Arquivos mensais: dezembro 2015

22. Anotações às Margens do Tejo: III.

O Tejo em Portugal é o Tejo. Não é o Tajo, nem o Tagus. É o Tejo. Sente-se pelo olfato, ao dele se aproximar, quando está baixo. Quando está alto, invade os degraus da rampa que, do Terreiro do Paço (Praça do Comércio), sob as vistas de D. José I (protegido por três bandas de arcos), dão acesso a ele e imita o mar, lançando suas ondas nervosas a assustar turistas. Gaivotas sempre a rondar, ora mais ora menos, às vezes agitadas a fazer voos rasantes. O Tejo. O mar-oceano lhe fica próximo e dita-lhe certas condutas. O Tejo deu e dá Literatura!

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Tanto em Portugal como no Brasil, houve e há encontro de gerações, por afinidade artística. No âmbito da experimentação, os nascidos a partir de fins dos anos 1920, inícios do anos 1930 e um pouco mais, continuaram produtivos e corajosos (coragem artística, coragem intelectual) e receptivos com relação aos mais novos, que veem nos mais velhos seres paradigmais e desfrutam desse convívio raro e gratificante. Podemos afirmar que chegamos à 3ª geração de experimentais, d’Aquém e d’Além Mar. Figuras como Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, Edgard Braga a conviver com Paulo Leminski (este, ainda um adolescente nos anos 1960, esteve com seus ídolos e chegou a ter poemas publicados em Invenção 4 e Invenção 5. Leminski – 1944-1989 – não chegou a ser um “concretista”, propriamente, mas sempre um experimentador antenado, cultivando a amizade dos históricos), Lenora de Barros, Paulo Miranda, Omar Khouri, Walter Silveira, Tadeu Jungle, Aldo Fortes, Júlio Mendonça, Arnaldo Antunes, Gil Jorge, João Bandeira, André Vallias… Em Portugal, figuras como Melo e Castro, António Aragão, Salette Tavares, Ana Hatherly, José-Alberto Marques em contacto com Alberto Pimenta (também um teórico importante), Silvestre Pestana, António Nelos, Fernando Aguiar, António Barros, Manuel Portela, Rui Torres… Esse convívio existiu (e ainda existe) e, desconhecendo idades, colocou lado a lado poetas de gerações diferentes, que tinham como propósito sondar o novo, experimentar, enfrentar o risco.

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Diferentemente do que foi apregoado nos anos 50 e 60 pelo pessoal adverso à Poesia Concreta, esta apontou para uma grande abertura (para a frente) no exercício poético, o mesmo acontecendo com a Poesia Experimental em Portugal. Grande parte do que ora se observa, em termos de uma poesia mais condizente com o hoje, vem dessas práticas poéticas que se desenvolveram nos anos 50 e 60, com seus textos críticos, seus manifestos, podemos até dizer: com sua militância poética. Apreciar revistas como Invenção, do nº 2 ao 5, Poesia Experimental 1 e 2, Operação 1, Hidra 2 é ver que aquelas práticas poéticas apontavam para o futuro e para a valorização de novas tecnologias, novas linguagens (e nisto, os concretistas de São Paulo foram pioneiros, já nos anos 1950) e um internacionalismo, a começar pela questão da visualidade e convívio com gentes de todos os lugares, nos contactos pessoais e nas publicações. E nisto, a ânsia internacionalista em Portugal é tão ou mais notória que no Brasil.

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Em texto publicado primeiramente em 1984, Haroldo de Campos interpreta aquela atualidade como uma época Pós-Utópica (Haroldo de Campos. “Poesia e Modernidade: Da Morte da Arte à Constelação. O Poema Pós-Utópico.” In: O Arco-Íris Branco: ensaios de literatura e cultura. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 243-269). Se Baudelaire, que inaugura a Modernidade, ainda opera com formas da tradição poética, Mallarmé, com o Un coup de dés jamais n’abolira le hasard (1897), já é um pós-moderno – então, num tempo em que as utopias (entendidas como projetos alternativos, como expectativas de mudanças futuras) minguaram, melhor seria chamá-lo pós-utópico. E explica: o que norteava os grupos de vanguarda históricos era a Utopia – esta lhes dava sustentação – “Sem perspectiva utópica, o movimento de vanguarda perde o seu sentido. Nessa acepção a poesia viável do presente é uma poesia de pós-vanguarda, não porque seja pós-moderna ou antimoderna, mas porque é pós-utópica” (Campos, 1997: 268). E mais: “Ao projeto totalizador da vanguarda, que, no limite, só a utopia redentora pode sustentar, sucede a pluralização das poéticas possíveis. Ao princípio-esperança, voltado para o futuro, sucede o princípio-realidade, fundamento ancorado no presente” (p. 268). Nós vemos destacando-se, nessa “pluralização das poéticas possíveis”, como que uma poética de ponta, representada por aqueles que fazem uso adequado das novas tecnologias/novas linguagens, de par com o “conceitual” em Arte, com todas as suas facetas.

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O advento do Concretismo poético no Brasil foi traumático e acabou por entrar como um divisor de águas na Poesia etc do País. E, por falar nisto, a Poesia Concreta no Brasil, criou inimizades duradouras, gente furiosa, em vários âmbitos, mormente na Faculdade de Letras da maior universidade do País, a USP. A Poesia Experimental portuguesa também causou escândalo e chegou a plantar inimigos. As pessoas têm medo de enfrentar aquilo que não conhecem ou conhecem mal ou não compreendem. Têm medo de ter de rever seus conceitos e posições, têm medo de perder o seu objeto de indagações ou vê-lo desvalorizado e combatem o que não conseguem de facto compreender. Essa briga, no Brasil, durou muitas décadas e vai perdurando, embora arrefecida, enquanto protagonistas de um lado e de outro estiverem vivos. Quanto à influência, até inimigos acabaram por se render – sem reconhecer publicamente o facto – a certos procedimentos próprios da Poesia Concreta. A não articulação de um grupo, propriamente, em Portugal, entra como uma das diferenças notórias entre o que houve na Terra Brasilis e em Território Luso. Tendência da agregação, no Brasil, com formação de grupos, com maior ou menor sectarismo: do Concretismo (Ruptura e Noigandres, 1952) e ao Neoconcretismo e Poema-Processo e, no caso de Portugal, a dispersão, mesmo havendo afinidades entre vários criadores. Em Portugal, o agrupamento dos experimentais se deu mais em torno de revistas e, portanto, coisa do efêmero, sem plataformas de ação que fossem endossadas por todos, propriamente: manifestos a várias cabeças e muitas mãos. Manifestos, houve, desde o editorial de Poesia Experimental 1 (1964), porém, sempre a trazer a assinatura de um dos criadores (é claro que subentende-se que os outros viessem a concordar com o que estava sendo expresso), o mesmo no Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de janeiro de 1965. Publicações causaram escândalo, em Portugal, houve muita reação adversa.

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Uma coisa interessante a se notar foi a duração do Grupo de Concretista de poetas de São Paulo (que compreendeu, também, dois cariocas, podendo ainda ser considerados um alagoano e um pernambucano): enquanto grupo, foi dos que mais duraram na História dos Modernismos, no Mundo. O Grupo Noigandres, formado em 1952, adentrou os anos 60, até à publicação de Invenção 5 – inícios de 1967. Porém, apesar das diferenças cada vez mais evidentes dos trabalhos dos poetas (porém, sempre a comportar experimentação), continuaram a defender certas bandeiras, mesmo não mais se constituindo em grupo, propriamente (o texto “Teoria da Guerrilha Artística” [1967], de Décio Pignatari, que ele credita, também, a Augusto de Campos, traz essa preocupação com relação a uma poesia/arte que se mantém experimental). Essa forte amizade e confluência, até certo ponto, de interesses poéticos, durou até à morte de quase-todos – sobrevive, e em plena atividade, Augusto de Campos.

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Ezra Pound, poeta e crítico, tradutor e promoter estadunidense teorizou sobre crítica e críticos de modo aforismático, sem rodeios elucubrativos. Apontou tipos de crítica e de crítico e, destes, diz que os melhores são os que colaboram para melhorar aquilo que criticam (crítica = discernimento) e, a seguir, os que enfocam o melhor da produção poética. E a função da crítica: uma delas seria a de antecipar a obra de arte, mas essa crítica tem cabido a poetas/artistas e são, na verdade os manifestos: plataformas de ação. Pound diz, enfim, que é o tipo de crítica inútil, pois, por um lado, é feita pelos próprios “atores” que farão a demonstração e que o que resulta é sempre superior à proposta. De qualquer modo, muitos manifestos tiveram importante papel em muitas das poéticas do século XX, e em todas as Artes. Por outro lado, muita coisa ficou em discussões, conversas, sem ir ao papel, coisas que eram faladas em reuniões de poetas e artistas em geral, fossem onde fossem. Redigir um manifesto já significa sistematizar, de algum modo as ideias para torná-las inteligíveis e públicas. Mesmo que alguém não assine um dado manifesto, estará com ele a concordar, se aceita participar da mesma revista, exposição, apresentação musical etc. Sectarismo existe se se aceita participar de projetos, mesmo não constituindo aquilo que se chama de “grupo”, que é algo mais organizado, digamos, e com propósitos aceites e até obra com grande afinidade formal, ou seja, há uma renúncia parcial e temporária com relação ao projeto individual, em prol do projeto coletivo, do grupo (veja-se texto supra citado, de Haroldo de Campos). E manifestos tiveram vez e voz principalmente dentro dos Modernismos. Depois, houve uma espécie de arrefecimento no âmbito de propostas de linguagem. O Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), de Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), pesou sobre todos os outros que vieram depois. Estamos no território da “política das artes”. O Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958) é o mais famoso manifesto brasileiro, fora do Brasil.

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Poesia Experimental, o Experimental – vejamos o que disseram três dentre os “históricos”:

.Herberto Helder, em Poesia Experimental 1, 1964:

Em princípio, não existe nenhum trabalho criativo que não seja experimental, nesse sentido de que ele supõe vigilância sobre o desgaste dos meios que utiliza e que procura constantemente recarregar de capacidade de exercício. A linguagem encontra-se sempre ameaçada pelos perigos de inadequação e invalidez. É algo que, no seu uso, se gasta e refaz, se perde e ajusta, se organiza, desorganiza e reorganiza – se experimenta. Como diria um poeta, essa é a própria lição das coisas.

.António Aragão em Jornal do Fundão, Suplemento Especial, de 24.01.1965:

A posição experimental é francamente uma posição de movimento. Uma poesia experimental, visual, verbal, táctil ou auditiva, essa poesia saída das máquinas ou dos jornais, não admitem fronteiras para o espírito, nem desprezam qualquer técnica para o seu conseguimento. Por isso mesmo não se pode pretender fazer a análise de uma poética nitidamente experimental usando um instrumento crítico inadequado ou fabricado sobretudo para o conhecimento de estruturas convencionais.

 .E. M. de Melo e Castro em Jornal do Fundão, Suplemento Especial, de 24.01.1965:

A Arte Experimental é genericamente uma tendência para a reestruturação sistemática dos métodos e razões da criação artística integrada no tempo tecnológico e no espaço vivencial em que nos encontramos. É assim que se pode dizer que toda a arte nasceu e nasce sempre experimental, só deixando de o ser quando cessam as suas motivações existenciais.

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Essa coisa de se dizer “Tal tendência esgotou suas possibilidades de…” tudo se esgota, ou seja, cumpre o seu papel enquanto portador de informação, daí, acaba e/ou continua naquilo que tem de continuar, pois já entrou na corrente sanguínea do pensamento global. A radicalidade (que implica risco) é a mãe da invenção. Poder-se-ia considerar que toda arte é experimental, à medida que o fazedor – em posse dos conhecimentos da tradição, que ele aciona – tem de lutar com o acaso (ou até incorporá-lo). Em verdade, nem sempre a Arte é inovadora e/ou quase sempre reitera uma excelência ou dilui “protótipos”. O experimental se expõe ao perigo porque sempre lida com a incerteza, mas desafia o risco do abismo. E acrescenta.

 Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

21. Necessárias Teorias para as Artes (paráfrases).

Teorias: Os Humanos pensam sobre, exigem explicações e basta, para certificar-se disto, atentar, nas crianças, para a fase dos porquês. Daí, a ânsia das generalizações… Algumas teorias são tão abrangentes que acabam por não se conter nos limites dos objetos para os quais foram criadas e atingem outros campos, servindo de instrumental de análise e nada mau se se tiver o devido cuidado na aplicação. É o caso dos textos teóricos/críticos de Ezra Pound, plenos de aforismos, para ou pensando na Literatura (em verdade, na Poesia que, para ele, não era bem literatura), mas que se aplicam para todas as Artes, como a apresentação das categorias de criadores (ele diz escritores), aquelas seis, a saber: inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, belles lettres e os lançadores de modas. Às vezes, surge a dúvida (principalmente em sala-de-aula) de como diferenciar um inventor de um lançador de moda – a questão, em verdade, não apresenta complicações, já que o inventor opera na estrutura da linguagem e o lançador de moda, na superfície. Os inventores são os que, de facto, trazem algo novo cuja absorção por parte do grande público é lenta e, via de regra, indireta (diluição daquilo que foi invenção chega antes e penetra com maior facilidade, vindo a fazer parte do repertório do fruidor). Mestres são, segundo Pound, aqueles que combinaram processos introduzidos por outrem (os inventores) e realizaram obra atingindo e até ultrapassando o grau de excelência. Conclui-se, daí, (e Pound foi inventor e mestre) que a arte nem sempre é inovadora, podendo ser apenas reiteradora de um certo grau de excelência das obras. O diluidor reduz, rebaixa o repertório, em comparação com obras de inventores e mestres, porém, isto não quer dizer, necessariamente, que seu trabalho seja algo desprezível – há diluidores de alto repertório. Já os bons escritores (criadores) sem qualidades salientes são os que operam no horizonte da medianidade e são aqueles que produzem a maior parte do que é produzido em todas as Artes, num dado período. Essas categorias, porém, se entrecruzam e um mesmo criador poderá fazer parte de duas ou mais: inventor, mestre e até diluidor da própria obra, por exemplo. Bem, o que mais nos interessa, aqui, é a categoria dos inventores, que são os que apresentam o primeiro exemplo (a sua obra) de um novo procedimento e, portanto, são aqueles que adentram a linguagem por meio da qual operam, e agem em sua estrutura – porque têm conhecimento da tradição – sendo, portanto, pesquisadores, buscadores que enfrentam os riscos de tal aventura e assumem as suas descobertas, que podem resultar diretamente desse trabalho, incluindo o aproveitamento do Acaso. Este, como alguns já apontaram, estará sempre a rondar essa procura e é preciso ter repertório para percebê-lo e valorizá-lo e se utilizar dele. O pesquisador da linguagem, o produtor de linguagem, o designer da linguagem (Décio Pignatari, referindo-se ao poeta) possui um repertório tal, uma abertura tal que percebe a ocorrência-acaso, compreende-a e a incorpora, quando considera que é o caso. Então, experimentação e invenção estão intimamente ligadas – o inventor é um experimentador que chega a resultados que podem implicar subversão, modificações profundas na estrutura da linguagem: revoluções. Essa coisa de dizer que toda arte é experimental, senão não seria arte, não se sustenta – 1º porque é arte (objeto artístico) aquilo que é encarado e consumido enquanto tal, daí termos arte barata, arte de médio e altíssimo repertório, pois, o que chamamos Arte se corporifica nas chamadas obras de arte – portanto, um objeto pode ser artístico, sem que nele haja inovação, propriamente, e alguém o encarará como tal e ele cumprirá, para aquele repertório particular o que uma obra carregada de alta informação cumprirá para outro (imagine-se uma obra de Maliévitch, um poema de Cummings, uma peça de Schoenberg): toda mensagem (incluindo as artísticas, é claro) informa, dependendo do repertório de quem a recebe; 2º assim como os estraga-festas diriam: “Mas a poesia não foi sempre intersemiótica?” ou “A arte não é sempre experimental?”, diríamos: “A intersemioticidade aí referida é um propósito e não um acerto ao acaso” e “Toda arte é experimental apenas se se considerar que o exercício artístico está certamente cercado pelo acaso e que o artista deverá sempre lutar contra, domar esse acaso ou incorporá-lo, até”. Via de regra, o inventor, o artista pesquisador tirará proveito desse acaso que poderá ser a mola-mestra da invenção. Daí que a invenção norteou as vanguardas do Modernismo e vem até os dias atuais (com menos estardalhaço, porém) em que o esforço mais se concentra na compreensão, domínio e utilização de novos meios/novas linguagens, propiciados por essa revolução silenciosa do digital/virtual. Não à toa os concretistas brasileiros, em fins dos 50 e inícios dos anos 60 escolheram o nome Invenção para sua segunda revista (a primeira havia sido Noigandres, nome que chegou a ser tido como palavra-mistério e estar em poemas de dois inventores: o poeta provençal Arnaut Daniel, século XII e, no séc. XX, o estadunidense Ezra Pound) e os poetas da vanguarda lusa, o nome Poesia Experimental (dois números) à sua revista (1964-66). É claro que, quando os poetas falam de poesia/arte experimental, estão a considerar as altas esferas das manifestações artísticas. Experimentação envolve risco: “Poesia é risco”, Augusto de Campos, pois, para ele, Poesia tem de adentar o território da invenção, do desconhecido. Muito embora, em última instância, para Ezra Pound, os manifestos acabam sendo inúteis (pois se constituem em crítica antecipadora feita pelos próprios criadores, sendo que os resultados sempre superam as propostas), são muito importantes, à medida que deixam explícito que o artista é um ser que possui consciência de linguagem. Mais importante do que pensar na exequibilidade de propostas, é tê-las enquanto projeto. E toda obra nova, feita ou pretendida, exige uma maneira nova de encarar o objeto artístico e, em certo momento – mormente quando é dada à luz (quando a obra é publicada) – a crítica estabelecida é apanhada sem instrumental adequado para abordá-la; daí, a necessidade de os próprios produtores (artistas) fazerem a reflexão sobre, ou seja, a metalinguagem. Nas vanguardas dos anos 50, 60 e até 70, vemos a melhor metalinguagem feita pelos próprios artistas-poetas: um misto de exposição de projeto, esclarecimentos até didáticos e agressividade contra o establishment. Daí, tantos textos/manifestos que, a partir de um outro momento, quase que desaparecem e, retornando, podem até tomar a feição de grandes volumes, que nem são passíveis de grandes contestações, como esses que apregoam a necessidade de se trilhar os caminhos das novas mídias/novas linguagens. O que se observa, porém, é uma verdadeira mistura de meios e linguagens, sendo que o artesanal se mescla ao industrial e ao digital, época em que ganha relevo e destaque o leitor e em que se buscam caminhos para uma maior interatividade, de facto. Vejam-se, por exemplo, as mostras de artecnologia– crianças e adolescentes (pois já nasceram dentro dessa realidade) dominam a manipulação dessas máquinas com trabalhos que permitem uma certa interatividade. Daí que, ressaltada a dimensão lúdica, a revolução que se processa passa como que despercebida para a grande maioria. Nossa leitura-do-mundo está condicionada pelo nosso repertório, assim, a nossa leitura dos complexos sígnicos artísticos ou não-artísticos. Mesmo havendo um repertório comum, patrimônio de toda uma comunidade ou sociedade, cada indivíduo apresenta a sua singularidade repertorial e essas peculiaridades é que permitem tantas leituras de uma mesma obra (coisa que a Semiótica peirceana explica brilhantemente, quando adentra a questão do Interpretante, que é parte integrante do Signo). Uma leitura pobre ou empobrecedora de uma obra é uma leitura reles, simplesmente: o signo (a obra, o complexo sígnico) estará à espera de um leitor ideal, que fará uma leitura satisfatória, porém, nunca completa, jamais definitiva, mesmo que venha a satisfazer os aficionados e a sociedade em geral, por muito tempo até. Bem, certa vez, comentei com Augusto de Campos sobre a dificuldade que apresenta a leitura do Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958), ao que ele, discordando, disse-me: – O texto é didático. É claro que os manifestos têm de ser necessariamente didáticos, pois criticam uma situação, direta ou indiretamente, e fazem propostas com algum grau de novidade e são publicados, ou seja, querem que se saiba o que pretendem os signatários daquele texto, panfleto, manifesto. Sim, do modo como as ideias são colocadas no Plano-Piloto, podemos considerá-lo didático, mas para um leitor de alto repertório específico nas coisas das Artes em geral e da Poesia, em particular, pois são muitos os conhecimentos ali veiculados. O mesmo se pode dizer do livro-manifesto do poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro A Proposição 2.01: Poesia Experimental (1965), em que assuntos – tendo a Poesia no centro de tudo – são colocados didaticamente, porém, percebe-se que é para um leitor de altíssimo repertório – ao final do volume, uma antologia exemplificadora do experimental em Poesia. Num clima de entusiasmo pela invenção e perspectiva de mudanças para toda a Sociedade, é “natural” que se nivelem as coisas por cima. – A massa ainda comerá do fino biscoito que fabrico. Oswald de Andrade dixit.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

20. Reuniões de Poetas e doutros Criadores (alguns lances).

Tanto na Europa como na América (de Sul a Norte), poetas e artistas em geral discutiam procedimentos, praticavam a crítica (= discernimento) e bebiam e comiam e até se agrediam verbal e/ou fisicamente (entre os gregos, havia, além de conversas ao ar-livre e até aulas que eram ministradas a caminhar, as reuniões em que assuntos propostos eram “trabalhados”, enquanto se bebia vinho, mais ou menos diluído com água, daí, sympósion, que significa ocasião em que “se bebe junto”) e não à toa há o célebre texto de Platão, Sympósion, traduzido como O Banquete, em que o assunto escolhido para se discorrer sobre foi o Amor. Bem, saltemos mais de 2 milênios! Em fins do século XIX e inícios do XX, alguns lugares ficaram famosos por terem dado o ensejo a reuniões de artistas e poetas em particular: bares, restaurantes, residências (antecedidas pelos “salões”, também em residências) etc. Em Lisboa, não se pode esquecer, no 1º Modernismo, de A Brasileira do Chiado. O Martinho da Arcada, na arcada da Praça do Comércio (Terreiro do Paço), frequentado por muita gente célebre antes, mas, em especial, por Almada Negreiros e Fernando Pessoa – de lá, a pouco mais de 100 metros, corre o Tejo, em direção ao Atlântico, que está bem próximo: uma esticada de olho e vê-se o Rio. Esses Cafés ficaram na História e ainda estão a funcionar e a atrair, por pura curiosidade, letrados e não-letrados do Mundo todo, sendo que os aficionados da Poesia têm como que a ilusão de estarem a aprisionar um residual de energia… No Brasil, em São Paulo, o berço do Modernismo brasílico, ficaram famosas casas que se dispunham a receber poetas e artistas em geral, dos inícios do século XX, a parte dos anos 1940: a Vila Kyrial, do Senador Freitas Valle (mais de transição que propriamente modernista), a de Paulo da Silva Prado (que chegou a hospedar o poeta suíço-francês Blaise Cendrars, que esteve no Brasil pela primeira vez em 1924), a de Dona Olívia Guedes Penteado (com seu “Salão Modernista”), a de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral (que abrigava o mais famoso quadro da série Tour Eiffel, o de 1911, de Robert Delaunay, e que pertenceu à pintora) e a de Mário de Andrade, sendo esta última a única remanescente, porém, sem o acervo do escritor-polígrafo que, em grande parte, encontra-se no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. É claro que outras casas chegaram a receber criadores, mas sem a importância das acima citadas. As reuniões informais (houve, também, as mais formais, para tratar de assuntos específicos, mas predominaram as informais em que especificidades poéticas e de edições também eram assuntos tratados), a partir dos anos 1970, aconteceram com bastante frequência em casa de Augusto de Campos, à Rua Bocaina, nas Perdizes, São Paulo. Uma casa (em verdade, um apartamento) que teve fundamental importância para a Poesia brasileira nos anos 70 e 80. O poeta e sua esposa Lygia de Azeredo Campos reservavam um tempo considerável de suas vidas para receber pessoas interessadas em Música, Pintura, Poesia, Artes Plásticas e Gráficas, Cinema etc, e que sabiam da importância e da sabedoria de Augusto. Os anfitriões tinham essa disposição e lá o assunto principal girava em torno de Poesia e outras artes, tendo a Música um lugar especial nas conversas. De Caetano Veloso e Walter Franco a John Cage, de Julio Plaza e Regina Silveira a Geraldo de Barros e Hermelindo Fiaminghi, de Décio Pignatari e Ronaldo Azeredo a Paulo Miranda e Walter Silveira e Lenora de Barros e Tadeu Jungle e Júlio Mendonça e Arnaldo Antunes. Grande divulgador, também, o Augusto de Campos, pessoa muito informada quanto à produção internacional e brasileira de arte de invenção. Era costume os poetas, com suas edições-de-autor, ou seja, autofinanciadas, deixarem vários exemplares de seus trabalhos com o poeta, que os passava adiante, para os frequentadores da casa. A residência de Augusto de Campos, em cerca de duas décadas, desempenhou, em São Paulo, o mesmo papel que as acima mencionadas, só que por muito mais tempo, em época de não-sectarismo. E já se estava vivendo o momento da 2ª geração de experimentadores no Brasil que, como em Portugal, se mescla com os da 1ª, que continuaram atuantes e inventivos. A casa-ateliê de Julio Plaza e Regina Silveira, na região do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, à Rua Baronesa de Bela Vista, onde o casal se estabeleceu quando da volta de uma longa estada em Porto Rico, recebeu também, além de artistas plásticos do Brasil e de fora (coisa que Regina faz até hoje), muitos poetas, jovens e menos jovens, e eles chegaram até a fazer trabalhos em colaboração, como os que Julio Plaza fez com Augusto de Campos e que marcaram as Artes Gráficas no Brasil. Houve, em São Paulo, um centro de estudos das Artes, chamado Aster, criado por Julio Plaza, Regina Silveira, Donato Ferrari e Walter Zanini, que funcionou de 1978 a 1981 e que foi uma espécie de “escola dos sonhos” e que teve de encerrar suas atividades por estar localizada em área exclusivamente residencial, à época. O Aster abrigou muitos encontros de poetas e artistas plásticos, e Zero à Esquerda, publicação coletiva da Nomuque Edições foi, em grande parte, impressa serigraficamente lá, na base do “ateliê livre”. Alguns bares e casas, na capital e no interior (Pirajuí, Presidente Alves, Bauru) serviram de local de encontro dos poetas “intersemióticos”. Com o fechamento do Aster, resolvi montar, em um corredor de meu apartamento, à Rua Dona Veridiana, em São Paulo, uma mesa tosca de serigráfica que era, também, “estúdio” de gravação de matriz serigráfica e isto possibilitou, milagrosamente, a feitura das Artérias 5 e 6, sendo que a de nº 6 foi a revista de mais longa gestação na história da cultura brasileira: mais de 10 anos, do projeto ao lançamento, e as sessões de impressão, como no Aster, eram um misto de canseira e alegria, com muita gente comparecendo (certa vez, eu + Sonia Fontanezi, em conversa com Décio Pignatari em um bar, ele meio de mal com a vida disse, referindo-se à alegria de fazer: – Preferiria eu, mil-vezes, estar naquele corredor da sua casa imprimindo com vocês. E Décio nunca havia ido à minha casa, mas tinha ouvido falar de nossos encontros e impressões serigráficas, que agora reconhecemos: dali saíram pequenas edições primorosas! Hoje, em torno da bissexta Artéria, ainda acontecem, de raro em raro, encontros em que se discutem assuntos relacionados à Poesia.

