29.Poesia Visual-Experimental Brasileira/Portuguesa: Pontos de Contacto e Diferenças etc.

Penso que haja muita semelhança e poucas diferenças entre os trabalhos dos poetas experimentais de Portugal e do Brasil, a partir principalmente da 2ª geração, a que começa a operar nos anos 1970 e a que vem depois, a 3ª, digamos. A começar pela superação dos tempos heroicos – mas não das dificuldades de veiculação da poesia e da incompreensão – com a possibilidade de trabalhar num ambiente em que já havia um lastro poético de invenção e toda uma fundamentação teórica. É o que chamo de Era Pós-Verso (apesar do verso), em que manifestos ou coisas semelhantes já não faziam quase sentido: adentrou-se um tempo em que a lentíssima mudança de paradigma forçou a comportamentos outros, sem disputas literárias e/ou poéticas/artísticas e em que, portanto, a chamada política-das-artes arrefece – isto não significa que não se defendessem ideias, bem porque, a vaidade de uns criou indisposições com relação a outros, mas isto é coisa menor. Adentrou-se, de facto, um tempo de pluralidade de recursos, abertos para toda e qualquer manifestação e em que as facturas/poemas, sem abandonar de vez o veículo livro, fizeram uso de todos os media que se apresentaram acessíveis. Poesia intersemiótica. Sim. Poesia interdisciplinar. Sim. Poesia de trânsito entre os media. Sim. Poesia multimedia. Sim. Poesia da Era Pós-Verso. Sem descartar meios e modos consagrados, mas abraçando as novas tecnologias, as novas linguagens, exacerbando o conceitual em todas as suas facetas, essa poesia, sem romper com a tradição de rigor estabelecida pelos poetas “históricos”, e até radicalizando certas propostas, continuaram e continuam atuantes, provando que a busca é uma constante no mundo da criação poética. E mais: é poema tudo aquilo que o poeta quer que o seja (parodiando Mário de Andrade). Vejamos, então, as afinidades e diferenças entre os experimentais do Brasil e de Portugal.

Houve um encontro de gentes, em que os poetas “históricos” da experimentação, tanto no Brasil como em Portugal, mesclaram-se a uma nova geração, depois outra, existindo um grande respeito dos mais novos com relação aos mais velhos, sem que se notasse subserviência. Como se fossem da mesma geração, atuaram em muitos projetos, como o de revistas, antologias, exposições, performances. Daí, concluir-se que não houve uma ruptura (das novas gerações) com relação ao trabalhos desenvolvido pelos poetas “históricos”, que continuaram a produzir obra digna de nota, mas uma continuidade de busca, sem implicar continuísmo. Alguns, como este poeta-pesquisador, tiveram a oportunidade de conviver e cultivar durante décadas a amizade dos “históricos”. Exceptuando-se dissidentes, como Ferreira Gullar e independentes, como Wlademir Dias-Pino e Florivaldo Menezes (pai), hoje, vivo, no Brasil, apenas Augusto de Campos, atuante. Dos portugueses, Melo e Castro, José-Alberto Marques, Álvaro Neto e Alberto Pimenta, todos nascidos nos anos 1930, com maior ou menor relevo nas origens da Poesia Experimental lusa, vivem e produzem.

São poetas que valorizam as visualidades todas, assim como as técnicas que as possibilitam, quebrando as supostas fronteiras entre as Artes, porém, têm uma grande familiaridade com o verbal em estado de poesia, inclusive dominando a tecnologia do verso (a maioria). Mesmo não acreditando mais no verso tradicional – o verso, se feito, deve extrapolar os limites do livro, mesmo podendo estar nele – explodindo em vociferações ensurdecedoras, em luminosos, outdoors… O poeta é também um performer. É importante que não se percam antigas tecnologias, a exemplo da tipografia, que dota o manipulador de programas gráficos no computador de uma sabedoria, uma consciência maior e mais precisa do universo gráfico. Os concretistas, que parece que foram os primeiros poetas a romper com o verso, por escrito: “dando por encerrado o ciclo histórico do verso” (A. de Campos et alii Plano-piloto para poesia concreta. Revista Noigandres 4, 1958) eram exímios versemakers e nunca perderam essa tecnologia, nem que fosse no exercício da tradução criativa – transcriação, como colocou Haroldo de Campos. O mesmo com os “históricos” portugueses: Ana Hatherly, Melo e Castro, Salette Tavares… A lição da beleza do verbal jamais foi desprezada por esses poetas. Muitos dentre os da 2ª geração também haviam começado como versejadores.

