da América, mas da própria Europa. Tanto para portugueses como para brasileiros (e estadunidenses e outros americanos, diga-se), a capital da França era o foco – veja-se o caso, por exemplo, do grande artista português, que teve obras suas expostas em NYC, no Armory Show (1913), Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). A pintora brasileira Anita Malfatti (1889-1964) foi exceção: apontada como aquela que despertou o Brasil para o Modernismo, estudou na Alemanha e, depois, nos EUA. Somente depois da Semana de 22, mais precisamente, em 1923, rumou a Paris, com Bolsa de Estudos do Governo do Estado de São Paulo. Tarsila do Amaral (1886-1973), em Paris, inícios dos anos 20, absorveu tardia, mas consistentemente as lições do Cubismo. Em 1924, estando Blaise Cendrars em visita ao Brasil, os modernistas de São Paulo empreenderam uma viagem, espécie de excursão, às cidades ditas históricas de Minas Gerais, como Ouro Preto, São João del Rey, Congonhas do Campo, Mariana, Tiradentes e começam a empreender a redescoberta do Brasil, sendo o documento de abertura desse processo o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, publicado pouco antes (março de 1924). Aqueles tesouros do Barroco tardio e do Rococó maravilharam os brasileiros, assistidos pelo suíço-francês Blaise Cendrars, sendo que isto repercutiu não apenas nas obras de Oswald de Andrade e de Tarsila do Amaral, como chamou a atenção dos próprios mineiros para aquela herança da época do Brasil-Colônia, e teve início o processo de valorização do Barroco (–Rococó) mineiro e doutros barrocos do Brasil, o estilo identificado como o “estilo colonial” brasileiro. Veja-se este poema de Oswald de Andrade, em louvor a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, do livro Pau-Brasil (1925), que me foi revelado por Paulo Miranda, que dele fez excelente análise:

OCASO

No anfiteatro de montanhas
Os profetas do Aleijadinho
Monumentalizam a paisagem
As cúpulas brancas dos Passos
E os cocares revirados das palmeiras
São degraus da arte de meu país
Onde ninguém mais subiu

Bíblia de pedra-sabão
Banhada no ouro das minas

Diplomatas como João Cabral de Melo Neto (1920-1999), mais levaram do que trouxeram em termos da poesia que praticaram, se se considera apenas as produções dos contemporâneos dos lugares onde serviram. João Cabral, um viajor, manteve contatos com artistas (não somente da palavra), como Miró (sobre quem escreveu belíssimo ensaio, mas abordando-o, também, em poemas), Joan Brossa, Tàpies, Alexandre O’Neill (a quem dedica um poema obra-prima, do livro A Educação pela Pedra: “Catar Feijão”). Mas, o enriquecimento repertorial certamente ocorreu. Não basta que se empreenda uma viagem que, de qualquer modo, acrescenta. É preciso que se tenha um propósito específico, uma busca em mente. Décio Pignatari, quando se dirigiu, com a esposa recente, à Europa, tencionava não mais voltar, a ponto de carregar consigo uma quantidade apreciável de livros, praticamente a sua biblioteca da época, pois permaneceria no Velho Continente, talvez para sempre. O casal embarcou em Santos (meados de 1954), num navio meio precário, o Yapejú, em condições bastante modestas (e boa parte dessas informações foi-me fornecida pela viúva Lilla Pignatari, em inícios de 2013, numa entrevista informal, apenas anotada). Do desembarque à acomodação, em Paris, viveu, o casal, uma quase-odisseia, até que as coisas se ajeitaram. O pai de Décio Pignatari enviava, ao mês, a quantia ínfima de 100 dólares, o que na época já era muito pouco. Não houve chances para trabalho, a não ser a tradução de um livrinho, o que fez com que planos iniciais fossem mudando. Pouco mais de um ano em Paris, onde o principal contacto foi com o músico Pierre Boulez (1925-), que já havia estado no Brasil. Parece que a poesia (notória) praticada na França, à época, não interessou a Décio Pignatari (não me canso de dizer: quando a correspondência epistolar entre Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, dessa época: 1954-56, puder ser lida, esta história, também, poderá ser melhor contada). Constante o contacto com Peirre Boulez – almoços quinzenais a convite do músico (providenciais, nas próprias palavras de Pignatari). Conversas com o músico, que chegou a lhe dizer que, quando tivesse acesso a certos recursos, faria grandes coisas. Foi daí, e por influência de Décio Pignatari, que formulei o seguinte pensamento e que não deixo de repetir a jovens artistas, alunos meus ou não: – Se tiver alguma ideia, concretize-a, mesmo com os parcos recursos e as condições precárias que tiver, no momento – não espere as “condições” ideais porque, daí, a obra não se concretizará. As obras quase-sempre são feitas, mesmo que “apesar de” (vai, aí, um pouco de Nietzsche). Um tempo, cerca de seis meses, na Alemanha. Em Ulm, conheceu Eugen Gomringer (segundo semestre de 1955, e por intermédio de Tomás Maldonado), que era secretário de Max Bill na Hochschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma), escola de Design, em boa parte herdeira da Bauhaus (1919-1933: Weimar, Dessau, Berlin). Max Bill, reitor da Escola, papa da Arte Concreta, era conhecido no meio erudito brasileiro, tendo exposto no MASP e participado, como artista suíço, da 1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1951, tendo ganho o prêmio de escultura (sua Unidade tripartida, obra-prima da escultura universal de qualquer tempo, do MAM-SP passou ao MAC-USP, onde permanece). Gomringer (1925-) poeta suíço-boliviano, chamou a atenção de Décio Pignatari, 1º porque tinha um elenco de precursores semelhante ao que cultuava o Grupo Noigandres, Mallarmé acima de tudo e todos, o inaugurador de uma nova poética e, 2º, porque praticava uma poesia ultra parcimoniosa, tendo já algumas realizações propriamente “concretas”, assim como Augusto de Campos havia composto, durante o 1º semestre de 1953, a série Poetamenos – considerada o 1º conjunto de poemas concretos. Daí, o interesse passou a ser mútuo, com troca de informações e, posteriormente, contatos epistolares, como a carta em que Gomringer escreve (em francês) dizendo achar conveniente o nome Poesia Concreta, proposto por Augusto de Campos em texto publicado de 1955 (Eugen Gomringer carta a Décio Pignatari, de 30.08.1956: “Votre titre poésie concrète me plait très bien. Avant de nommer mes “poèmes” constellations, j’avais vraiment pensé de les nommer “concrets”. On pourrait bien nommer toute l’anthologie “poésie concrète”, quant à moi.” Planejava-se uma antologia internacional de poesia concreta – “Sinopse” do Movimento da Poesia Concreta Brasileira, ano de 1956, em Teoria da Poesia Concreta). Décio Pignatari ainda passa pela Itália, momento em que Lilla, grávida do primeiro filho, volta para o Brasil, para dar à luz a criança, já que as questões econômicas praticamente impediam que nascesse na Itália – Diniz Pignatari nasceu em São Paulo, no 1º semestre de 1956, e Décio na Itália. Daí, chegando aos meados de 56, ruma para o Brasil, não sem antes passar pela Espanha e por Portugal. Na Espanha, encontra-se com João Cabral de Melo Neto (veja-se o belíssimo texto de Décio Pignatari: “João Cabral”, em Errâncias. São Paulo, Ed. Senac, 2000, p. 55-59), fim de primavera, poeta que já merecia grande consideração por parte dos componentes do Grupo Noigandres e que figurará, com outro brasileiro, Oswald de Andrade, no Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Curiosa sua passagem por Lisboa, onde teve a oportunidade de dar uma entrevista, que se transformou em depoimento e que teve publicação na revista Graal nº 2, de junho-julho de 1956. O depoimento passou despercebido pelos jovens poetas/intelectuais e não teve, portanto, o papel de inaugurador que poderia ter tido, na Terra