Em minha troca de e-mails com os históricos Augusto de Campos (1931-) e Melo e Castro (1932-), ambos atuantes e residindo em São Paulo, lancei-lhes a questão das reuniões e obtive respostas. Vejamo-las:

Omar Khouri (02.12.2015) – Caríssimo Augusto

Cá estou eu, de novo, a incomodá-lo com coisas do passado! Nos anos 1970 e 80, sua casa (ap. da Bocaina) foi o lugar mais importante de reuniões não-sectárias de poetas e outros fazedores. Gostaria de saber onde vocês – em época que existiram como “grupo”, nos anos 1950 e 60 – se reuniam para discussões, trocas de informações, apreciação de novos poemas.

Abraços-mil, também para Lygia
Omar, o Khouri

Augusto de Campos (15.12.2015) – Caro Omar, principalmente na Rua Cândido Espinheira, 635, onde residíamos Haroldo e eu com nossos pais. Décio vinha de Osasco, chegava no sábado e pernoitava em casa, voltando no domingo. Menos frequentemente íamos a Osasco. Depois, nos bares com os pintores, Instituto dos Arquitetos, Clube dos Artistas, Museus de Arte e Arte Moderna, casas de uns e outros pintores, residência de Haroldo, minha, na Cândido Espinheira 866, Décio, nas Perdizes, Homem de Melo, Rua Diana (se não me falha a memória), etc.

Abraços

Augusto

Omar Khouri (10.11.2015) – Caro Melo e Castro

Sei que os poetas experimentais portugueses não se constituíram em “grupo”, o que implica não-sectarismo. Mas, gostaria de saber onde se reuniam, quando era necessário: em algum bar ou restaurante? Na casa de alguém dentre os poetas?

Abraços

Omar

Melo e Castro (10.11.2015) – Caro Omar Khouri

Nós nos reuníamos em Lisboa num café perto do Saldanha chamado Monte Carlo ou numa pequena pastelaria mesmo na Praça Saldanha: a Paraíso. Ambos já não existem. Ou em outras pastelarias ao acaso. Nunca constituímos um grupo como por exemplo os Surrealistas-Abjeccionistas, no café Gelo, no Rossio, onde se reuniam todos os dias para coscuvilhar… Nós trabalhávamos cada um em sua casa!

Mesmo faltando alguns dados para esta pesquisa, principalmente no que se refere a Portugal (Lisboa), encerro, por aqui, este texto, esperando poder completá-lo em breve. Acabo de me lembrar das residências (foram, pelo menos, 3) do casal Samira Chalhub e João Jorge Rosa Filho, em Vila Mariana, São Paulo que, em décadas, ocasionalmente, recebia gentes do intelecto e da sensibilidade para jantares, regados a boa comida, bebida e conversa (de Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Melo e Castro e José Saramago. Foi numa dessas ocasiões, em 1976, que ouvi de Décio Pignatari um dos três elogios que chegou a me fazer – disse ele: – Você é autor da mais bela página, da melhor revista que se faz hoje no Brasil. Tratava-se de uma de minhas erotografias, que acompanhava tradução de epigrama de Marcial, por Luiz Antônio de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda, na revista Qorpo Estranho 1, cujo projeto gráfico era de Julio Plaza e a edição de Régis Bonvicino et alii), da PUC-SP, um centro universitário que esteve na vanguarda da divulgação da poesia mais avançada que se fazia no Brasil e no Mundo (Décio Pignatari e Haroldo de Campos exerceram, lá, a docência, assim como Samira Chalhub e Lúcia Santaella, que levou adiante os estudos relativos à Semiótica peirceanas, revelada no País por Décio Pignatari), de bares de São Paulo onde poetas se reuniam com alguma constância, mas mencionarei apenas um, por ora: O Krystal Chopps, à Rua Cardoso de Almeida, esquina com a Dr. Homem de Melo, nas Perdizes, que é onde foi lançada, em 15/16 de julho de 1975 (noite mais fria dos últimos tempos, em São Paulo), o nº 1 da revista Artéria. Estavam presentes: Augusto de Campos, Carlos Valero, Paulo Miranda, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Luiz Antônio de Figueiredo, Hermelindo Fiaminghi e Omar Khouri. E foi no mesmo local, muitos anos depois que ouvi de Décio Pignatari o seguinte: – Pois é, nós fizemos todo um rastreamento crítico, elaboramos todo um paideuma, falamos sobre o melhor do melhor e agora estamos nas mãos dos medíocres! Não ousei, para evitar sobressaltos, perguntar quem seriam os “medíocres”. É claro que não se resolvem os destinos do Mundo numa festa ou numa mesa de bar, porém, muitas ideias transformadoras podem iniciar o seu trajeto revolucionário a partir dessas ocasiões, desses lugares.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

19. Anotações às Margens do Tejo: II.

Entre Lisboa e São Paulo há um Oceano e uma Serra, a do Mar. Isto quer dizer que uma enorme distância se verifica entre o Tejo, um rio ibérico, mas a Cara de Portugal e o Tietê, um rio totalmente paulista e que diferentemente do Tejo, que desce de Espanha e entra no mar em Portugal, o Tietê, que é a Cara de São Paulo, nasce próximo ao mar-oceano e deságua em outro rio, o Paraná, depois de rumar Noroeste pelo Estado. O Tejo parece ter menos problemas que o Tietê que, antes de se tornar um grande rio, contamina-se de dejetos humanos e detritos industriais e chega a morrer na Pauliceia, entre envenenado e sufocado pela urbe, para renascer mais adiante. As cinzas do historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda (de mocinho, representante de Klaxon no Rio de Janeiro e ensaiando ficção) não foram depositadas no Tietê, como ele desejou, pois a família considerou o rio, na altura da capital, indigno de recebê-las, e tinha razão. Só não fiquei sabendo se foram lançadas mais adiante, na região de Jaú, por exemplo, em que o curso d’água já se avolumou e apresenta uma melhor aparência. Lisboa não sufoca, acaricia o Rio. Lisboa foi centro de convergência das ansiedades modernistas lusas e de sua irradiação, assim como das façanhas da Poesia Experimental. São Paulo iniciou a revolução modernista no Brasil e foi berço da Poesia Concreta.

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Houve aproximação entre fazedores de diferentes áreas em torno de algum projeto ou por pura afinidade e comunhão de ideias, algumas ideias: poetas, músicos, artistas plásticos, tanto em Portugal como no Brasil (e em muitos outros lugares) desde antes, mas principalmente a partir dos Modernismos – reunidos ou não em torno de uma revista, como foi o caso de Orpheu, em Portugal e Klaxon, no Brasil. Colaborações entre artistas da palavra, do traço, da cor. Alguns poetas aparecem, também, como artistas plásticos e estes como poetas, nos vários momentos: é o caso de Almada-Negreiros, Lenora de Barros, Willys de Castro, Tadeu Jungle, Melo e Castro, Arnaldo Antunes, Fernando Aguiar, Ana Hatherly, Emerenciano, António Nelos, por exemplo, mostrando, quando não a ruptura de fronteiras entre as Artes, a elasticidade das mesmas. E houve artistas plásticos que até poderiam ser chamados de poetas visuais, já que cumularam de grafismos, alfabéticos ou não, os seus trabalhos. No Brasil, poderíamos citar Wesley Duke Lee, Ubirajara Ribeiro, Mira Schendel, Rubens Gerchman, e o mais-que-admirável Arthur Bispo do Rosário, com suas peculiaridades. Em Portugal temos como autor das capas de Poesia Experimental 1 e 2 Ilídio Ribeiro. João Vieira foi o autor das capas de Hidra 1 e Operação 1. Hidra 2 teve capa e projeto gráfico a cargo de Melo e Castro, que pode, além de poeta, ser considerado um artista plástico de linha construtiva. Poetas como Décio Pignatari e Augusto de Campos tiveram importante papel em planejamento gráfico e elaboração de capas. Pignatari, grande olho (tipo) gráfico é autor da capa de Noigandres 1 e de algumas outras que ficaram na história, como a do livro Um e Dois, de José Lino Grünewald e o das traduções de Cantares de Ezra Pound, além de projetos gráficos de livros inteiros, como o Soma, de Edgard Braga. As capas de Invenção, que repetem o desenho da de nº 1, com variação de cor, também são ideia de Décio Pignatari. Noigandres 4 (1958) teve capa de Hermelindo Fiaminghi, tendo sido executada pelo próprio artista, em serigrafia – Fiaminghi teve, também, grande participação na preparação gráfica de poemas para exposições. Alfredo Volpi (1896-1988), um artista nascido em Lucca, Itália, mas desde criança morando no Brasil, era uma unanimidade entre artistas plásticos e poetas: teve um seu trabalho reproduzido de modo aproximado na capa de Noigandres 5 e foi apontado pelos poetas como “o primeiro e último pintor brasileiro”. Volpi, chegou a financiar várias edições autônomas de poemas de seu amigo Ronaldo Azeredo. Alexandre Wollner (1928-), artista plástico e designer visual, que estudou na Hochschule für Gestaltung, e que é autor dos cartazes da 3ª e 4ª Bienais de São Paulo, foi o planejador gráfico da página “Invenção”, no Correio Paulistano (de janeiro de 1960 a fevereiro de 1961). Houve, de facto, desde os anos 50, uma aproximação, que continuará nos 70, a qual, além dos concretos históricos (sempre a produzir), incluirá os “intersemióticos” e afins, das novas gerações.

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Julio Plaza (1938-2003), espanhol chegado ao Brasil na 2ª metade dos anos 1960 e que rumou para Porto Rico, onde ficou, acompanhado da esposa, a artista plástica Regina Silveira, por alguns anos, acabou por se radicar em São Paulo, na 1ª metade dos anos 1970. Num certo período, Julio Plaza – podemos dizer – mais aprendeu que ensinou, ele que possuía um know-how invejável em termos de métodos e técnicas em artes plásticas/gráficas e se interessou por Poesia, a que especificamente já era praticada em São Paulo, desde os anos 1950, época do nascimento da Poesia Concreta, que muito evoluiu e se transformou com o passar do tempo, além dos projetos individuais que se foram configurando, como o de Galáxias (1963/64-1976), de Haroldo de Campos, por exemplo. Julio Plaza, em fins dos anos 1960, na oficina de Julio Pacello, havia editado Objetos, livro-de-artista constituído de pranchas que se abrem e deixam configurar formas-cores, e para o qual Augusto de Campos, solicitado, fez um poema que se integrou a um dos “objetos” – e não uma apresentação, como se haveria de esperar – obra esta que desembocaria em Poemóbiles. Na volta de Porto Rico (1973) e seu estabelecimento na cidade de São Paulo, Julio Plaza se associa a Augusto de Campos, donde brotará um trabalho importantíssimo para a Poesia, as Artes Plásticas e as Artes Gráficas do Brasil: Poemóbiles, 1974, cuja 1ª edição foi por eles mesmos custeada (houve + duas edições dessa obra), Caixa Preta, 1975, constituída de poemas de Augusto de Campos e trabalhos de Julio Plaza, sendo alguns em colaboração e além disso, constava um disco, um compacto simples, 33 RPM, com a oralização (-musicalização) de dois poemas de Augusto de Campos por Caetano Veloso. Em 1976, saiu o ReDuchamp, livro com texto de Augusto de Campos sobre Marcel Duchamp, com imagens elaboradas por Julio Plaza. Um quarto trabalho, que partiria de trechos do “Inferno de Wall Street”, de Sousândrade, chegou a ser pensado e iniciado, mas não prosseguiu. Plaza trabalhou com planejamento gráfico e diagramação, fez capas de livros, cartazes de exposições etc. Fez importantes curadorias, como a da Arte Postal, na 16ª Bienal de São Paulo, em 1981 e a de Videotexto na 17ª, participou de projetos do MAC-USP, na época em que foi diretor o grande crítico e promoter Walter Zanini. Foi professor na FAAP e na ECA-USP, onde ajudou a formar muitos artistas, hoje importantes. Do 2º semestre de 1978 ao 1º de 1981, esteve, com Regina Silveira, Donato Ferrari e Walter Zanini, à frente de um Centro de Estudos: o ASTER, por onde passaram muitos importantes artistas plásticos e poetas e intelectuais, com cursos de curta duração, espécie de “escola dos sonhos”, mas, dada a área em que veio a se localizar (Bairro das Perdizes, São Paulo), zona então puramente residencial, enfrentou dificuldades e teve de fechar. Fez uma exposição nos 70, que foi das melhores coisas que São Paulo já viu: LO(A)S MENINO(A)S, em que dialogou com Velázquez. De artista de linha construtiva, para artista conceitual, poeta intersemiótico, teórico, a pesquisador das novas tecnologias, Plaza não quis, a partir de um certo momento, diálogo com galerias e críticos e praticamente se isolou, dedicando-se ao ensino, a seu trabalho com novas mídias e à nova família que veio a constituir. Sua competência gráfica foi algo notório e notável. Do seu maravilhamento pelas palavras, nasceram vários trabalhos, no limite mesmo entre Poesia e Artes Plásticas, trabalhos estes em que explorou paronomásias, palíndromos etc. Plaza, além de ter feito planejamento gráfico de algumas importantes revistas, como Qorpo Estranho e Através, esteve presente com trabalhos, quase-sempre inéditos, em revistas que estiveram à margem do sistema editorial brasileiro, como Código, Qorpo Estranho, Artéria, Zero à Esquerda e outras. Viabilizador de projetos, Julio Plaza está ligado, além dos já citados, a edições de trabalhos, como os livros de poemas de Décio Pignatari (Poesia Pois É Poesia) e Augusto de Campos (Viva Vaia), por editora comercial (Duas Cidades) e o livro-objeto Oxigênesis, edição de autor (STRIP), de Villari Herrmann. Esteve à frente de trabalhos em Videotexto (Arte pelo Telefone), de onde saiu sua dissertação de Mestrado. Teorizou sobre livro-de-artista e arte e tecnologia, porém, seu texto teórico mais conhecido é o Tradução Intersemiótica em que, partindo da sugestão de Roman Jakobson, desenvolve sua tese de Doutorado, aplicando a Semiótica peirceana. Julio Plaza foi dessas ótimas aquisições que o Brasil fez de gente de fora. Plaza conta com excelente companhia: Giovanni Castagneto, Eliseu Visconti, Lasar Segall, Grigori Warchavchik, Alfredo Volpi, Clarice Lispector, Hans-Joachim Koellreutter, Ernesto de Fiore, Frans Weissmann, Tomie Ohtake, Manabu Mabe, Yoshiya Takaoka, Joaquim Tenreiro, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Mira Schendel, Fernando Lemos… País de imigração, muita gente de fora, dedicada às artes, radicou-se no Brasil.