Algo muito cultivado pelos concretistas brasileiros foi a tradução-recriação de textos poéticos que consideravam fundamentais, visando a formar um corpus essencial da Poesia Universal em Português, para facilitar o trabalho de busca para os iniciantes no gosto pela Arte de Cesário Verde e Manuel Bandeira. E trabalharam com isto durante décadas, ao mesmo tempo em que desenvolviam o seu trabalho propriamente poético e metalinguístico. Muito embora fossem poliglotas, os “históricos” em Portugal, não tiveram o mencionado propósito. Como esse trabalho no Brasil se desenvolveu por muito tempo, vencendo gerações – e até hoje Augusto de Campos dele se ocupa – os poetas experimentais da 2ª geração, pouco se ocuparam da tarefa da transcriação (Haroldo de Campos), embora houvesse alguns com o domínio de idiomas outros, a não ser Luiz Antônio de Figueiredo, que, em colaboração com Ênio Aloísio Fonda, fez ótimas recriações do Latim (Catulo e Marcial) e, já da 3ª geração, o poeta André Vallias, que se tem revelado um excelente recriador a partir do Alemão, do Francês e do Inglês. Em Portugal, mesmo contando com poliglotas da 2ª e 3ª gerações, não se observa essa preocupação de elaborar Paideuma, mesmo que haja um considerável trabalho de tradução por parte de Rui Torres e de Manuel Portela, por exemplo.

A prática do artesanato das chamadas Artes Plásticas, dada a própria necessidade na execução dos poemas: o desenho da letra a aplicação da letraset, a fotocomposição, o novo artesanato propiciado pelo computador – “os novos escribas” (Antonio Risério. Ensaio sobre o texto poético em contexto digital, 1998) – o uso da cor, o desenho, a colagem, a fotografia: do registro à pratica laboratorial, do processo fotoquímico à fotografia digital, o vídeo e a operação com a câmera, a edição. Alguns são, de facto, artistas plásticos, posto que têm o domínio de técnicas e métodos e processos e até chegaram a ter a formação universitária em Artes Visuais, Fotografia, Design. Isto tudo não impede ao autor da ideia de delegar tarefas mais técnicas a outrem ou trabalhar em colaboração. Uma das práticas tentadas e levadas a efeito foi a da serigrafia, primeiro como meio de viabilizar economicamente a impressão de trabalhos e, quase que ao mesmo tempo, pela beleza do resultado-cor e pela dimensão tátil emprestada aos trabalhos. Carimbos, tipografia, caligrafia gestual, xerografia etc tiveram vez e voz, fazendo com que certos trabalhos se avizinhassem ou mesmo assumissem a arte postal e o chamado livro-de-artista. Tanto Cá como Lá houve o interesse pela performance vocal/gestual foi uma constante.

Essa poesia se desenvolveu em seus respectivos países, em contextos sociopolíticos diferentes, chegando a haver desencontro total quanto a democracia e autoritarismo num e noutro lugar. Poemas políticos aparecem em ambos os países, porém, em Portugal o fenômeno foi bem mais explícito e constante que no Brasil.

A abertura para as tecnologias de ponta dos vários momentos, sabendo que não basta dispor de tecnologias tais e tais. É preciso que se as pense enquanto linguagens e que se tenham ideias adequadas. O computador possibilitou um trabalho de artefinal muitíssimo rápido e perfeito, porém, antes de tudo é preciso que se tenha a ideia. Do videotexto aos computares de última geração disponíveis, usa-se a ferramenta adequada, que poderá ser simples pedaço de carvão e um parede clara. Ou um aparato tecnológico digno da NASA. Houve, principalmente nos anos 1970 e 80, uma larga utilização da reprografia em xerox (fotocópias), explorando a coisa enquanto linguagem, fazendo uso de todas as possibilidades do processo e, mais em Portugal que no Brasil, e entre os poetas/artistas, essa técnica/linguagem foi explorada, com ótimos resultados. Alguns dos poetas trabalham de maneira contumaz com as novas tecnologias e já dispõem de uma linguagem mais universal, tendo como pensamento norteador a questão da interatividade, coisa que interessa ao público mais jovem. A questão do vídeo esteve presente, desde, pelo menos os anos 1970, ganhando força nos 80 e desembocando no universo digital. Há experiências poéticas e artísticas com computadores, desde os anos 1960, época de máquinas que hoje consideramos dinossáuricas e os “históricos” estiveram com elas envolvidos: Décio Pignatari, Erthos Albino de Souza, Melo e Castro, coisa que um pouco mais tarde e com muitos outros recursos prosseguiu e prossegue com a 2ª e 3ª gerações de experimentais, sem desprezo pelas tecnologias já consagradas.

