24. Nome, Classificação da Poesia: Concreta, Visual/Experimental.

Dar nome é coisa primordial para nós (entre nós e o mundo: uma espessa camada de signos), classificar é o passo seguinte. A ânsia de classificação é coisa que persegue os Humanos, principalmente os doutos que, classificando, etiquetando, engavetando, acabam por ter a posse da coisa (ou a ilusão de), o domínio sobre a coisa e, tudo o que com ela se relacione tem de caber naquela classificação. Algumas classificações até chegam a ser úteis, desde que sua operacionalidade as justifique. A Semiótica peirceana nos ensina que nenhuma leitura de signos ou de complexos sígnicos é definitiva, por melhor que seja – o Interpretante Final tem como lugar o Futuro, sempre. Nomes têm sido dados, pelo bem (por autodenominação ou não) e pelo mal (pejorativamente ou não) e acabam por se consagrar, tais como Impressionismo, Futurismo, Fauvismo, Cubismo, Imagismo, Orfismo, Simultaneísmo, Surrealismo etc. Como sabemos, o nome Poesia Concreta foi dado por Augusto de Campos (já que existiam Arte Concreta e Música Concreta – é assim que o poeta o justifica – e independentemente de um sueco nascido em São Paulo ter falado pouco antes em poesia concreta, coisa que não vingou) e aceito por Eugen Gomringer (co-criador), em contacto com Décio Pignatari e o Grupo Noigandres. Sendo uma poesia de altíssimo repertório, a penetração junto a um público maior de não-especialistas/não-aficionados da Poesia foi e é difícil: 1º pelo boicote empreendido pela crítica do establishment, e 2º pelas próprias dificuldades apresentadas por uma poesia que não fez concessões sendo que, via de regra, a informação chega de forma diluída antes de chegar ela-mesma ou chega de forma indireta ao grande público. No caso da Poesia Concreta, no Brasil, até pessoas de um repertório mais elevado – mais lendo os detratores do que procurando a própria produção – tiveram uma noção errada das coisas, limitando a Poesia Concreta àquela produzida nos anos 1950 (importantíssima, por sinal), fase dita Ortodoxa ou Heroica, em que os poemas se caracterizavam pela parcimônia verbal, pela espacialização rigorosa, deixando sentir-se a brancura da página, pela tentativa de uniformização tipomórfica (com o tipo não-serifado futura) e pela imposição de uma forma geométrica. Acontece que as coisas evoluíram, sem perda do rigor, muito rapidamente, nos 60 e 70, mesmo em tempo em que os poetas concretistas brasileiros, embora cultivando estreitos laços de amizade (não sem conflitos esporádicos e conversáveis), já não formavam propriamente um grupo. Nesse universo dos anos 1960, além do chamado “salto participante” (Invenção 2, 1962), surgiram projetos individuais e em colaboração, mas com peças de autoria sempre individual, como as Galáxias, de Haroldo de Campos, os pop-cretos de Augusto de Campos + Waldemar Cordeiro, os poemas-código ou poemas semióticos de Décio Pignatari + Luís Ângelo Pinto, que tiveram seguidores. Wlademir Dias-Pino que, no texto “Nova linguagem. Nova Poesia” é apontado como precursor dos poemas semióticos (poemas código), por Décio Pignatari e Luís Ângelo Pinto, acaba por se tornar tributário daquela proposta quando, na 2ª metade dos anos ’60 cria o Poema-Processo (que frutificará mormente em Estados do Nordeste brasileiro), tentativa de radicalização do não-verbal em Poesia – os poemas semióticos portavam uma “chave léxica” direcionadora de leitura. Além das discordâncias e atritos que, desde a 1ª metade dos anos 1960, houve com Mário Chamie (1933-2011), que teve participação na página “Invenção”, do Correio Paulistano, mas acabou por se tornar inimigo figadal dos poetas concretos, criador da Poesia Práxis, houve uma indisposição Concretismo/Poema-Processo, sendo este anti-paulista ferrenho. Em entrevista concedida a Antonio Risério (publicada na revista Código 1. Salvador: Erthos Albino de Souza, 1974), Haroldo de Campos chegou a afirmar; “o poema-processo é a doença infantil da poesia concreta”. Coloca-se, geralmente, a denominação Poesia Visual, como algo geral, uma espécie de saco-de-gatos, onde cabe tudo – então, a Poesia Concreta seria uma modalidade de poesia visual, o que não conteria alguma precisão, pois, abraçando um termo cunhado por James Joyce, os concretistas se propunham a fazer e fizeram uma poesia vebivocovisual. Apesar de consagrado, inclusive internacionalmente, o termo “poesia visual” é insuficiente, não somente por não dar conta do fenômeno como por levar a equívocos. Quando os concretistas do Grupo Noigandres entram em desacordo com Apollinaire e seus caligramas, é pelo fato daquelas facturas serem figurativas e em nada diferirem dos carmina figurata, praticados há mais de 2 milênios e, no mais, estava-se na época dos radicalismos exacerbados: Haroldo de Campos havia escrito (1957) um texto que trouxe problemas, principalmente com Ferreira Gullar: “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”, cuja ideia principal era a de que deveria existir uma estrutura que antecedesse a feitura do poema. A denominação “Poesia Concreta” não apenas continuou a ser utilizada pelos componentes do Grupo Noigandres, como sua abrangência, por ação de seus principais teóricos, chegou a ser ampliada. Haroldo de Campos, em época tardia, em que inclusive havia dado por encerrado o seu projeto de prosa experimental Galáxias (1963/4-1976), muito embora acatasse a ideia de que toda poesia digna do nome é concreta, à medida que coloca em evidência a materialidade dos signos, cansou-se de ser chamado “concretista” e, em várias de suas conferências chegou a dizer: “se amanhã eu vier a fazer um soneto, ainda dirão: ‘o poeta concretista Haroldo de Campos acaba de publicar um soneto’”. Esse fardo, Augusto de Campos carrega até hoje e com grandeza, pois, além do trabalho crítico que continua a desenvolver + a tradução-arte que pratica diariamente, produz uma poesia com forte carga de visualidade o que o liga, indissoluvelmente, embora com anos-luz de distância, à Poesia Concreta dos primeiros tempos, desde a sua célebre série de poemas coloridos Poetamenos (1953).

M. de Melo e Castro apresenta no Suplemento Especial “Poesia Experimental” do Jornal do Fundão uma classificação por demais abrangente, envolvendo todo o universo da poesia experimental mundial, que é reapresentada em A Proposição 2.01: Poesia Experimental, com algumas alterações – o primeiro, publicado em 24 de janeiro de 1965 e o segundo em abril do mesmo ano (Lisboa: Editora Ulisseia). Assim como os nomes de movimentos podem ser dados pelos próprios criadores, todo um trabalho de organização do pensamento, por escrito, e com fins didáticos pode ser desenvolvido e Melo e Castro é mestre nesse tipo de coisa e ninguém melhor que ele para discorrer sobre, ele que, além do alto repertório e de ser criador, possui essa capacidade de expor ideias, como poucos. Assim também Ana Hatherly, embora mais didática. Ambos fizeram muita metalinguagem constituindo-se, em Portugal, não nos únicos, mas nos maiores críticos (crítica= discernimento) das hostes experimentais. Os melhores críticos são aqueles que contribuem para a melhoria da arte que criticam – é o caso deles. A seguir vêm os que focalizam o melhor que se produz – é o caso deles e as afirmações acerca dos críticos foi feita por Ezra Pound. Os grandes críticos (além de serem capazes de grandes e esclarecedoras análises) são os que revelam à Sociedade novos valores e por isto mesmo, pelo menos num certo período, fazem crítica militante. É o caso dos dois. Voltemos à questão terminológica:

Melo e Castro, em e-mail de 11.09.2015 […] Penso que fui o primeiro a usar os seguintes termos :  Videopoema, videopoesia, infopoesia , infopoema, mas Visopoema é de autoria de António Aragão no 1º número da revista  Poesia Experimental [organizada por António Aragão e Herberto Helder], talvez influenciado pelo termo Poesia Visiva usado pelos italianos, pois ele viveu em Roma alguns anos estudando restauro de obras de arte e convivendo com poetas visivos. Segundo me parece é também  italiano o sema  POESIA VISUAL hoje vulgarmente usado e abusado por muita gente…

 Ao final do pequeno e importante volume A Proposição 2.01: Poesia Experimental, Melo e Castro traz uma antologia mais que interessante de poesia que valoriza a visualidade e outros cometimentos, já com aquele internacionalismo que caracterizará a mais avançada poesia produzida em Portugal, a partir dos anos 1960 e, na apresentação, diz que as peças constantes estão divididas em três partes: 1ª – Documentando uma profunda e essencial preocupação do Homem com a escrita. 2ª – Exemplos de poemas gráficos pioneiros. 3ª – Exemplos actuais de poemas gráficos, plásticos, concretos e combinatórios.” Nota-se, já, a abertura que se anuncia para esse universo de prática poética.

Melo e Castro, em 1977: “Quase toda a Poesia Experimental Portuguesa produzida a partir do início da década de 60 se pode inscrever dentro de uma denominação geral de POESIA ESPACIAL, uma vez que as suas coordenadas visuais são dominantes”. É claro que esta afirmação era até então válida, sendo que, a seguir, estará superada pelos acontecimentos poéticos, a começar pelo próprio Melo e Castro, e novos discursos foram necessários.

Poesia do Significante, utilizado por mais de um estudioso para qualificar a Poesia Experimental portuguesa, não me parece adequado bem porque toda poesia digna do nome chama a atenção para a materialidade do signo poético (Jakobson) e é por isto que, mais que ambiguidade, o signo poético é portador de uma carga semântica potencializada, sem compromisso com verdades, mas com o Admirável.

Parece que, com relação à poesia com forte carga de visualidade, dos anos 1970 (a partir da 2ª geração de experimentais, digamos), até hoje, não houve muita preocupação em classificar a produção ou estabelecer uma tipologia da mesma. A preocupação maior esteve em denominar o fenômeno como um todo: poesia intermedia, poesia intersemiótica, visopoemas, poesia multimídia, poesia intersignos, poesia interdisciplinar, poesia da era pós-verso. Porém, tudo faz crer que a primeira tentativa de classificação geral da produção a partir dos ’70 até aos ’80 (parte), no Brasil especificamente, incluindo a produção de criadores que vinham de bem antes, originou-se de um trabalho de Philadelpho Menezes (1960-2000), que se constituiu em sua Dissertação de Mestrado e depois publicado (Philadelpho Menezes. Poética e visualidade: uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.) Ele, também poeta, chegou a sistematizar algumas ideias que eram discutidas desde os anos 1970 por um grupo de São Paulo (onde se incluía o seu pai Florivaldo Menezes, poeta) do qual, por um curto espaço de tempo e mais tardiamente, ele chegou a fazer parte, como sua esposa, a artista plástica e poeta Ana Aly. E, dentre as ideias colocadas, a central era a da perfeita fusão de códigos no poema, não simplesmente justaposição ou superposição de códigos/linguagens. Bem, mas a classificação que ele apresenta, possui o mérito de ter sido a primeira tentativa de agrupar sob critério formal e valorativo poemas – então, minimizava o aspecto qualitativo de uns e supervalorizava de outros, sendo que era, em verdade, de difícil aplicabilidade. Poema Embalagem, Poema Colagem e Poema de Montagem Intersígnica, numa escala crescente quanto ao aspecto qualitativo. Chamou de Poesia Intersignos a que obtinha uma verdadeira fusão de códigos e chegou a organizar uma exposição no Centro Cultural São Paulo, com aquela denominação (1985). Tirando a repercussão negativa (mal-estar) que isto causou entre os poetas, essa terminologia nem chegou a ser adotada por outrem. Importante foi a exposição por ele organizada, também no CCSP (1988) e que reuniu grandes nomes da Poesia Visual, internacionalmente falando – Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo – e que contou com a presença de Eugen Gomringer. Seu trabalho poético estava a se desenvolver e adentrando as novas mídias, quando veio a falecer. Ana Aly tem divulgado a poesia de Philadelpho Menezes por meio de várias exposições, principalmente na cidade de São Paulo. Seu mais bem realizado poema a meu ver (e não é o mais divulgado) é o que utiliza o anagrama “universo-souvenir”. Há quem não se preocupe com classificações, considerando apenas se o poema é ou não um bom poema, porém, aí, entra em jogo uma outra questão: o que vem a ser um “bom poema”? De qualquer modo, a pioneira classificação elaborada por Philadelpho Menezes fica como um estímulo para novas tentativas. Metalinguagem não é exclusividade de doutos – todos a fazem, com maior ou menor consciência, de modo simplório ou bastante sofisticado. A mais importante é a que venha a implicar, de facto, esclarecimentos acerca dos fenômenos das linguagens.

Obs. Toda uma apresentação cuidadosa (com discussão) é desenvolvida na “Introdução” da Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80, pelos organizadores Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro (Coimbra: Angelus Novus, 2004).

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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