25. Os Contextos Brasileiro e Luso à Época das Explosões Experimentais.

O Brasil, após o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), sob o comando de Getúlio Vargas, gradativamente se encaminhou para um regime democrático, permeado de crises políticas, sendo as mais graves: a que culmina com o suicídio de Vargas, que havia sido eleito Presidente e a que se inicia com a renúncia de Jânio Quadros e culmina com o Golpe de 1964, que põe termo ao período. O momento pós-Vargas é caracterizado por uma crise, que terá fim com a eleição e posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK que, superando os primeiros momentos nada pacíficos de seu governo, coloca o País num clima de euforia, sendo que importantes acontecimentos no âmbito da cultura já vinham ocorrendo desde os anos 1940: da criação do MASP (1947) aos MAMs (São Paulo 1948 e Rio de Janeiro 1949), ao TBC, Cia. Cinematográfica Vera Cruz, à Bienal de São Paulo (sendo a primeira, em 1951), a entrada em grande estilo e de facto da Arte de Linha Construtiva no Brasil (já em fins dos anos ’40, mas, principalmente, nos anos ’50). A Arquitetura Moderna, que fora introduzida em fins dos anos ’20, ganha força nos 30, continuando a sua escalada nos ’40 e triunfando nos ’50 de mãos dadas com o urbanismo, 2ª metade, com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e o projeto e construção da Nova Capital: Brasília. Concretismo nas Artes Plásticas, com os Grupos Ruptura (1952) e Frente (1954) e, mais para o final da década, o Neoconcretismo. O marasmo e conservadorismo poético da Geração de 45 têm um “basta” com o nascimento da Poesia Concreta, Grupo Noigandres, 1ª movimento artístico internacional com a participação de brasileiros em sua criação, movimento experimental-inventivo, por excelência, em sua fase ortodoxa ou heroica. Exposição Nacional de Arte Concreta, com a participação dos poetas: 1956 São Paulo-1957 Rio de Janeiro. Tempo em que nasce a Bossa Nova, no Rio de Janeiro, e já começa o seu florescimento sendo que, na década seguinte, acaba por ganhar o Mundo. Em 1958 o Brasil, que já era o “país do futebol”, conquista a sua primeira Copa, brilhantemente, na Suécia. O país, vive, então uma fase de verdadeira democracia (apesar dos grandes problemas de ordem social, dos quais não se livrou até hoje), e se aposta num desenvolvimentismo, que acabou por deixar como herança todas as brechas que dariam guarida a crises, que explodiriam na década seguinte, em seus inícios: da Renúncia de Jânio Quadros, à casuística instalação do Parlamentarismo (enquanto que o Vice eleito estava ausente do País), à derrubada do Parlamentarismo por meio de um Plebiscito, à volta do Presidencialismo e as campanhas populistas que mexeram com os temores da burguesia, classe média e militares, o que culminou com o Golpe de 1964, instituindo os governos militares, com um autoritarismo que foi num crescendo, recrudesceu e demorou a arrefecer – isto já nos anos 1980, em que eleições diretas começam a ser restabelecidas (menos para Presidente, que terá de esperar mais) até que civis vieram a ocupar o cargo maior do País (1985) e a nova Constituição (1988), com garantias das liberdades etc. Mesmo sob o tacão da ditadura militar, na 2ª metade dos anos ’60 floresceu a Tropicália ou Tropicalismo, em São Paulo, movimento musical e comportamental, propondo uma diferente leitura do Brasil, mas que acabou por ser vítima do Regime, porém, mudou tudo na MPB, ultrapassando suas fronteiras. Nos anos 1970, com a 2ª geração de poetas experimentais (abraçada à 1ª), que atuaram mormente junto às revistas, que proliferaram no País, a Poesia floresce e, dentro já de uma tradição do rigor e intersemioticidade, estende-se à atualidade. Então, diferentemente do Brasil, em Portugal o Experimentalismo poético se inicia e se desenvolve sob um regime autoritário, regime este que cede apenas em 1974 – daí, depois de décadas, o País experimentará a Democracia.

Já em suas origens, o autoritarismo luso de António de Oliveira Salazar (1889-1970) encontrou entre seus opositores, ninguém menos que Fernando Pessoa (1888-1935) que, já próximo do desaparecimento e que, dando vazão ao seu “nacionalismo místico”, havia publicado (1934) o seu Mensagem, chega a compor peças ditadas pela conjuntura, que reproduzimos a seguir (Fernando Pessoa. Mensagem e outros poemas sobre Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim, 2014, p. 127, 128 e 129-130):

António de Oliveira Salazar.

Três nomes em sequência regular…

António é António.

Oliveira é uma árvore.

Salazar é só apelido.

Até aí está bem.

O que não faz sentido

É o sentido que tudo isto tem.

(29-3-1935)

Este senhor Salazar

É feito de sal e azar.

Se um dia chove,

A água dissolve

O sal,

E sob o céu

Fica só o azar, é natural.

 

Oh, c’os diabos!

Parece que já choveu…

(29-3-1935)

Coitadinho

Do tiraninho!

Não bebe vinho,

Nem sequer sozinho…

 

Bebe a verdade

E a liberdade,

E com tal agrado

Que já começam

A escassear no mercado.

 

Coitadinho

Do tiraninho!

O meu vizinho

Está na Guiné,

E o meu padrinho

No Limoeiro

Aqui ao pé,

E ninguém sabe porquê.

 

Mas, enfim, é

Certo e certeiro

Que isto consola

E nos dá fé:

Que o coitadinho

Do tiraninho

Não bebe vinho,

Nem até

Café.

(29-3-1935)

Salazar (e o “Estado Novo”) dominou o País, de 1932 a 1968, seguido por outro “mão de ferro”, Marcelo Caetano, derrubado em 1974, com o 25 de Abril. E nesses mesmos anos ’70, meados, libertações das Colônias portuguesas de África, depois de guerras de independência. Valerá a pena ler a entrevista-depoimento concedida por E. M. de Melo e Castro a Raquel Monteiro, no Museu de Serralves, Porto, em 2006 – disponível em: http://www.po-ex.net – em que o contexto político e literário em Portugal, nos anos 50 e 60 é brilhantemente colocado. Do mesmo poeta-experimentador, entrevista concedida a Ana Cristina Joaquim, Revista Desassossego 9, junho de 2013 (existe em PDF). Melo e Castro, com a sua exuberância verbal, conhecimento-vivência e clareza, não sonega informação. Daí ser desnecessário que eu o parafraseie. O mesmo, com textos de divulgação (Rádio) de Ana Hatherly, abordando os anos 1960: “A década prodigiosa I, II, III, IV e V” (Ana Hatherly. Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social, anos 1960-1980. Lisboa: Quimera, 2009, p. 92-102.) A entrada de Portugal no rol das Democracias, depois de décadas, trouxe consequências boas, mas também dificuldades para um país que, durante séculos esteve em posse de um Império Colonial que, apesar dos muitos percalços, manteve-se, até o seu desmantelar completo, nos anos 1970. Na Democracia Lusa, tem-se observado a atuação de forças contrárias, não propriamente antagônicas, do que ainda se chama de esquerda (os progressistas) e direita (os conservadores/entreguistas) sem grande poder de ação para um país que optou por fazer parte da Comunidade Europeia, para não ficar à margem com relação ao restante do Continente Europeu. Mas vive-se uma democracia num país que muito tem a oferecer e que se transforma para melhor – para os de fora, que o observam. A Poesia Experimental lusa antecipou-se à grande abertura, desmantelando o discurso do autoritarismo salazarista (Melo e Castro) e abrindo o País para o Mundo.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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