A produção quase-sempre pouca, tendo o claro objetivo de não redundar. Outros, publicaram muito pouco, porque dificuldades de veiculação, principalmente a impressa, continuam.

Uma preferência pela veiculação em publicações coletivas que eram chamadas de revistas, oportunidade de encontros e troca de informações, assim como as exposições coletivas, geralmente registradas em catálogos-antologias. Por outro lado, havia a publicação autônoma de poemas (e isto não era exclusividade desses poetas, mas de toda uma época), o que emprestava à coisa uma certa precariedade, sendo a distribuição quase sempre de-mão-em-mão, o que dificultava a divulgação e inclusive o armazenamento das peças. No Brasil, revistas “de invenção” proliferaram nos anos 1970. Em Portugal, exposições, não apenas em Lisboa, mas também em outros centros urbanos e fora do País.

Houve grande interesse pelas muitas artes, incluindo as épocas várias, o que exigiu uma certa erudição por parte dos poetas desta vertente.

Diga-se: não houve propriamente a formação de grupos, tanto em Portugal como no Brasil, a não ser as afinidades, o que fazia com que poetas se reunissem em torno de uma revista ou para participar de uma exposição/espetáculo performático.

Paideumas eram pensados também para todas as áreas: Poesia, Música, Pintura, Arquitetura, Cinema, Design – mais sistematicamente no Brasil que em Portugal, muito embora alguns valores artísticos fossem cultivados tanto Aquém como Além-Mar.

No rastro de Edgar Allan Poe e Décio Pignatari, cogitava-se das relações entre as Artes e a Ciência – o que remete a Leonardo da Vinci – tentando entender o que haveria de comum entre esses tipos de criação/descoberta. Não foi por acaso que jovens cientistas integravam as reuniões de poetas, em São Paulo. Não se via qualquer incompatibilidade entre as duas grandes áreas, que, no senso comum, eram vistas como antagônicas. Em Portugal, alguns poetas possuíam esse repertório mais científico, pela própria formação universitária na área das Exatas e/ou Biológicas e, portanto, tinham um pensamento análogo.

A investida internacional, iniciada pelos “históricos”, foi mais explícita entre os portugueses que os brasileiros, a partir da 2ª geração, o que colocou a poesia visual-experimental portuguesa num confronto internacional mais visível, ocupando o merecido lugar que ocupa no contexto poético mundial. No caso dos brasileiros, muito embora tenha havido alguma divulgação fora, este é um trabalho ainda por fazer.

Praticamente, toda a metalinguagem no que diz respeito a plataformas-de-ação era feita oralmente em reuniões em bares, restaurantes e algumas casas e eram quase sempre acaloradas. Porém, salvo um ou outro trabalho teórico mais geral, pouco expuseram esses poetas – tanto em Portugal, como no Brasil – de seus próprios trabalhos, diferentemente dos “históricos”, em ambos os países. Foi uma época, os anos 70 e depois, em que não faziam mais sentido os manifestos, como já foi dito, nas pegadas das vanguardas históricas, porém havia uma certeza entre os poetas dessa estirpe: a de que estavam fazendo a poesia mais significativa do Brasil e de Portugal. O que se almejava estava acima da excelência, já que as exigências para ser poeta eram muitas, dada a eleição de certos parâmetros. Não se cuidou de demarcações de limites nem de território a ser ocupado. A certeza de se estar fazendo trabalho de alta qualidade jamais colocava em questão o ser-se poeta, embora ninguém estivesse interessado em disputar o título. A Poesia, assim produzida, visava ao Planeta.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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