de Fernando Pessoa. Enfim, Décio Pignatari chega ao Brasil e, com os irmãos Campos e sempre em contacto com os pintores do Grupo Ruptura, principalmente com Waldemar Cordeiro, trama o movimento, que já começa internacional, com a participação inicial de Eugen Gomringer (co-fundador) e que irá se alastrar pelo Mundo. No Brasil, ainda em 1956, acontece a Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e, no ano seguinte, no Rio de Janeiro, com artistas de linha construtiva, mais poetas. O nº 3 da revista Noigandres já traz o subtítulo Poesia Concreta. Décio Pignatari entra como o articulador do movimento internacional da Poesia Concreta, a partir de seus contactos com Eugen Gomringer. Em Portugal, a Poesia Concreta explodirá a partir de inícios dos anos 1960: 1962 é, propriamente, o ano-marco, com a publicação da antologia de poesia concreta brasileira, organizada por Alberto da Costa e Silva: Poesia Concreta, e com a publicação do livro de Ernesto Manuel de Melo e Castro Ideogramas e passa, depois, a assumir a denominação de Poesia Experimental (nome de importante revista, que teve 2 números: 1964 e 1966) e com características bem próprias. Diferentemente da organização a partir de um grupo, como ocorreu no Brasil, a Poesia Concreta e/ou Experimental portuguesa não contou com grupo organizado, o que implica sectarismo, mas uniu poetas cujas afinidades e espírito de experimentação propiciaram grandes feitos poéticos. Décio Pignatari, com sua viagem à Europa, mais instigou que absorveu, arquitetou, considerando o trabalho que vinha desenvolvendo com Augusto e Haroldo de Campos, o Movimento da Poesia Concreta que, no Brasil, representou um divisor de águas e que estava fadado a durar muito tempo, sofrendo notórias modificações ao longo de seu percurso.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

2. Antologias de Poesia Brasileira, em Lisboa: 1960 e 1962

Num texto de 1977, em que faz a apresentação da Poesia Experimental portuguesa presente na XIV Bienal de São Paulo, E. M. de Melo e Castro afirma: “Dois acontecimentos antecedem o aparecimento em Portugal de manifestações originais da Poesia Experimental: primeiro, a rápida visita a Lisboa de Décio Pignatari em 1956 (sem resultados significativos) após o seu já histórico encontro com Gomringer; segundo, a publicação em 1962, pela Embaixada do Brasil em Lisboa, de uma pequena mas excelente compilação da Poesia Concreta do Grupo Noigandres – São Paulo – Brasil (ano em que eu próprio publico IDEOGRAMAS, reunindo poemas de 1961).” (A Poesia Experimental Portuguesa. Catálogo da representação portuguesa na XIV Bienal de São Paulo. São Paulo, 1977. Apoio: Fundação Calouste Gulbenkian). Já tratei da visita de Décio Pignatari à Capital Lusitana, tentando compreender o (não-) alcance do que deixou registrado em forma de depoimento. Agora, debruço-me sobre antologias de poesia brasileira vindas a público na Terra de Fernando Pessoa. No ano de 1962, em Lisboa, é publicada uma antologia de Poesia Concreta brasileira – Poesia Concreta (Lisboa: Serviço de Propaganda e Expansão Comercial da Embaixada do Brasil, 1962.) – na Biblioteca Nacional de Portugal, pude consultar o livro, digitalizado, o que não permitiu que o exame da publicação fosse mais completo. Demorou para acontecer algo semelhante no próprio Brasil e, mesmo assim, quando aconteceu, aconteceu precariamente: uma antologia de Poesia Concreta que não fosse bancada pelos próprios poetas, mas por editora integrante do mercado de livros. Essa referida antologia de 1962 veio a lume graças aos esforços do então Secretário da Embaixada do Brasil na Capital Lusa, o poeta, escritor e diplomata Alberto da Costa e Silva. Novamente, vislumbro uma melhor elucidação desse processo cultural, quando puderem ser estudadas as trocas de correspondência que, de facto, existiram entre os irmãos Campos e o diplomata antologista. Essa publicação foi precedida por outra mais geral, que se constituía num alentado volume, também organizada por Alberto da Costa e Silva: A Nova Poesia Brasileira (Lisboa: Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Lisboa, 1960), com 287 páginas. Pude consultar a edição original na mesma Biblioteca Nacional. Não consta do volume, como seria de se esperar, um estudo crítico introdutório por parte do organizador, que reuniu poemas de poetas do Brasil, de 1940 a 1960, chegando quase a 100! – se não incorri em erro, contei 99. Logo de início, Fanor Cumplido Júnior (pertencente ao Corpo Diplomático brasileiro em Lisboa, um Adido Comercial), em espécie de preâmbulo, pede desculpas pelos excluídos, mas não julgados, e os enumera, e os nomeia – a maioria, hoje, no Limbo da Poesia. Daí, entra-se nos contemplados com mais ou menos páginas (João Cabral de Melo Neto, valor altamente reconhecido, mas relativamente jovem – 40 anos de idade, então, ganha 14 páginas), dependendo de sua importância, já naquela época: uma verdadeira multidão, em que Gregos, Persas e Troianos são acolhidos e se sucedem no volume, em ordem alfabética de prenome. Este, o excesso, é um dos maiores pecados de todas as antologias de contemporâneos, pois, não tendo tido tempo suficiente para amadurecimento de juízo, como, de facto, avaliar? Coloca-se o máximo possível de autores, bem porque estão vivos e poderão reagir, de algum modo, caso não compareçam na compilação. Parodiando Mallarmé: Nossos contemporâneos são nossos piores juízes, mesmo quando falam bem de nós. Ou, como falaria a Pítia: O Futuro lhes fará justiça (elevando ou rebaixando, não se sabe – o que der, estará de acordo). A grande maioria, dentre os contemplados, o tempo relegou, por um motivo ou outro, ao esquecimento, alguns ainda são lembrados, porém, poucos, de facto, tornaram-se grandes nomes da Poesia Brasileira e mesmo internacional, como João Cabral de Melo Neto, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, José Paulo Paes, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald e outros poucos dos que lá estão. Mas, no caso específico dos poemas concretos, passaram, com todas as suas diferenças e peculiaridades, por um “tratamento” tipográfico (não-intencional, por certo) que anulou o que havia neles de notável e passaram acho que despercebidos. A falha, aí, deve ter sido de quem cuidou do planejamento gráfico – consta: “Orientação Gráfica de Manuel Motta Cardoso” que, certamente, não percebeu o quanto era importante a tipografia e a Gestalt dos textos concretistas, sendo que os poemas da fase dita ortodoxa ou heroica, anos 1950 em sua 2ª metade, utilizaram um tipo futura extra-bold, com predomínio da caixa-baixa. A antologia-omnibus, não tira os méritos de divulgador de Alberto da Costa e Silva, mas deu uma ideia incorreta da qualidade da poesia brasileira produzida de 1940 a 1960, apresentando uma avalanche verbal tediosa, que exigiria um árduo trabalho de garimpagem. Ao final do volume (de boa aparência gráfica), dados biográficos e o índice. Sendo o meu objeto de estudo a visualidade em poesia, obviamente preocupei-me com a Poesia Concreta que aparece na antologia, que pertence a um momento de clara transição dos integrantes do Grupo Noigandres, que já havia agregado aos três primeiros (os Campos + Pignatari), Ronaldo Azeredo, desde a revista Noigandres 3 e mais José Lino Grünewald e que estavam empenhados, com projeto mais aberto, em publicar semanalmente a página “Invenção”, no jornal Correio Paulistano. Porém, o grande mérito de divulgador de Alberto da Costa e Silva, em termos de Poesia Brasileira, foi justamente o volume supra citado de 1962, cuja publicação, em Lisboa, é considerada por E. M. de Melo e Castro, como vimos, o marco inicial do experimentalismo na poesia portuguesa, ou seja, o volume trouxe informação fundamental para os jovens poetas, sedentos justamente de experimentação, mesmo já havendo, na poesia lusa, antecedentes a serem considerados. Nesse mesmo ano de 1962, Melo e Castro publica o seu Ideogramas, livro em que constam 27 poemas, que podem ser considerados “concretos” e que terão enorme repercussão em Portugal. (Melo e Castro. Ideogramas. Lisboa: Guimarães Editores, 1962. Coleção “Poesia e Verdade”). O autor, certamente, dada a sua formação de engenheiro têxtil, sentiu as afinidades existentes com relação ao racionalismo dos componentes do Grupo Noigandres, principalmente com Haroldo de Campos. Por outro lado, na expansão da poética concretista pela Europa, Melo e Castro veio a desempenhar importante papel, a partir daquele mesmo ano. Falemos, então, da antologia Poesia Concreta, organizada, como já foi colocado, por Alberto da Costa e Silva. O nome do organizador não aparece na publicação, que tampouco contém estudo crítico introdutório ou um prólogo – traz, isto sim, o plano-piloto para poesia concreta, sem o post scriptum de 1961 (afirmação de Vladímir Maiakóvski de que, sem forma revolucionária não há arte revolucionária – resposta que os concretistas davam a seus detratores, que os acusavam de formalismo e alienação). Constam, no volume, poemas de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald, Manuel Bandeira, Marcelo Moura, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo, e Wlademir Dias-Pino. Manuel Bandeira (1886-1968) acolheu simpaticamente a Poesia Concreta e, tomando aquilo como um modo, chegou a realizar (criticamente) alguns poucos poemas, porém, nunca foi de facto um concretista, mas sempre Manuel Bandeira ou seja, suas proezas no âmbito da Poesia Concreta eram uma demonstração de compreensão e competência. Quanto a Wlademir Dias-Pino, um pioneiro da poesia visual/experimental brasileira, teve, assim como Ferreira Gullar, que não aparece na antologia, pois já havia “criado” a dissidência do Neoconcretismo, uma curta passagem pela Poesia Concreta e, como Gullar, havia participado – 1956-57 – da Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e no Rio de Janeiro e criou, nos anos 1960, em sua 2ª metade, o Poema-Processo. Quanto a Marcelo Moura (cearense nascido em 1941, e residindo no Reino Unido, segundo a sua nota biográfica), que comparece com 2 poemas, não consegui informações complementares, nem notícias de se continuou concreto ou, mesmo, poeta. Os poemas concretos, desta vez, estão bem melhor editados, com tipomorfia adequada, assim como diagramação a contento. Ao fim, notas biográficas e índice, mais equipe gráfica (dados técnicos). Bem apresentados, os poemas puderam ser apreciados naquilo que traziam de novidade, de invenção. Poemas da série Poetamenos, de Augusto de Campos, não comparecem, certamente pela questão cor, elemento encarecedor, mas lá estão, do autor: Ovonovelo e (F)Pluvial, e mais: Um movimento e Terra (Décio Pignatari), Nascemorre e Fala clara (Haroldo de Campos), Forma (J. L. Grünewald), Ruasol e Velocidade (Ronaldo Azeredo)… O que há a diferenciar a Poesia Concreta, em sua fase ortodoxa dos anos 1950, de outras manifestações que vinham desde o 1º Modernismo – a poética futurista, por exemplo, e alguns feitos dada – é: 1º a parcimônia vocabular, 2º uma tipomorfia notória, mas econômica e uniforme com relação à produção do grupo, 3º a imposição de uma forma geométrica rigorosa e, para completar a exacerbação racionalista que será, depois, amainada, a grande consciência de linguagem dos poetas concretos e o seu profundo conhecimento da “tradição que permaneceu viva”. A antologia Poesia Concreta, de 1962, constituiu-se em facto fundamental para a experimentação poética lusa, sendo que a sua existência foi, em grande parte, mérito de Alberto da Costa e Silva: poeta, escritor e, certamente, um promoter.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz