33. Toques.

Música e Poesia – registremos alguns nomes fundamentais Brasil/Portugal para posterior abordagem (de antes, durante e depois do 1º Experimentalismo em Poesia), os de fora e os de dentro: Anton Webern (1883-1945), paira como um deus, sobre todos os outros, Hans-Joachim Koellreutter, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, John Cage, Diogo Pacheco, Gilberto Mendes, Jorge Peixinho, Daniano Cozzella, Júlio Medaglia, Rogério Duprat, Willi Correa de Oliveira, Jorge Lima Barreto, Vítor Rua, Lívio Tragtenberg.

§

Pensemos: alguns poemas/versos de Sá de Miranda e Camões e Fernando Pessoa e Carlos Drummond e António Risério seriam, ou melhor pertenceriam ao universo de uma “poesia do significante”? Na teoria das Funções da Linguagem, de Roman Jakobson […], há a colocação da prevalência da Forma quando se configura a Função Poética, então, toda poesia, de fato seria “poesia do significante”, sempre entre aspas. Acontece que, à prevalência da Forma corresponde uma potencialização Semântica. Então, vejamos:

1.

[…]

Pois que trago a mim, comigo,

Tamanho imigo de mim?

Sá de Miranda

 

2.

[.…]

Leva-lhe o vento a voz que ao vento deita.

Camões

 

3.

[…]

Vestes de seda sonhada

Pela alameda alongada

Sob o azular do luar…

[…]

Fernando Pessoa

 

4.

[…]

Chuvadeira Maria, chuvadonha,

Chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha.

[…]

Drummond

 

5.

[…]

…ou então soa

Aquém e além da lenda que sou

Antonio Risério

§

Há um engano por parte daqueles que pensam ter a Poesia Concreta parado nos experimentos dos ano ‘50. E dos que acham que aquele tipo (revolucionário) de poema continuou no centro de cogitações e práticas dos poetas que operaram a partir de São Paulo: mesmo depois dos concretos “históricos”. Todo mundo, quando descobre o que se pode fazer com palavras, além de construir sequências eurrítmicas/eufônicas e de jogos trocadilhescos (paronomásticos), acha que pode criar um poema “concreto”… e pode, mesmo! Porém, não se registram poetas maduros ou jovens operando dessa maneira (o mundo da publicidade, grande diluidor e beneficiário das conquistas artísticas, sim, quando convém). Agora, como colocou Ezra Pound quando expôs os tipos de crítica: há um tipo de exercício crítico que consiste na visita de um estilo ou modo de época. Faça o seu poema “à maneira de”, com a consciência de que isto não passará de um exercício crítico para adentrar/melhor compreender aquele “modo”, assim como existe a crítica via tradução.

§

A antologia que organizei da Poesia Experimental portuguesa difere das demais, entre outras coisas, porque quis saber, dos próprios poetas, que poemas colocariam numa coletânea, considerando o todo de sua produção. Porém, nem sempre as sugestões foram acatadas em sua totalidade. E quando me referi a antologias, foram antologias coletivas, o que difere de antologia versando sobre toda a produção de um único autor – aí, a amostragem tem de ser representativa de todo o seu percurso.

§

Apesar de terminologia e conceitos da teoria linguística saussuriana já terem entrado na corrente sanguínea dos estudos das linguagens, pois o seu sistema (ou suposto sistema) já extrapolou as fronteiras do campo para o qual foi criado, migrando, dado o trabalho dos semiologistas, para outras áreas, acaba sendo algo bastante simplista se comparado ao legado do estadunidense Charles Sanders Peirce (1839-1914), criador de um sistema filosófico do qual é parte integrante a Semiótica (ou Lógica), que acaba por se definir como uma “teoria geral dos signos”. É que, de facto, o conceito peirceano de signo é o mais abrangente de quantos foram enunciados até hoje (em verdade, ele definiu inúmeras vezes Signo, com maior ou menor complexidade, em diferentes momentos, porém, sem contradições) e é aí que estivemos a nos basear quando falamos de signo ou complexo sígnico. “Signo ou representamem é tudo aquilo que, de algum modo ou em certa medida, representa alguma coisa para alguém. Cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou melhor desenvolvido, que é o interpretente do primeiro signo. Um signo representa alguma coisa: o seu objeto, coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os aspectos, mas segundo algo que chamo de o fundamento do representamem.” A partir daí podemos tirar as seguintes conclusões: O signo representa, substitui, está no lugar de; tudo pode vir a funcionar como um signo; o significado de um signo é sempre um outro signo, um outro, um outro, numa cadeia infinita; interpretante é parte integrante do signo e é mais do que comumente entendemos por significado (é tudo aquilo que o signo contém e que poderá vir a se mostrar no processo de leitura, a semiose. É o que dele se extrai, de facto, numa leitura. E possui uma verdade absoluta cujo lugar é o Futuro, sempre. Na leitura do signo, parte-se do emocional, ocupa-se da análise para se chegar a uma generalização); o que o signo representa é o seu objeto, o que está fora dele e o determina e esse objeto tanto pode ser algo existente como algo ficcional, imaginário; todo signo tem um fundamento, que poderá estar na semelhança com o objeto, numa conexão dinâmica, física, mesmo, ou numa convenção e isto dará, na classificação peirceana do signo, considerado com relação ao objeto: ícone, índice e símbolo. A leitura de um signo, obviamente estará condicionada ao repertório do leitor, do intérprete. A leitura possui limite: falta de tempo, estratégia didática, esgotamento repertorial do intérprete, pois, teoricamente, esgotar um signo em todas as suas possibilidades seria chegar ao Interpretante Final, à Verdade, mas o lugar do Interpretante Final é o Futuro. Não chegamos à Verdade absoluta, porém, podemos chegar a parcelas satisfatórias dessa Verdade, o que deixa o signo (ou complexo sígnico: uma sinfonia, um quadro, um filme, um poema, um romance, para ficarmos no âmbito da Arte) aberto para novas leituras, outras interpretações. Então, as obras de análise que consideramos definitivas, não o são de facto – é somente uma questão de tempo aparecerem outras leituras, revolucionárias ou mesmo complementares. Se alguém, frente a uma obra de arte diz: “Que maravilha!”, já deu início ao processo que é a semiose (ação do signo) e estará meramente no nível do emocional, que poderá se desdobrar numa análise até profunda (e é disto que a Academia gosta e exige de seus integrantes) e poder chegar à generalização ou conclusões “provisórias” e este é o ideal: do emocional (que nem sempre é explicitado pelo leitor com ouvintes, pois a Academia o abomina), passando pelo esforço da análise, até chegar as generalizações, ou seja ao Interpretante Dinâmico Lógico. Toda leitura de um signo ou complexo sígnico exige um certo repertório do leitor, assim como, para elaborar o complexo sígnico – artístico, que é o que aqui nos interessa – o artista mobilizou todo um repertório que, em grande parte ele controla, mas em que haverá chance de intromissão do Inconsciente (este, sempre coloca a sua cara!). Nem tudo numa obra, mesmo que altamente pensada, racionalmente elaborada (é claro: racionalidade sempre fazendo par antagônico com a sensibilidade), é do domínio do próprio criador, que poderá colocar ali coisas que não passaram necessariamente pelo crivo do racional. Há coisas que fazem parte do repertório do artista e que vazam, passam sem que ele chegue a perceber. Veja-se a Filosofia da Composição, de Edgar Allan Poe (1846) e a leitura que, em fins dos anos 1950 fez Roman Jakobson da última estrofe de O Corvo. São coisas que, após a leitura de Jakobson parecem tão óbvias, que chegamos a estranhar o facto de Poe não as ter colocado no seu escrito metalinguístico que trata justamente do referido poema. Mas, Jakobson sabia que tudo estava no autor, para que chegasse ao poema.

Com tudo isto, queremos dizer que o nosso pensamento está norteado por conceitos da Semiótica peirceana, porém, sem exercícios classificatórios. Charles Sanders Peirce, Décio Pignatari e Lúcia Santaella assistiram-me neste texto, que deveria ter precedido os demais, já publicados.

Omar Khouri . Lisboa . 2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

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