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Um belo livro dos anos 1920, no Brasil, foi o Pathé Baby (1926), de Antônio de Alcântara Machado (1901-1935) – [A. de A. Machado. Pathé Baby. Edição fac-similar. São Paulo: Secretaria Estadual da Cultura, 1982.] O livro traz prefácio de Oswald de Andrade, o que é bem sintomático, pois é uma espécie de filho da prosa oswaldiana, que havia se configurado em 1923-24, com o Memórias sentimentais de João Miramar, mas difere, primeiramente porque é menos concisa, sem deixar de sê-lo e, em segundo, porque o livro-em-si forma um todo, de par com o que de gráfico nele comparece: da tipografia às ilustrações, perfeitamente integradas ao texto, de Antônio Paim Vieira (1895-1988), um artista plástico que, de viés, havia participado da Semana de Arte Moderna de 1922, ao lado do historiador e trocista Yan de Almeida Prado. E tudo se relaciona com Cinema, a começar pelo título da obra: Pathé Baby era o nome de um projetor de filmes de 9,5 mm e o livro, motivado por anterior viagem de Alcântara Machado à Europa, apresenta-se inteiro relacionado ao Cinema, e os desenhos de Paim Vieira abordam uma tela de cinema e um conjunto musical abrindo cada secção do livro (anunciando as sessões), sendo que modificações vão sendo observadas até ao final. O texto é primoroso enquanto composição, em grande parte, paratática, o que faz com que aquela prosa se aproxime da poesia. Alcântara Machado chega a fazer parte da equipe que levou adiante a Revista de Antropofagia, a mais radical das revistas de nosso 1º Modernismo. Sua principal obra, porém, é o internacionalista Pathé Baby e não outros textos em que pinta histórias que se passam na Pauliceia. Muito já se disse que o Cinema havia ficado (como ficou) fora da Semana de 22 – explicação plausível não é difícil de se dar: simplesmente não havia pessoas ligadas a cinema entre os que planejaram e participaram da Semana, mas a arte da Cinematografia (que nasceu na efervescência da virada do século XIX para o XX e que já levava multidões às salas) era muitíssimo apreciada por todos, e o seu elogio comparece no Editorial do nº 1 de Klaxon. O livro Pathé Baby não contou muito com consideração por parte dos concretistas, já que havia maior radicalidade, além da anterioridade, na obra de Oswald de Andrade, mas penso que deva ser apontado como um passo importante para a valorização da coisa gráfica no Brasil (é também considerado o melhor trabalho de Paim Vieira, que não era propriamente um modernista) e do livro em colaboração inteiro (como já vinha acontecendo), como que antecipando essa prática do “livro-de-artista” e apresentando relação inclusive com a poesia intersemiótica. Leiam-se os textos de Valêncio Xavier, sobre o Pathé Baby, Valêncio (1933-2008) – um experimentador da prosa, autor do romance-invenção O mez da gripe – na revista Cult 47: “Cinema escrito”. Também, o texto “A grafia imagética de Antônio de Alcântara Machado”, da escritora e crítica de literatura Neiva Pitta Kadota, na revista FACOM 10. É preciso rever Antônio de Alcântara Machado, via Pathé Baby, um belo livro modernista.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

18. As Origens da Poesia Experimental em Portugal.

Pesquisando em fontes primárias, em bibliografia e contando com depoimentos de protagonistas da Poesia Experimental, certifiquei-me de que, além de questões não tão bem assentadas sobre quem deu o start para tal processo, há discordâncias não-conflituosas quanto à motivação primeira, quanto à fonte de onde foram hauridas informações que iriam resultar no movimento português. O Além-Mar, onde se situa o Brasil, com o Grupo Noigandres (e outras americanidades não cultuadas por uma e outra ala dos iniciadores do processo, com relação ao estadunidense Ezra Pound que, de qualquer modo, terá alguma influência sobre toda a Poesia que se segue a ele no século XX, direta ou indiretamente), ou a própria Europa, tendo o suíço-boliviano Eugen Gomringer como figura maior? Dúvida não há quanto ao papel de grande divulgador dessa poética experimental (a Poesia Concreta e seus desdobramentos) que foi Ernesto Manuel de Melo e Castro (1932-), figura onipresente no desenrolar do processo, durante décadas. Vamos nos ater, neste texto, a falas ou escritos de protagonistas.

No catálogo da representação portuguesa à XIV Bienal de São Paulo, em 1977, há um texto histórico-crítico de E. M. de Melo e Castro, que apresenta a “Poesia Experimental Portuguesa”, texto que é reproduzido em A. Hatherly e Melo e Castro (org.) PO.EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981, p. 9-10:

“Quase toda a Poesia Experimental Portuguesa produzida a partir do início da década de 60 se pode inscrever dentro de uma denominação geral de POESIA ESPACIAL, uma vez que as suas coordenadas visuais são dominantes. De facto foi e é no campo das experiências visuais e espaciais do texto, considerando como matéria substantiva de que o poema se produz, que a pesquisa morfológica, fonética, sintáctica e semiológica se projectou e projecta.

“Dois acontecimentos antecedem o aparecimento em Portugal de manifestações originais da Poesia Experimental: primeiro, a rápida visita a Lisboa de Décio Pignatari em 1956 (sem resultados significativos) após o seu já histórico encontro com Gomringer; segundo, a publicação em 1962, pela Embaixada do Brasil em Lisboa, de uma pequena mas excelente compilação de Poesia Concreta do Grupo Noigandres – São Paulo – Brasil (ano em que eu próprio publico IDEOGRAMAS, reunindo poemas de 1961).

“Em Portugal nunca houve, no entanto um grupo organizado de poetas concretos, tendo a Poesia Concreta interessado a determinados poetas em determinada altura, como via de alargamento da sua pesquisa morfossemântica. Assim, podem até assinalar-se exemplos esporádicos de poemas com uma coordenada visual, ou com uma organização na página, tanto em Mário Cesariny de Vasconcelos como em Jaime Salazar Sampaio ou em Alexandre O’Neill, na década de 50. Mas é o Experimental da Década de 60 que virá a ser propriamente criativo, e servindo até (centrando-se em Lisboa) de Difusor da Poesia Concreta, principalmente para o Reino Unido”…

Augusto de Campos (1931-), em e-mail de 18.08.2015, respondendo à minha pergunta sobre Alberto da Costa e Silva e a antologia Poesia Concreta, escreveu-me:

“A antologia foi editada por iniciativa do Alberto da Costa e Silva, então Secretário da Embaixada. Ele já havia publicado, anteriormente, uma antologia grande sobre a poesia brasileira. A publicação da antologia de p.c. em 62 foi muito importante, porque provocou o interesse de Melo e Castro  e dos poetas que vieram a integrar a Poesia Experimental portuguesa.  Uma carta dele ao Times Literary Supplement suscitou, por sua vez, o interesse dos britânicos. O escocês Ian Hamilton Finlay me escreveu convidando-me para colaborar no seu jornal literário, menos que uma little magazine, um tablóide de poucas páginas, e aí começou o contacto com outros como Stephen Bann, Edwin Morgan e que acabou resultando nas primeiras exposições de p.c. no Reino Unido, na publicação dos brasileiros no Times Literary Supplement, em setembro de 1964, etc etc. Longa história.”

É célebre a carta que Melo e Castro enviou e que foi publicada no Times Literary Supplement, de 25 de maio de 1962 (original em inglês, traduzido pelo Autor), reproduzida à página 216 de PO.EX…, obra supra-citada:

Poesia, Prosa e a Máquina

Sr. Diretor

Li com muito interesse o artigo “Poesia, Prosa e a Máquina” de um correspondente especial publicado no número de 4 maio do seu jornal, mas não posso deixar de ficar surpreendido por ele não ter mencionado o cada vez mais importante movimento da Poesia Concreta que, sendo oriundo do Brasi,l chega agora a Portugal. De facto, a Poesia Concreta é uma bem sucedida experiência de escrita ideogramática ou diagramática e também de criação poética precisamente nas linhas referidas pelo correspondente.

Este tipo de experiência propõe-se substituir o método tradicional da comunicação descritiva por um modo visual compacto e ideogramático de criar e comunicar relações complexas e subtis entre ideias, imagens, palavras, coisas, etc. A Poesia Concreta está a despertar uma onda de interesse tanto no Brasil como em Portugal especialmente entre os jovens e os mais avançados poetas.

E. M. de Melo e Castro

 

Também protagonista, Ana Hatherly (1929-2015), além de poeta e artista plástica, fez importantes pesquisas sobre a origem remota da visualidade na Poesia Lusa e possui inúmeros escritos que tratam dessa história:

“A simultaneidade do seu aparecimento [da Poesia Concreta] – com Gomringer na Europa e o Grupo Noigandres no Brasil – embora o seu acordo básico nos pontos fundamentais, assumindo como antecessor o ‘Coup de Dés’ de Mallarmé, as teorias de Fenollosa e Pound sobre o ideograma chinês e ainda a Teoria da Informação, as técnicas de comunicação de massa, teorias científico-matemáticas, etc., há diferenças entre estes dois polos e são elas que vão depois dar origem aos diversos caminhos que seguiram outros praticantes e teorizadores da poesia concreta.

“Enquanto no grupo brasileiro, que em Portugal influencia particularmente o trabalho de E. M. de Melo e Castro, se torna saliente a infiltração do lirismo do ideograma e a fidelidade aos princípios de Mallarmé, com sua particular incidência nos aspectos da espacialização do texto e a sua relação com a música, que vem tornar o poema uma autêntica partitura, na Europa, a influência das artes plásticas, sobretudo via Bauhaus, é mais forte. Não esqueçamos que Gomringer foi secretario de Max Bill e que a influência que a arte de vanguarda post-cubista exerceu nos diversos campos de criação artística foi decisiva. Assim, enquanto o grupo brasileiro, que possuía talvez menor vocação gráfica, evoluiu de um lirismo-cientista até atingir a crítica social e a sátira (tendência de certo modo herdada, com o idioma, da veia lusitana do escárnio e maldizer), acabando por assimilar alguns aspectos da Pop-Art, para os concretistas europeus, sobretudo os germânicos e os anglo-saxões, a importância do aspecto formalmente visual acaba por impor-se e até sobrepor-se ao aspecto literário, com ramificações importantes para a exploração das zonas fónicas da língua, reatando assim com a tradição de vanguarda (embora estes termos possam parecer incompatíveis) em que língua, som, imagem se confundem, derrubando declaradamente as fronteiras entre as artes.

“Nessa linha europeia se inscrevem mais nitidamente os meus próprios trabalhos, culminando com ‘Mapas da Imaginação e da Memória’ e ‘O Escritor’, mas das obras dos concretistas e para-concretistas portugueses falei extensamente no ensaio intitulado ‘Elementos para uma Investigação da Poesia Experimental nos anos 60/70’.” […] “Quando em 1959 publiquei no Suplemento ‘Artes e Letras’ do Diário de Notícias de Lisboa, o primeiro artigo crítico sobre a poesia concreta e também o primeiro poema concreto dum autor português que se publicava entre nós…” […] (Ana Hatherly. A reinvenção da leitura: breve ensaio crítico seguido 19 textos visuais. Lisboa: Editorial Futura, 1975, p. 14-15.)

O texto de Ana Hatherly, publicado no Diário de Notícias de Lisboa, em 17.09.1959, traz reproduzidos 3 poemas, sendo o terceiro considerado o 1º poema concreto português. Acontece que, na referida publicação, o poema saiu desformatado, sendo que a sua forma original foi recuperada apenas bem posteriormente, assim como o artigo não teve quase repercussão no momento em que foi dado a público.

Ana Hatherly e alguns estudiosos posteriores costumam colocar Melo e Castro como seguidor do “grupo brasileiro” e ele nunca, ao que me consta, contestou tal afirmação publicamente. Pelo contrário: em diversas ocasiões chamou a atenção para a importância que tiveram os brasileiros do Grupo Noigandres para a emergência da Poesia Experimental portuguesa e manteve contato com os poetas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, mas principalmente com este último, com quem manteve correspondência epistolar. Penso que Melo e Castro, na sua exuberância enquanto produtor de linguagem, prolífico poeta, um dos grandes experimentadores da poesia mundial do século XX e adentrando o XXI, enxergou, de cara, as afinidades que existiam entre o racionalismo exacerbado do Trio Noigandres e o seu, com sua formação como engenheiro têxtil, assim como percebeu o aguçado senso gráfico daqueles poetas, que vinham de uma cidade efervescente que era e ainda é São Paulo de Piratininga. Prova de seu cerebralismo é o magnífico Soneto Soma 14 X, que é datado da 1ª metade dos anos ’50, mas que foi publicado apenas em 1963 (e é esta a data que conta), em seu livro Poligonia do Soneto, à página 38 (Lisboa: Guimarães Editores, 1963). Soneto que parodia toda a tradição do soneto, enquanto forma fixa de grande sucesso e das preferências da Lírica – e o homenageia, pois toda paródia acaba por elevar a o objeto parodiado. Vem a ser dos mais importantes sonetos-anti-soneto produzidos em 100 anos. Na secura numérica, tal como se apresenta, dialoga com o Fisches Nachtgesang (Canto Noturno do Peixe), do início do século XX, de Christian Morgenstern, que constrói a peça com a utilização, rigidamente estruturada, do macro e da bráquia (sinais gráficos que indicam vogal longa ou breve). Melo e Castro, figura onipresente no Experimentalismo português, acabou por seguir, e durante décadas de produção, sem descair, caminho próprio. Além de poeta, teórico/crítico e promoter, foi um dos responsáveis pela divulgação do Movimento da Poesia Concreta, principalmente no Reino Unido, como ele-mesmo admite. A internacionalização esteve no centro das cogitações da Poesia Concreta/Experimental.

Melo e Castro e Ana Hatherly não são os únicos, mas vêm a ser os mais aplicados críticos e estudiosos de Poesia dentre os Experimentais históricos de Portugal, os mais brilhantes e prolíficos. Ela mais didática, ele mais técnico, ambos, de suma importância enquanto poetas e teóricos.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

17. Anotações às Margens do Tejo: I.

O Tejo pode não ser mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo é o TEJO! Quem lê ou ouve uma única vez o poema de Pessoa/Caeiro, nunca mais o esquece e talvez venha a compreender que a Poesia “fala” uma língua especial, mesmo que a mesma. Poesia: a mais elevada forma de expressão verbal, ao mesmo tempo em que pode vir a ser a mais parcimoniosa. A Poesia, quebra as fronteiras do verbal e adentra outros códigos, mesmo sem sair do verbal. A Poesia pode ir além do verso, além do verbo e até configurar-se sem palavras. A poesia fala o inefável.

§

Ainda não bem me conscientizei de que estou à beira do Tejo… precisamente à margem direita do Rio, que é onde se situa Lisboa, de longínqua origem fenícia e que abraça, acaricia, não sufoca, não agride o Curso d’Água. Justamente nesta margem direita nasceu e, depois de uma certa ausência, voltou a habitá-la Fernando António Nogueira Pessoa, o Fernando Pessoa, o Pessoa que hoje repousa nos Jerônimos e que, representado em bronze faz a alegria de turistas que se querem fotografar ao seu lado, ali, em frente à A Brasileira do Chiado, à Rua Garrett, um café que era frequentado pela 1ª geração de modernistas portugueses, geração esta que fez a Orpheu, seus 2 números, no ano de 1915. O homem Pessoa produziu sua grande e múltipla obra nesta margem direita do Tejo. Como alguém ainda se atreve a escrever às margens do Tejo? Junto à margem direita do Tejo? Quem o saberá? Um talvez residual de energia…

§

Se não impossível, ficou difícil escrever poemas em Português depois da passagem de Fernando Pessoa por essas Bandas. Penso que a superação, de facto, dessa questão se deu com o Experimentalismo na Poesia Lusa, a partir dos anos 1960, caracterizado pelas incursões intersemióticas, multi e intermidiáticas e o seu cada vez maior internacionalismo.

§

Exemplifiquei Fanopéia na Poesia Lusa… e prometi algo da brasileira. Porém, gostaria de estampar, aqui, duas peças-prodígio da Poesia em Língua Portuguesa, onde a festa é feita do encontro de Melopeia com Logopeia, uma da primeira metade do século XVI e outra da segunda do XX, mas que, em essência “tratam” do problema do EU: 1. Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) e 2. Antonio Risério (1953-):

1.

Comigo me desavim
Sou posto em todo o perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia,
Antes que assi crecesse;
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho inimigo de mim?

2.

POR MAIS QUE EU TENTE PÔR MENOS

DE MIM HÁ DEMAIS NESSE TALVEZ

E NEM SEI O QUE SEJA HAVER

DEMAIS DE MIM NUMA VEZ TAL

QUE VOZ NÃO TEM OU ENTÃO SOA

AQUÉM E ALÉM DA LENDA QUE SOU

 

E, como prêmio, a célebre 1ª quadra da AUTOPSICOGRAFIA, de Fernando Pessoa, perpassada pela música e minada por armadilhas verbais:

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

[…]

E agora, o fenômeno fanopaico no Modernismo Brasileiro de: A. Oswald de Andrade (1890-1954), B. Manuel Bandeira (1886-1968) e C. Guilherme de Almeida (1890-1969):

A.

LONGO DA LINHA

 Coqueiros

Aos dois

Aos três

Aos grupos

Altos

Baixos

B.

A Realidade e a Imagem

O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva
E desce refletido na poça de lama do pátio.
Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa,
Quatro pombas passeiam.

 C.

 MORMAÇO

Calor. E as ventarolas das palmeiras
e os leques das bananeiras
abanam devagar
inutilmente na luz perpendicular.
Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:
não há borboletas azuis nem rolas líricas.
Apenas as taturanas
escorrem quase líquidas
na relva que estala como um esmalte.
E longe uma última romântica
— uma araponga metálica — bate
o bico de bronze na atmosfera timpânica.

§

Mínima é a presença de mulheres na poesia mais experimental do Brasil, Poesia Concreta, melhor dizendo (e a razão disto, se é que alguma há, deve ser averiguada entre as poetas [as mulheres], não entre os protagonistas do Concretismo brasileiro, que agora conta apenas com Augusto de Campos). Em Invenção 5 (1966-67) aparece Meretrilho, um poema admirável de Maria do Carmo Ferreira, poeta mineira que depois fez algumas raras aparições, com peças igualmente belas (nesses anos todos, não consegui localizá-la no Brasil. Num certo tempo, chegou a se corresponder com Samira Chalhub, que soube dela por intermédio de Décio Pignatari, que deu dela ótimas referências enquanto poeta – na época, e lá se vão uns 20 anos, ela elaborava papéis de carta e envelopes, com a técnica da colagem, e devo ter, ainda, um ou dois, de cartas que recebi de Samira). Mais recentemente, a partir dos anos 1970, surge a figura fortíssima de Lenora de Barros, que trilha entre a Poesia, propriamente, e as Artes Visuais, mas com grande domínio do verbo. Diferentemente, em Portugal, colocam-se com força, desde o início da Poesia Experimental, figuras como Salette Tavares e Ana Hatherly, além de outras que se seguem, mas cujo trabalho não teve a continuidade que teve o das primeiras. Já no Concretismo pictórico e no tridimensional, no Brasil, aparecem figuras de suma importância, tanto na “ala” paulista, como na “ala” carioca: Judith Lauand (1922-), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004) e, ainda, Mary Vieira (1927-2001). Tivemos, em nosso Primeiro Modernismo duas figuras fundamentais na Pintura, que foram Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, além de outras artistas cuja obra não teve a mesma repercussão. A portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) desenvolveu uma importante obra, em grande parte fora de Portugal, tendo, inclusive, morado no Brasil nos anos 1940. Grandes artistas mulheres atuaram nas vanguardas do 1º Modernismo e, na Rússia, aparecem muitos nomes, com trabalho admirável (Augusto de Campos as nomeia em poema-homenagem a Judith Lauand, em época mais ou menos recente), além daquelas que atuaram no Ocidente, como a ucraniana Sonia Delaunay-Terk (1885-1979), que teve passagem por Portugal, durante a 1ª Grande Guerra. No ano de 1913, havia colaborado, executando nos exemplares do livro desdobrável de Blaise Cendrars – La prose du transsibérien et de la petite Jehanne de France – suas “cores simultâneas”.

 Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

16. Fanopeia na Poesia Lusa.

Foi uma praxe, pode-se dizer, quando se discorria genericamente sobre poesia e visualidade, pelo menos para os brasileiros paulistas puquianos (PUC-SP), falar-se em 3 tipos de ocorrência: 1. A da visualidade evocada pelas palavras, independentemente de sua escrita (ou mesmo num contexto ágrafo), o fenômeno da Fanopeia, como a colocava Ezra Pound: “a projeção de uma imagem na retina da mente”. 2. A da visualidade configurada pela escrita que, como a entendemos (a partir do surgimento das escritas fonéticas, silábicas e alfabéticas, que não foram as primeiras – estas primeiras foram figurativas, pictográficas) é a “contrapartida gráfica dos sons da fala”, ou seja, o texto (poético) escrito já ganha, necessariamente, a visualidade que o código lhe empresta – podem-se perceber aliterações, paronomásias, rimas, palíndromos num sistema de escrita (alfabético) no qual não se é iniciado, apenas por meio da observação das repetições gráficas (visuais), o mesmo valendo para o texto oralizado, com a necessária lentidão. Seria interessante que não nos esquecêssemos de que os símbolos alfabéticos fenícios, que desembocam no grego (símbolo, na Semiótica peirceana: signo que mantém com o seu objeto uma relação estabelecida por uma convenção) têm, na sua origem, pictogramas, ou seja, figurinhas (signos que mantêm com seu objeto uma relação de semelhança) como a do boi (Alef) e a da casa (Beth), por exemplo. Ana Hatherly, em belo, esclarecedor e didático texto: A reinvenção da leitura: breve ensaio crítico seguido de 19 textos visuais (Lisboa: Editorial Futura, 1975.), à página 5, escreve: “É preciso não esquecermos que a escrita alfabética é relativamente recente e que muito antes dela já se estabelecia a comunicação por imagens. Assim, se quisermos estudar a origem da poesia como escrita dum texto, nunca a poderemos dissociar do seu aspecto pictórico. Percorrendo a história mundial das imagens produzidas pelo homem, encontraremos quase sempre paralelamente escrita e imagem, sendo muitas vezes uma a outra.” Daí, muitas vezes,nas práticas poéticas experimentais notarem-se tentativas, com bastante êxito, de reversão: do símbolo ao ícone (ao hipo-ícone imagem, melhor dizendo). 3. A visualidade quando entra como um propósito do poeta, do fazedor, e é esta 3ª ocorrência que interessa à poesia intersemiótica, visual, concreta, experimental. Porém, o 1º tipo de ocorrência nos fascina, porque descreve uma situação, supõe-se ali um certo realismo (semioticamente falando, é realista o signo, ou complexo sígnico, que evoca um objeto passível de ser existente, e o signo sempre representa, substitui, está no lugar de e o “realismo” não é algo dado, é construído, elaborado), como comparece nas descrições do haiku japonês: “uma paisagem com reflexão, em três linhazinhas”. Esteve no centro das preocupações do Imagismo, tendência da poesia em língua inglesa, do começo do século XX, e que teve como figura exponencial o estadunidense Ezra Pound. (A Fanopeia difere da descrição estática de algo, como geralmente ocorre no tipo de composição descritiva que é a ékphrasis, esta seria como que um tipo de “tradução intersemiótica”, pois o poema fanopaico parte de algo real, dinâmico, e o capta, captura com as palavras.) Ezra Pound falou em 3 tipos de poesia (Ezra Pound. ABC da literatura. Trad. De Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 63…): Melopeia – aquela em que predominam elementos musicais, Fanopeia – a que evoca imagens visuais, e a Logopeia – que ele descreve como “a dança do intelecto entre as palavras”. Geralmente, nos poemas, essas três modalidades vêm mescladas, mas com predomínio de uma ou outra. Um exemplo de poema onde a Fanopeia se configura fortemente é do próprio Pound e apontado como uma obra-prima do Imagismo:

In a station of the metro

The apparition of these faces in the crowd;

Petals on a wet, black bough.

É de 1913 a sua primeira publicação. Vejamo-lo em tradução-recriação, para o português, de Lara Werner em que, além da manutenção da eurritmia presente no original, a tradutora-poeta recupera a rima toante:

Em uma estação de metrô

O surgir dessas faces em bando;

Pétalas em úmido, negro ramo.

 

Da rica tradição poética lusa, selecionei alguns exemplos de ocorrência fanopaica, de diferentes autores e épocas, porém, poderíamos encontrar muitos outros exemplos, igualmente ótimos:

Luís Vaz de Camões (1524-1580)

Esta primeira quadra de um magnífico soneto descreve a beleza de uma mulher e diz-lhe a cor dos olhos: qual seria?

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só com vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

[…]

Alguém conseguiria descrever (pelo que há e pelo que não há) um lugar, melhor do que isto (início de uma canção de Camões):

Junto de um seco, fero e estéril monte,

inútil e despido, calvo, informe,

da natureza em tudo aborrecido;

onde nem ave voa, ou fera dorme,

nem rio claro corre, ou ferve fonte,

nem verde ramo faz doce ruído;

cujo nome, do vulgo introduzido,

é Félix, por antífrase infelice;

o qual a Natureza

situou junto à parte

onde um braço de mar alto reparte

Abássia da arábica aspereza;

[…]

Olhos camonianos que comparecem em todos os oitos verso do poema (como destacou magnificamente em trabalho Luiz Antônio de Figueiredo):

Sem olhos vi o mal claro

Que dos olhos se seguiu,

Pois cara sem olhos viu

Olhos que lhe custam caro.

De olhos não faço menção;

Pois quereis que olhos não sejam:

Vendo-vos, olhos sobejam;

Não vos vendo, olhos não são.

 

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

Cometimento fanopaico, mesmo sendo caricatural e jogando com hipóteses (poema, que, nos anos 1960, no Brasil, inspirou uma obra-prima de Juca Chaves – lá, um autorretrato – Nasal sensual):

Nariz, nariz, e nariz,
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!

 

José Joaquim Cesário Verde (1855-1886)

De um poema, que já é uma obra-prima: Contrariedades, um verso que extrapola. É de uma brancura espantosa, este 1º verso, sendo que a referência é a uma pobre mulher a engomar roupas para fora, que ele observa e descreve:

[…]

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas…

[…]

 

Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935)

Poema de Abertura de um dos mais belos livros de poemas do século XX: Mensagem (publicado em 1934). O poeta, aí, pinta o mapa da Europa e, mesmo sabendo do emaranhado de confluências semânticas que o poema comporta, o que fica é a excelência da factura pessoana:

O DOS CASTELOS

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália, onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar sfingico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.


O rosto com que fita é Portugal.

Em Plenilúnio (publicado em Portugal Futurista, 1917), Pessoa ele-mesmo, faz configurarem-se as três águas: Melopeia, Fanopeia e Logopeia, mas predominam as duas primeiras, sendo que a segunda, de modo notório e notável:

PLENILÚNIO

As horas pela alameda

Arrastam vestes de seda,

 

Vestes de seda sonhada

Pela alameda alongada

 

Sob o azular do luar…

E ouve-se no ar a expirar –

 

A expirar mas nunca expira

Uma flauta que delira,

 

Que é mais a ideia de ouvi-la

Que ouvi-la quase tranquila

 

Pelo ar a ondear e a ir…

 

Silêncio a tremeluzir…

 

Há, também, exemplos notáveis de Fanopeia na poesia brasileira e poderíamos destacar poemas de Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida, só para ficarmos com os modernistas do primeiro momento, da geração do luso Fernando Pessoa.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

 

 

 

 

 

 

 

15. Revistas de Invenção/Revistas Experimentais: Portugal, anos ‘60.

Examinando os fatos, hoje, com o distanciamento no tempo, e verificando a presença da Poesia Concreta brasileira – Noigandres, entenda-se – percebe-se que, apesar de reações contrárias e até mesmo ferozes, vindas de direções várias, e das inimizades duradouras que vieram a acontecer, teve voz e vez nas mídias impressas: revistas, livros, jornais, muito embora a poesia, propriamente, para ser editada comercialmente, teve de esperar até meados dos ‘70. Dificuldades para os poetas não faltaram, tanto cá como lá: d’Aquém e d’Além-Mar. Os concretistas de São Paulo, constituindo-se em grupo, fortaleciam-se frente às críticas, rebatendo-as, argumentando e, com recursos próprios, embora poucos, ou contando com alguém mais abonado do grupo (ou algum aficionado de fora, como foi o caso de Erthos Albino de Souza, desde os anos 1960), ou os que se foram a ele juntando, as publicações, de facto, aconteciam: Noigandres (5 números: 1952-62), cerca de 1 ano a página semanal “Invenção”, no Correio Paulistano, (de janeiro de 1960 a fevereiro de 1961), Invenção: revista de arte de vanguarda (5 números: 1962-1966-67), e toda a guarida dada por Mário Faustino, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Faustino era um poeta que operava com versos, bons versos, mas tradicionais, porém, mente aberta, admirador de Ezra Pound, valorizava o trabalho das vanguardas e assumia isto em seus textos críticos, sendo, também, tradutor e, no referido Suplemento, escrevia a seção “Poesia-Experiência” – faleceu precocemente, no ano de 1962, em acidente aéreo. Ocasionalmente, brechas em órgãos da Grande Imprensa. Tudo indica que os brasileiros tiveram mais oportunidades de veiculação de suas ideias e, mesmo, realizações poéticas, que os portugueses, na fase de lançamento e afirmação da poesia que estavam a praticar, pelo menos. Porém, tanto no Brasil, como em Portugal, houve dificuldades para a publicação, principalmente da Poesia, que a metalinguagem desenvolvida, tanto por brasileiros como por portugueses, e as traduções-recriações, do lado brasileiro, chegaram a contar com editoras, dos respectivos sistemas editoriais. No Brasil, como vimos, revistas de invenção concretistas chegaram ao nº 5. No caso dos poetas experimentais históricos de Portugal, tanto Poesia Experimental, como Hidra e Operação pararam no nº 2. (Interessante é que, no 1º Modernismo português, sua 1ª revista, Orpheu, 1915, teve somente dois números.) Talvez que o facto de não se terem constituído em grupo tenha pesado sobre os acontecimentos. Mas foi enorme a importância dessas publicações que, no momento, pedem edições fac-similares. Tenho mencionado as revistas brasileiras, mais página especial de jornal neste espaço, assim como tenho-me dedicado ao seu estudo há bastante tempo e até elaborado e publicado ensaio crítico: NOIGANDRES E INVENÇÃO: revistas porta-vozes da Poesia Concreta. In: Revista FACOM-FAAP 16. São Paulo, FAAP, 2006 (em PDF, no Google). Há que se considerar, também, que a fase heroica da Poesia Concreta brasileira desenvolveu-se em época de plena euforia democrática, 2ª metade dos anos 1950 e prolongou-se até parte dos ’60, pois, a partir de 64, o Brasil se encaminha para uma ditadura, que recrudesceu a partir de dezembro de 1968 – já havia saído o 5º e último número de Invenção. Diversamente, a fase heroica, de luta da Poesia Experimental portuguesa se desenvolveu em época ainda de ditadura, anos 1960, constituindo-se numa espécie de foco de resistência com relação ao Regime. O fim da ditadura, em Portugal, com o 25 de abril de 1974, apanhou o experimentalismo português em pleno desenvolvimento e vai ver o surgimento de uma segunda geração de experimentadores. Portanto, as históricas, célebres “revistas” do experimentalismo português, vêm à luz em época de autoritarismo, ou mesmo apesar do, e como que anunciam uma nova era para Portugal. A experimentação portuguesa, em termos de revistas, já começou com formatos inusitados, assim como indiciou o internacionalismo que iria reinar nesses espaços/veículos gráficos.

[Antecedentes das revistas experimentais, as próprias e depois, incluindo livros e outros tipos de publicação: ver texto de Melo e Castro “As revistas de poesia das décadas de 50 e 60”. In: Literatura portuguesa de invenção. São Paulo: DIFEL, 1984, p. 78-94. Ana Hatherly. “Poesia Concreta”. In: Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social (anos 1960-1980). Lisboa: Quimera, 2009, p. 22-27 – fala (texto) em um roteiro de programa na RTP 2 Lisboa, em 12.11.1978.]

Vamos, então, à abordagem, mais técnica que crítica de apresentação das revistas, o que interessará principalmente a brasileiros aficionados da experimentação nas Artes em geral e particularmente na Poesia.

.Poesia Experimental 1. Lisboa: António Aragão (Cadernos de hoje), 1964. Formato da capa-invólucro: 14,9 X 29,2 X 1 cm (pode haver diferença milimétrica entre um exemplar e outro dadas contração e expansão dos materiais, com o passar do tempo). São 90 páginas (pranchas – papel de baixa gramatura – com 2 dobras, o que resulta em 3 segmentos de folha com 6 páginas, de 14,7 X 27,2 cm). Organização António Aragão e Herberto Helder. Capa de Ilídio Ribeiro. Capa que vale por um cartaz, arrojada – pasta em cartão, que abraça pranchas dobradas e soltas: papel cinza com impressão vinho e preto – POESIA EXPERIMENTAL 1 – tudo em caixa-alta. Nos textos, há o predomínio do tipo futura claro, mas também aparece o negrito e tipo serifado. Páginas de 1 a 6: dados, citações-palavras de ordem (frases-aforismos sobre poesia, com seus respectivos autores,: Maiakóvski, Reverdy, Garnier e outros). Texto de abertura: uma parábola, um manifesto pela arte experimental – fala em metamorfose, experimentação, evolução de formas, a quantas veio a publicação. Não se filia a nenhum movimento – é simplesmente experimental. Ass. H. H. (Herberto Helder). Colaboradores: António Aragão, António Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder, Salette Tavares + antologia da tradição experimental.

“POESIA EXPERIMENTAL 1º caderno antológico organizado por antónio aragão e herberto helder… abril de mil novecentos e sessenta e quatro.”

“no próximo mês de outubro efectuar-se-á na ‘galeria divulgação’ em Lisboa uma exposição de VISOPOEMAS seguir-se-á uma outra sob o título de AUDIO-POEMAS e ainda um POEMA FÍLMICO.”

Ana Hatherly, em depoimento de 1977, coloca-se enquanto criadora e lamenta a sua não-participação em Poesia Experimental 1: “Em Portugal as coisas seguiam um caminho que a mim não me interessava particularmente, embora eu nessa altura estivesse a fazer um trabalho ainda bastante dentro das linhas tradicionais, mas era uma espécie de ganhar músculos para caminhadas mais longas, e finalmente quando o 1º número de Poesia Experimental estava em projecto, eu cheguei mesmo a mandar colaboração. Essa colaboração não foi incluída, por razões que não interessa agora aqui mencionar; eu não participei no 1º número por esse motivo. Participei no 2º e então já devia ter formado a minha “musculatura’ porque foi ela que me permitiu a caminhada até agora…” (A. Hatherly e Melo e Castro org. PO.EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981, p. 19.)

.Poesia Experimental 2. Lisboa: António Aragão (Cadernos de Hoje), 1966. Organização: António Aragão, E. M. de Melo e Castro e Herberto Helder. Capa de Ilídio Ribeiro: uma interessante composição de linha construtiva, sendo seu formado maior do que o das pranchas que contém, e possui furos, por onde deveria passar algo (metal ou fita de tecido) que viesse a amarrar, segurar o material constante. Formato: 19 X 29,5 X 0,9 cm. Capa-invólucro: cartão vermelho (verso pardo), com impressão em preto e prata – o texto, com arranjo gráfico perturbador POESIA EXPERIMENTAL (XPRMNTL: sem as vogais, que se tornam desnecessárias) DOIS, criando ambiguidade com a marca BOLS (logo do qual se apropria e re-cria) e, no que seria a quarta-capa, texto de Lewis Carroll, em prata sobre o vermelho. Além dos colaboradores-poetas, traz, em separata, texto metalinguístico e exemplificação (notações) do músico Jorge Peixinho – “Música e notação”, único texto teórico da revista. Esse segundo e último número de Poesia Experimental já dá o grande salto internacionalista dessa nova poesia portuguesa, colocando-a, não apenas num confronto internacional, mas situando essa produção poética no contexto do Mundo. São colaboradores: Luiza Neto Jorge, Herberto Helder, José Alberto Marques, E. M. de Melo e Castro, António Barahona da Fonseca, António Aragão, Álvaro Neto, Ana Hatherly, Salette Tavares, Jorge Peixinho (Portugal). Pedro Xisto, Haroldo de Campos, Edgard Braga (Brasil). Mike Weaver, Ian Hamilton Finlay (Grã-Bretanha). Henri Chopin, Pierre Garnier (França). Mario Diacono, Emilio Villa (Itália). A revista é composta de Capa + cartão de rosto (14,5 X 27 cm – frente: nome e dados, verso índice de autores) + 13 pranchas + caderno-separata. Observa-se grande variação tipomórfica.

“o 2º caderno antológico organizado por antónio aragão, e. m. de melo e castro e herberto helder com separata MÚSICA E NOTAÇÃO de jorge peixinho. capa de ilídio ribeiro com texto de lewis carroll na contracapa.”

“edições do autor – travessa da Fala – só – 15 – 2º esq. – b, Lisboa. maio de mil novecentos e sessenta e seis. composto e impresso nas oficinas gráficas da escola de artes e ofícios – funchal.”

.O Suplemento Especial do Jornal do Fundão: POESIA EXPERIMENTAL, em 24.01.1965, saiu entre Poesia Experimental 1 e a de nº 2, e teve um importante papel na difusão da Poesia Experimental portuguesa. Consultei-o no sítio PO.EX – reprodução fac-similar e transcrições, mas estive com o original em mãos, na Livraria Ecléctica, pela generosidade de seu proprietário, o Sr. Alfredo Gonçalves. O Jornal do Fundão, editado na localidade do mesmo nome era, em verdade, um semanário. A organização do referido Suplemento esteve a cargo de António Aragão e E. M. de Melo e Castro. Em formato de jornal, são quatro páginas com textos teóricos e poemas. Colaboraram: E. M. de Melo e Castro, António Ramos Rosa, Álvaro Neto, Maria Alberta Meneres, Luís Veiga Leitão, António Barahona da Fonseca, José Alberto Marques, Herberto Helder, Salette Tavares, António Aragão e José Blanc de Portugal. A presença de poemas com espacialização especial levou a uma diagramação diferenciada, porém, em termos gráficos, o mais impressionante é a disposição do texto crítico de José Blanc de Portugal: Notas sobre a moderna poesia experimental portuguesa – fragmentos, que se dispõe transversalmente, em duas colunas ocupando o centro das duas páginas centrais do Suplemento, o que seriam as de números 2 e 3 – é texto de alguém que se simpatiza com a experimentação, texto culto, mas que pouco diz da poesia ali veiculada. Apenas quatro páginas de um suplemento de semanário, mas que valeram por uma revista!

“O JORNAL DO FUNDÃO sempre foi feito e publicado no Fundão que é uma pequena cidade da Beira Interior, a 20 km da Covilhã (que é a minha terra). Foi um foco de resistência no tempo do Salazar/Marcelo Caetano. O proprietário e diretor era António PAULOURO, muito meu amigo e um grande jornalista. O jornal/semanário tratava de assuntos locais, principalmente da classe operária e rural e teve intervenção notável no desenvolvimento social e económico regional. Morreu já há alguns anos, mas o jornal continua com um sobrinho dele. O Suplemento Especial da Poesia Experimental teve larga difusão porque ele enviava gratuitamente o jornal para todos os núcleos de emigrantes portugueses nos países europeus, no Canadá e USA.” (e-mail de 11.11.2015)

.Operação 1. Lisboa: Edição dos Autores, 1967. Tiragem: 150 exemplares (se tanto). Formato: 35,6 X 50,6 X 1,2 cm. Caixa-pasta em papel-cartão e gravura (decalque/baixo-relevo) em material aderido ao cartão, material semelhante a lacre, a partir de matriz tipográfica de jornal. Não há duas capas iguais, ou seja, cada capa vem a ser objeto-único (pude examinar 2 exemplares na Livraria Ecléctica). As capas são do artista plástico João Vieira. Segunda-capa, à esquerda o nome O P E R A Ç Ã O 1 e os créditos + dados da edição. Colaboradores: António Aragão: 2 cartazes. Ana Hatherly: Alfabeto estrutural. E. M. de Melo e Castro: Sintagramas. José Alberto Marques: Homeóstato. Pedro Xisto: 4 Epithalamia. Capas de João Vieira. Organização de E. M.de Melo e Castro. Ed. dos Autores. Lisboa 1967. Composição e impressão Tipografia do Jornal do Fundão. O que funciona como página de rosto repete o logo da revista e apresenta os poetas participantes, brevemente, em seus trabalhos, em três línguas: francês, português e inglês. As páginas são, em verdade, folhas soltas, cartazes, em formato 34,6 X 49,9 cm, em papel monolúcido (face acetinada e verso áspero). Essa revista vem a ser, de facto, uma exposição portátil. A cor aparece nos trabalhos de António Aragão (preto e vermelho).

.Operação 2: estruturas poéticas. Fundão: Ed. de Autor, 1967. 54 páginas. Formato: 25 X ?? (ainda não tive acesso à edição original). “O número 2 e último desta série de publicações foi totalmente preenchido com o livro “Estruturas Poéticas” de Ana Hatherly de que aqui se reproduz o projecto/programa, que se reveste de particular interesse teórico, pois se trata de um dos primeiros exemplos de Poesia Conceptual.” (Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro org. PO.EX… obra supra citada, p. 75.)

.Hidra 1. Porto: Ecma, MCMLXVI. 24,6 X 34,5 cm, 72 páginas + encarte. Organização de E. M. de Melo e Castro. Paginação e arranjo gráfico de Eduardo Calvet de Magalhães e de E. M. de Melo e Castro. Este primeiro número de Hidra, em formato livro, geralmente não conta com a consideração dos protagonistas da vanguarda portuguesa, dado o fato de a maior parte do material constante na revista não poder ser classificado como “experimental”, apesar de trazer reeditado, como encarte, Mapa do Deserto, poema de 1962, de Melo e Castro. Nas colaborações (são 20 colaboradores): desenhos, poemas, ensaios. A capa é de autoria de João Vieira e se constitui num exercício caligráfico, pincel e tinta da china em que, a palavra “hidra” é grafada várias vezes, configurando-se quase que um texto ideogrâmico. Na quarta-capa, anúncio da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), o que aparecerá, também, em Hidra 2. Declarou a mim, Melo e Castro, em e-mail de 17.11.2015 que apenas Hidra I teve o patrocínio da TAP e que o 2 foi todo feito artesanalmente por ele. Em PO-EX… op. cit., à página 89: “Nota: HIDRA-I, de 1966, não tinha características marcadamente experimentais, além da inclusão do vasto poema visual “MAPA DO DESERTO” de Melo e Castro.” Porém, entre os colaboradores estavam: António Aragão, Luísa Neto Jorge, Salette Tavares, entre outros.

.Hidra 2. Lisboa, 1969. Distribuição Livraria Quadrante Lisboa Portugal. Espécie de pasta que abriga folhas soltas, papel branco e poroso, de baixa gramatura: os poemas – cartazetes, sendo que parte pode ser considerada de poemas-objeto, executados artesanalmente, com a agregação de materiais/colagem. Formato: 25 X 35,1 cm. A capa traz trabalho de linha construtiva de Melo e Castro, que assina maqueta e arranjo gráfico. Organização: E. M. de Melo e Castro. Colaboradores: Nei Leandro de Castro, um brasileiro potiguar, ligado, à época, ao movimento do Poema-Processo: Decomposição do NU. Liberto Cruz: Exercícios de fonética. José Alberto Marques: Texto matérico. António Aragão: Faça o seu avião. Silvestre Pestana: Atómico acto. E.M. de Melo e Castro: Sintagrama 67. A publicação é bastante arrojada, fazendo até lembrar aqueles álbuns coletivos com trabalhos executados artesanalmente e semi-artesanalmente por artistas. Hoje, nós diríamos: livro-de-artista. Uma das mais belas publicações da “fase de luta” da Poesia Experimental portuguesa. O exemplar por mim consultado, por gentileza do Sr. Alfredo Gonçalves, da Livraria Ecléctica, estava incompleto, falha que sanei, consultando o sítio da Po.Ex (CD-ROM) e o já citado volume organizado por Ana Hatherly e Melo e Castro que, à p. 89, traz a seguinte nota: “A novidade desta publicação (que também não passou do nº 2) é que incluía objetos reais propondo-os como ‘poemas-objecto’, tais como: carteiras de fósforos, balões de borracha, folhas de exercícios escolares em stencil, posters desdobráveis e dobráveis, etc.”

Examinar as edições originais dessas revistas (ou os fac-símiles, quando os houver) será importante e surpreendente.

Tendo colocado a Melo e Castro algumas questões referentes às “revistas” da Poesia Experimental, em e-mail de 01.09.2015, escreveu-me ele:

“Caro Omar Khouri

“Sobre a chamada Revista de Poesia Experimental nº 1 publicada em 1964,  foi de iniciativa do António Aragão e do Herberto Helder, que convidaram os outros colaboradores, entre os quais eu. A capa foi feita pelo Ilídio Ribeiro que tinha um sério gosto por artes gráficas e muito dinheiro, pois era filho de um dos maiores  construtores civis dessa época em Portugal. O miolo foi impresso numa máquina de offset (então uma novidade) da Associação dos Alunos do Instituto Superior Técnico em Lisboa.

“O nº 2 teve um nascimento mais atribulado. O Aragão e o Ilídio financiaram.  Dado o escândalo do nº 1 e da repercussão internacional do Suplemento do Jornal do Fundão dedicado à Poesia Experimental e publicado em 1965, organizado por mim e pelo António Aragão, eu encarreguei-me de organizar uma representação de colaboradores internacionais. Mas o Helder não gostou da ideia… A capa foi também do Ilídio Ribeiro – usou um motivo da propaganda da Bols (creio que uma bebida alcoólica!) […]. Parte do miolo foi impresso no Funchal (Ilha da Madeira) e outra parte na tipografia do Jornal do Fundão.

“Logo a seguir ao lançamento do nº 2 em 1966, o Herberto Helder publicou nos jornais uma nota em que se distanciava da Poesia Experimental porque os seus colaboradores ‘eram todos medíocres’. Eu tive uma nota de resposta escrita, em que perguntava ‘quem era esse Herberto Helder, pois eu não o conhecia…’   mas desisti de publicá-la, preferindo ignorar o assunto.  Foi assim que não houve mais números, mas eu publiquei por minha exclusiva iniciativa a HIDRA e a OPERAÇÃO, embora com pequeníssimas tiragens, demonstrando que a ideia Experimental tinha pés para andar… o que realmente aconteceu, tanto com as nossas obras individuais como com o reconhecimento desse nº 2, como um marco decisivo da poesia portuguesa. Em breve, uma nova geração de poetas experimentais surgiu, afirmando-se com a publicação da antologia POEMOGRAFIAS, em 1985, organizada por Fernando Aguiar e Silvestre Pestana. Mas já em 1980 se tinha realizado a exposição PO-EX 80, na Galeria de Arte Moderna em Lisboa, que revelou a um público mais amplo e novo, a razão de uma POESIA EXPERIMENTAL.” […]

Essas importantes publicações, colocadas com inteligência pelo sítio Po.Ex, mais do que merecem, exigem edições fac-similares.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

14. Tipografia: algumas considerações.

Interessante discorrer, embora brevemente, sobre a Tipografia, que provocou uma verdadeira revolução no que diz respeito à reprodução e divulgação de textos: livros etc e que é considerada a maior invenção técnica do Renascimento, e que nasceu no que viria ser a Alemanha e que teve a sua emergência ligada a Johann Gutenberg (1398?-1468). Tudo aquilo que nasce como técnica, quando revela sua peculiar linguagem, termina por produzir Arte e a tipografia teve enorme influência nas artes da escritura, assim como, sem que bem percebamos muito, o computador está tendo, de um tempo para cá. Há pesquisas que atestam a existência, no Extremo-Oriente, de tipos metálicos móveis, mas foi justamente no Ocidente que a Tipografia de facto aconteceu e revolucionou. Em boa parte, para esta explanação, estou a utilizar o livro de Carlos Rizzini: O Jornalismo antes da Tipografia. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1968, o qual trata da era pré-Gutenberg, mas chega à “letra de forma” e ao Brasil e à implantação tardia da Tipografia em solo brasileiro (página 164 e seguintes). A Tipografia nasce em meados do século XV (e exigiu como condições prévias: prensa, papel e tinta – técnicas de decalque já existiam há milênios e a gravura era uma realidade) e rapidamente se alastra pela Europa, chegando a Portugal, ainda no referido século, época em que o Estado Português se expandia para áreas do Além-Mar, constituindo-se na vanguarda da Expansão Marítima europeia. Nessa faina, cujo principal objetivo era descobrir um caminho marítimo para as Índias, fato consumado pela viagem de Vasco da Gama (1497-8), entra o acidente Brasil, a Terra de Santa Cruz (prevalece a leitura de propósito, em contraposição à de acaso, para o achamento do Brasil por Cabral, em 1500). A colonização do Brasil foi uma tarefa a que se impôs Portugal, sob pena de perder a Terra e esteve na iminência de perdê-la, em muitas ocasiões, mas não apenas a recuperava como conseguia dilatar o território e lançou as bases, sedimentadas pelos Braganças, para que se mantivesse uno o território, aquele que chegou a ser 3 colônias de Portugal. Mas o que nos interessa, de facto, aqui, é como se desenvolveu a Cultura na Terra de Pindorama. Muito embora não houvesse interesse em desenvolver Letras e Artes no Brasil, estas brotaram, mesmo que à revelia, por uma necessidade que os humanos têm de alimentar o espírito e, trabalhando o idioma e adaptando tendências às possibilidades da terra, floresceu a Poesia, floresceram as Artes Plásticas, com a aclimatação do Barroco português, sendo que não o primeiro poeta, mas o primeiro grande poeta brasileiro, produziu sob o signo do Barroco: trata-se do baiano Gregório de Matos e Guerra, vivente no século XVII. O grande escritor, autor d’Os Semões, o Padre António Vieira, participou desse universo. Nesse mesmo século XVII, Portugal ainda sob o jugo espanhol, o Nordeste brasileiro foi invadido e dominado (em parte) pelos holandeses, interessados na produção do açúcar. Chegaram a ficar em Pernambuco e arredores por 24 anos, mas os lusos, saídos da dominação hispânica, conseguem retomar aquele pedaço de chão. Na América, a Tipografia entra, na primeira metade do século XVI, pela cidade do México. Bem, os portugueses nunca se interessaram em levar a Tipografia ao Brasil (isto tem duas explicações plausíveis: evitar concorrência para os tipógrafos da Metrópole e manter a colônia, dificultando a circulação de ideias, que teriam as suas facilidades, com a existência da Imprensa). Os holandeses, em seu tempo de Nordeste brasileiro, enviaram um ilustrado, Maurício de Nassau, durante um tempo, para administrar a área que dominavam e, muito embora o nobre tivesse levado para a Terra Brasilis cientistas e artistas, não conseguiu um tipógrafo que se dispusesse a ir trabalhar nos Trópicos. Houve, pelo menos, duas tentativas de implantar a Tipografia no Brasil-Colônia: foram ambas reprimidas. A Tipografia somente chegou ao Brasil com a transferência da Corte Portuguesa e sua instalação na então capital – desde a segunda metade do século XVIII – Rio de Janeiro, e devido às necessidades do momento e porque o material necessário para tal foi levado da Metrópole para a Colônia, que passou a abrigar a Família Real portuguesa e mais alguns milhares de pessoas. Por decreto de 13 de maio de 1808, o Príncipe Regente D. João (futuro D. João VI) cria no Rio de Janeiro, que passou a ser a sede do Império Português, a Impressão Régia. Interessante é que o primeiro periódico brasileiro, que existiu de 1808 a 1822, foi editado em Londres, por Hipólito da Costa, e chamou-se Correio Brasiliense – seu foco era o governo de D. João, que recebia duras críticas. O que nos interessa, de facto, aqui, é a questão da Tipografia que, com maior ou menor controle, foi-se expandindo pelo Brasil. Know-how se adquire e até com alguma rapidez, porém, tradição leva tempo. Para se ter tradição numa certa área e até poder modificá-la, de algum modo, é preciso tempo, muito tempo. Aqui, neste ponto, poderíamos evocar a Antropofagia de Oswald de Andrade (Manifesto Antropófago, 1928): Antropofagia Cultural: Absorver o que é do outro e que nos vai enriquecer culturalmente; importante é adquirir o know-how para, então, poder criar coisas originais – “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. “Tupy, or not tupy that’s the question.” Assim como, quatro anos antes, o mesmo Oswald de Andrade bradava no Manifesto da Poesia Pau Brasil: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.” – deplorando a pura imitação. O primeiro resultado do amadurecimento gráfico e tipográfico brasileiro veio na esteira da Semana de Arte Moderna de 1922: a revista Klaxon, com grandes novidades gráficas, em termos de Brasil, com aquela capa mais-que-interessante, com a letra “A” enorme, valendo por todos os “aa” do texto que lá comparece, capa que se repete em todos os números da revista e que nos remete à Torre Eiffel (provável ou certamente baseada em capa de livro de Blaise Cendrars) e que, já no nº 1, na quarta-capa, traz o primeiro anúncio publicitário verdadeiramente moderno do Brasil, o “coma Lacta”, tudo indicando a autoria do poeta Guilherme de Almeida, e que Mário da Silva Brito, grande historiador do Modernismo Brasileiro, considerou um “poema pré-concreto”. Daí, destaque para a bela capa que Tarsila do Amaral elaborou para o livro de poemas de Oswald de Andrade, com a Bandeira Nacional, em giro de 90˚, e com o dístico modificado para Pau Brasil (O. de Andrade. Pau Brasil. Paris: au Sans-Pareil, 1925) e que antecipa os anos 1950, no Brasil e, nos EUA, no âmbito da Arte Pop! O ápice de posse de know-how gráfico e tipográfico no Brasil, no entanto, é alcançado nos anos 1950, que é quando a arte de linha construtiva veio a ter vez e voz, e que houve contactos estreitos com esta arte, via exposições de artistas, bienais, discussões, aquisição de conhecimentos fora, como foi o caso dos que estiveram em Ulm, na Alemanha, a estudar com eminentes figuras, na Hochschule für Gestaltung, como foi o caso de Alexandre Wollner, grande designer visual – ele assim o prefere, ao invés de “designer gráfico” – ainda a trabalhar, nos seus 87 anos de idade. Ele foi autor dos cartazes da 3ª e 4ª Bienais de São Paulo – o autor do cartaz da 1ª, Antônio Maluf, não esteve ligado a grupos, mas foi, também, importante artista de linha construtiva. É importante que não se percam as velhas tecnologias, muito embora hoje se conte com imensas facilidades advindas do campo do Digital. Tipografias tradicionais, com todos os tipos de prelo, ainda existem e no mundo todo e penso que, aquele que entra em contacto com a Tipografia (veja-se a não-perda do exercício da manuscritura, por outro lado) e passa a compreender o processo, aquele que venha a operar uma máquina-de-escrever (dactilografia) etc, saberá muito melhor trabalhar com um processador de textos de última geração. Considere-se, aqui o que colocou Antonio Risério, em seu longo texto-manifesto: Ensaio sobre o texto poético em contexto digital que, com os computadores, apareceu um novo artesanato, dispondo de recursos-mil que as tais máquinas oferecem. Estamos frente aos “novos escribas”. A grande dificuldade que se tem de enfrentar, justamente com esses muitos recursos, é a de saber selecionar o pouco frente ao que exorbita – ter a ideia, a partir dos meios disponíveis. Tarefa para os artistas da Nova Era, para os poetas que experimentam e se expõem ao risco.

PS Tipomorfia: de cerca de 10 ou 12 anos para cá, tenho pensado na imprecisão do termo tipografia (como de tipologia, e aí as coisas pioram) para designar o desenho da letra. Tipografia refere-se primacialmente à técnica, ao processo que no Ocidente (Europa) veio à luz em meados do século XV, revolucionando a coisa do texto, sua reprodução e divulgação. Preferimos, então, deixar o termo tipografia – palavra totalmente de origem grega, para o processo, a técnica com os tipos móveis metálicos e/ou de madeira. E, para designar o desenho da letra, sua conformação, sua Gestalt, sem sair do grego, utilizaremos tipomorfia, tipomórfico, tipomorfeia (a degeneração da letra). Acreditamos na maior precisão da palavra evocando a sua etimologia. Porém, feita a proposta a pelo menos 2 especialistas, eles não gostaram do termo, talvez por estarem acostumados com Tipografia. Mas, fica aí a ideia, a proposta para que nós passemos a utilizar a palavra tipomorfia. Por exemplo: na fase dita ortodoxa da Poesia Concreta brasileira, também chamada fase heróica, o que predominou nos poemas, em termos de tipomorfia, foi o futura em negrito – tipo desenhado nos anos 1920 por Paul Renner – e caixa-baixa. Optou-se, também, em vários textos de prosa metalinguística, manifestos, pela utilização exclusiva da caixa-baixa, o que chegava a ser mais chocante nos textos em alemão ou inglês, onde há excesso de maiúsculas (caixa-alta) e menos no português, mas mesmo assim, chocante. Particularidades observáveis no período áureo da Arte Construtiva no Brasil, no âmbito da Poesia.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

13. Do 1º Modernismo: Portugal e Brasil.

A partir do Modernismo – e este é um fenômeno originalmente europeu, que se irradia principalmente da França para toda a Europa e chega às Américas – instalado primeiro em Portugal e, pouco depois, no Brasil, revistas foram editadas, abrindo praticamente o processo e/ou acontecendo durante. Não há propriamente ligação, de facto (significativa), entre os dois Modernismos, muito embora se registre a presença de um brasileiro em Orpheu 1 (Lisboa), como co-director e colaborador, e o nome BRAZIL (PORTUGAL E BRAZIL), em sua página de rosto. O mesmo brasileiro, Ronald de Carvalho, teve, também, alguma participação na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Orpheu, a primeira revista modernista de Portugal, de importância capital, cujo centenário se comemora neste ano de 2015, com exposições e edições e reedições, acontece sete anos antes da nossa, que foi Klaxon (mensário de Arte Moderna), editada em São Paulo, a partir de maio de 1922, e que durou 9 números (em 8 volumes, sendo o último, duplo: 8 e 9). Orpheu chegou apenas ao número 2, sendo que o terceiro ficou apenas nas provas tipográficas, e supõe-se que teria como ilustrações obras de Amadeo de Souza-Cardoso, figura exponencial do 1º Tempo Modernista português. E Portugal ainda contou com Portugal Futurista, fins de 1917, com maior arrojo gráfico, mas com persistências da gráfica tradicional, e que teve um destino desastroso, posto que apreendida. O Modernismo brasileiro foi informado fundamentalmente por 3 ismos: Expressionismo, Futurismo e Cubismo, sendo que este chegou, de facto, tardiamente ao Brasil, com Tarsila do Amaral (1886-1973), já nos anos 20, embora antes já se tivesse notícia de façanhas picassibraqueanas. Em Portugal, que também teve até mais a presença do Futurismo, o Cubismo chega bem antes, haurido diretamente em Paris, por Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) – que teve obras expostas em Nova Iorque, no Armory Show, em 1913 – ou no próprio território português, dada a presença de Robert e Sonia Delaunay (Cubismo Órfico/Simultaneísmo), durante a I Guerra Mundial e o contacto que com eles teve o pintor Eduardo Viana, além de outros, mais reencontros (veja-se a bela mostra que ora acontece no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: O Círculo Delaunay). Importante lembrar trabalho de Amadeo de Souza-Cardoso, que antecipa (sem influência direta, porém) algo do que será a Poesia Experimental Portuguesa: o conto de Gustave Flaubert La Légende de Saint Julien L’Hospitalier, caligrafado e ilustrado pelo artista, em Paris, no ano de 1912. (Uma coisa interessante a registrar sobre a pintora do pau-brasil e da antropofagia, Tarsila do Amaral, é que ela esteve na posse do mais importante quadro de Robert Delaunay, da série “Tour Eiffel”, pintado em 1911, e que hoje faz parte do acervo do Art Institute of Chicago, adquirido em Paris, pela artista, nos anos 1920 e que durante muito tempo – até 1951 – esteve em São Paulo e que aparece em fotos: tanto da época da abastança, na residência da Alameda Barão de Piracicaba, época em que estava casada com Oswald de Andrade, como em época de “vacas magras”, em apartamento da Rua Tabatinguera. E a própria Tarsila do Amaral, que também foi excelente cronista, narra, em texto de 1936, publicado no Diário de São Paulo, os contactos com Robert Delaunay. Tarsila do Amaral. “Delaunay e a Torre Eiffel”. In: Crônicas e outros escritos. Campinas, Ed. da Unicamp, 2008, p. 84-86.) Os extratextos (hors–textes) de Santa-Rita Pintor (1889-1918), que aparecem em Orpheu 2, e emprestam arrojo visual à revista, quatro ao todo, em preto-e-branco, mais que futuristas, assemelham-se a facturas de um Cubismo Sintético ou a algo Pré-Dadá, e são datados de Paris: 1912-13-14. Mas foi grande a força do Futurismo nesse Modernismo luso (embora por pouco tempo) que, sem pejo, abraça o ismo marinettiano, que aparece em atitudes, textos poéticos, manifestos (Santa-Rita Pintor, Almada-Negreiros…). No Brasil, apesar da flagrante presença da “escola” de Marinetti, já aparecem reações contra a pecha de “futurista”, mormente da parte de Mário de Andrade, que explicita isto no “Prefácio Interessantíssimo” ao seu Pauliceia desvairada (o mais importante livro de poesia do ano de 1922, no Brasil) e no editorial de Klaxon 1, que deve ter sido escrito por ele – o editorial pode ser tomado como um manifesto, pois, coloca-se contra uma situação observável nas artes do Brasil daquele momento e faz propostas; insiste no aspecto construtivo do Movimento – em oposição à destruição apregoada por Marinetti – assim como não nega o passado, apenas não o reproduz. Porém, faz o elogio dos progressos científicos e técnicos, colocando a Cinematografia, como “a” Arte do Momento. Diz: “Klaxon não é futurista, klaxon é klaxista”. No mais, o teor marinettiano do editorial é notório – depois do italiano, nascido em Alexandria, ninguém que fez manifesto livrou-se dele. Quando da passagem de Marinetti por São Paulo, uns o evitaram ou se viram em situação embaraçosa. Oswald de Andrade, o descobridor do Mário poeta, no ano de 1921, num artigo, entusiasmado pelos versos que lera do Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade, tinha chamado o autor de “o meu poeta futurista”, coisa que o desagradou, pois sentiu-se enquadrado em algo que não se julgava ser. O adjetivo “futurista”, no Brasil, durante muito tempo, foi sinônimo de arrojo formal, principalmente para os de repertório artístico médio. As revistas são propícias à aglutinação de pessoas com interesses comuns, mas costumam durar pouco. Tomando Lisboa como centro dos acontecimentos do processo modernista em Portugal (e parece que na Terra Lusitana não houve rivalidade entre cidades que produziam e/ou exportavam talentos, pois, em grande parte, as forças convergiam para a capital), notamos a presença mais forte da Poesia. No Brasil – que teve na cidade de São Paulo o seu centro de irradiação modernista – como já colocou Paulo Mendes de Almeida, as Artes Plásticas é que apontaram os caminhos primeiramente, e duas mulheres tiveram aí um papel preponderante: Anita Malfatti (1889-1964), praticamente a deflagradora do processo (veja-se Mário da Silva Brito: História do Modernismo Brasileiro: I Antecedentes da Semana de Arte Moderna) e Tarsila do Amaral (com importante atuação a partir do 2º semestre de 1922 – estando em Paris a completar tardiamente seus estudos de pintura, não participou da Semana de Arte Moderna. Seu grande salto qualitativo se deu em 1923. Teve aulas com mestres cubistas, com destaque para Fernand Léger e, na fase pau-brasil de sua pintura, fez uma leitura do País sob a óptica cubista, porém, sem arremedo). Embora Paris estivesse no centro das cogitações, tanto de portugueses como de brasileiros, houve quem tomasse outro rumo, como o fez Anita Malfatti, que estudou desenho e pintura na Alemanha (1910-14) e nos Estados Unidos da América (1915-16), antes, portanto, de sua histórica exposição de 1917, que provocou reações, com consequências desastrosas para a artista, mas marcou o início do processo modernista no Brasil. O lituano Lasar Segall expôs, no ano de 1913, em São Paulo e Campinas e estas mostras, que há quem as considere como as primeiras exposições de Arte Moderna no País, não tiveram qualquer repercussão na Arte brasileira, bem porque continuam na névoa, não se sabendo ao certo se uma parte mais radical de sua obra, à época, foi mostrada – é mais provável que não. A importância de Segall, na arte brasileira, acontecerá após a sua volta e fixação no Brasil, a partir de 1924. Anita Malfatti e Lasar Segall, laboravam dentro do repertório Expressionista. Em Portugal, há a singular e importante figura de José de Almada-Negreiros (1893-1970), pintor e poeta, autor de célebres manifestos e precursor da performance em Portugal (14 de abril de 1917, conferência no Teatro República, Lisboa), que já desponta em Orpheu e extravasa em Portugal futurista. Querendo saber se, como no Brasil, em Portugal tinha havido contato dos experimentais, com sobreviventes do 1º Modernismo, Almada-Negreiros, por exemplo, eu, perguntei a E. M. de Melo e Castro, em 26.10.2015, por e-mail: “Você conheceu pessoalmente o Almada-Negreiros? Acha que ele foi importante, de algum modo, para a Poesia Experimental portuguesa?”

Em e-mail de 27.10.2015, escreveu-me Melo e Castro:

“Não posso dizer que conheci o Almada pessoalmente, embora uma vez lhe tenha sido apresentado num café de Lisboa. Mas fui e sou um estudioso do seu trabalho principalmente do livro VER e do ALMADA E O NÚMERO organizado pelo Lima de Freitas. Tenho mesmo alguns textos críticos sobre a sua poesia e sobre o Quadrado Azul.  Mas são todos posteriores à PO-EX  e o Almada nada teve a ver com a Poesia Experimental, embora fosse por todos apreciado e respeitado como Futurista e amigo do Fernando Pessoa. Como pintor nunca nos interessou muito… Já nos primeiros anos do século XXI o filho dele, também chamado José de Almada-Negreiros, contatou-me para lhe dar uma opinião sobre a descoberta de 3 caligramas inéditos datados de 1920 de autoria de seu Pai. São uma pequena joia que eu estudei e então apresentei em público. Esses caligramas e o meu texto encontram-se no meu livro publicado no Rio pela Confraria do Vento  POÉTICA DO CIBORGUE. Mas são apenas documentos de uma arqueologia da poesia visual.” E mais:

“Relendo o meu e-mail de ontem acho que fui injusto para com o Almada  porque ele faz parte indiscutível da herança modernista e inventiva de todos nós e cada poeta experimental individualmente tinha uma relação cultural com ele!  Só que isso apenas indireta e subjectivamente terá uma influência no trabalho experimental dos anos 60. Não devo esquecer o quanto me fascinava o seu retrato de Fernando Pessoa que quando eu era jovem estava exposto na pastelaria Irmãos Unidos, no Rossio! E o enorme painel mural que está ainda na entrada do edifício da Gulbenkian, em Lisboa e que é um extraordinário poema visual!  Só que as suas bases herméticas e estéticas nada têm a ver com as bases da PO-EX! A Poesia Experimental deve muito mais a DADA do que ao Futurismo, mesmo na sua versão portuguesa. No entanto deve ser dito que o ORPHEU exerceu uma grande influencia sobre a PO-EX pois era considerado como o seu único antecedente histórico, principalmente com Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Ângelo do Lima.  Ninguém da PO-EX considerava a existência de um ‘segundo modernismo’ na poesia portuguesa (como alguns críticos chamam ainda hoje à poesia da revista “Presença” dos anos 30 e 40, que é apenas um regresso ao Eu e ao sentimentalismo!!!). […] Também não devemos esquecer que o Almada foi o primeiro performer português em 1917… Mas nesse tempo essa palavra não existia!”

Duas importantes personagem do 1º Modernismo português desaparecem prematuramente no mesmo ano de 1918: Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso. Pode-se dizer que, no 1º Tempo Modernista português, as correntes que mais o informaram foram Cubismo e Futurismo, considerando que, em verdade, houve uma confluência complexa de ismos, de par com contribuições propriamente lusas, principalmente no campo da Poesia.

Obs. Sobre o Modernismo em Portugal, algumas informações aqui veiculadas foram hauridas em: José-Augusto França. História da Arte em Portugal: Modernismo (século XX). Lisboa: Editorial Presença, 2004.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz