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16. Fanopeia na Poesia Lusa.

Foi uma praxe, pode-se dizer, quando se discorria genericamente sobre poesia e visualidade, pelo menos para os brasileiros paulistas puquianos (PUC-SP), falar-se em 3 tipos de ocorrência: 1. A da visualidade evocada pelas palavras, independentemente de sua escrita (ou mesmo num contexto ágrafo), o fenômeno da Fanopeia, como a colocava Ezra Pound: “a projeção de uma imagem na retina da mente”. 2. A da visualidade configurada pela escrita que, como a entendemos (a partir do surgimento das escritas fonéticas, silábicas e alfabéticas, que não foram as primeiras – estas primeiras foram figurativas, pictográficas) é a “contrapartida gráfica dos sons da fala”, ou seja, o texto (poético) escrito já ganha, necessariamente, a visualidade que o código lhe empresta – podem-se perceber aliterações, paronomásias, rimas, palíndromos num sistema de escrita (alfabético) no qual não se é iniciado, apenas por meio da observação das repetições gráficas (visuais), o mesmo valendo para o texto oralizado, com a necessária lentidão. Seria interessante que não nos esquecêssemos de que os símbolos alfabéticos fenícios, que desembocam no grego (símbolo, na Semiótica peirceana: signo que mantém com o seu objeto uma relação estabelecida por uma convenção) têm, na sua origem, pictogramas, ou seja, figurinhas (signos que mantêm com seu objeto uma relação de semelhança) como a do boi (Alef) e a da casa (Beth), por exemplo. Ana Hatherly, em belo, esclarecedor e didático texto: A reinvenção da leitura: breve ensaio crítico seguido de 19 textos visuais (Lisboa: Editorial Futura, 1975.), à página 5, escreve: “É preciso não esquecermos que a escrita alfabética é relativamente recente e que muito antes dela já se estabelecia a comunicação por imagens. Assim, se quisermos estudar a origem da poesia como escrita dum texto, nunca a poderemos dissociar do seu aspecto pictórico. Percorrendo a história mundial das imagens produzidas pelo homem, encontraremos quase sempre paralelamente escrita e imagem, sendo muitas vezes uma a outra.” Daí, muitas vezes,nas práticas poéticas experimentais notarem-se tentativas, com bastante êxito, de reversão: do símbolo ao ícone (ao hipo-ícone imagem, melhor dizendo). 3. A visualidade quando entra como um propósito do poeta, do fazedor, e é esta 3ª ocorrência que interessa à poesia intersemiótica, visual, concreta, experimental. Porém, o 1º tipo de ocorrência nos fascina, porque descreve uma situação, supõe-se ali um certo realismo (semioticamente falando, é realista o signo, ou complexo sígnico, que evoca um objeto passível de ser existente, e o signo sempre representa, substitui, está no lugar de e o “realismo” não é algo dado, é construído, elaborado), como comparece nas descrições do haiku japonês: “uma paisagem com reflexão, em três linhazinhas”. Esteve no centro das preocupações do Imagismo, tendência da poesia em língua inglesa, do começo do século XX, e que teve como figura exponencial o estadunidense Ezra Pound. (A Fanopeia difere da descrição estática de algo, como geralmente ocorre no tipo de composição descritiva que é a ékphrasis, esta seria como que um tipo de “tradução intersemiótica”, pois o poema fanopaico parte de algo real, dinâmico, e o capta, captura com as palavras.) Ezra Pound falou em 3 tipos de poesia (Ezra Pound. ABC da literatura. Trad. De Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 63…): Melopeia – aquela em que predominam elementos musicais, Fanopeia – a que evoca imagens visuais, e a Logopeia – que ele descreve como “a dança do intelecto entre as palavras”. Geralmente, nos poemas, essas três modalidades vêm mescladas, mas com predomínio de uma ou outra. Um exemplo de poema onde a Fanopeia se configura fortemente é do próprio Pound e apontado como uma obra-prima do Imagismo:

In a station of the metro

The apparition of these faces in the crowd;

Petals on a wet, black bough.

É de 1913 a sua primeira publicação. Vejamo-lo em tradução-recriação, para o português, de Lara Werner em que, além da manutenção da eurritmia presente no original, a tradutora-poeta recupera a rima toante:

Em uma estação de metrô

O surgir dessas faces em bando;

Pétalas em úmido, negro ramo.

 

Da rica tradição poética lusa, selecionei alguns exemplos de ocorrência fanopaica, de diferentes autores e épocas, porém, poderíamos encontrar muitos outros exemplos, igualmente ótimos:

Luís Vaz de Camões (1524-1580)

Esta primeira quadra de um magnífico soneto descreve a beleza de uma mulher e diz-lhe a cor dos olhos: qual seria?

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só com vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

[…]

Alguém conseguiria descrever (pelo que há e pelo que não há) um lugar, melhor do que isto (início de uma canção de Camões):

Junto de um seco, fero e estéril monte,

inútil e despido, calvo, informe,

da natureza em tudo aborrecido;

onde nem ave voa, ou fera dorme,

nem rio claro corre, ou ferve fonte,

nem verde ramo faz doce ruído;

cujo nome, do vulgo introduzido,

é Félix, por antífrase infelice;

o qual a Natureza

situou junto à parte

onde um braço de mar alto reparte

Abássia da arábica aspereza;

[…]

Olhos camonianos que comparecem em todos os oitos verso do poema (como destacou magnificamente em trabalho Luiz Antônio de Figueiredo):

Sem olhos vi o mal claro

Que dos olhos se seguiu,

Pois cara sem olhos viu

Olhos que lhe custam caro.

De olhos não faço menção;

Pois quereis que olhos não sejam:

Vendo-vos, olhos sobejam;

Não vos vendo, olhos não são.

 

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

Cometimento fanopaico, mesmo sendo caricatural e jogando com hipóteses (poema, que, nos anos 1960, no Brasil, inspirou uma obra-prima de Juca Chaves – lá, um autorretrato – Nasal sensual):

Nariz, nariz, e nariz,
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!

 

José Joaquim Cesário Verde (1855-1886)

De um poema, que já é uma obra-prima: Contrariedades, um verso que extrapola. É de uma brancura espantosa, este 1º verso, sendo que a referência é a uma pobre mulher a engomar roupas para fora, que ele observa e descreve:

[…]

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas…

[…]

 

Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935)

Poema de Abertura de um dos mais belos livros de poemas do século XX: Mensagem (publicado em 1934). O poeta, aí, pinta o mapa da Europa e, mesmo sabendo do emaranhado de confluências semânticas que o poema comporta, o que fica é a excelência da factura pessoana:

O DOS CASTELOS

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália, onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar sfingico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.


O rosto com que fita é Portugal.

Em Plenilúnio (publicado em Portugal Futurista, 1917), Pessoa ele-mesmo, faz configurarem-se as três águas: Melopeia, Fanopeia e Logopeia, mas predominam as duas primeiras, sendo que a segunda, de modo notório e notável:

PLENILÚNIO

As horas pela alameda

Arrastam vestes de seda,

 

Vestes de seda sonhada

Pela alameda alongada

 

Sob o azular do luar…

E ouve-se no ar a expirar –

 

A expirar mas nunca expira

Uma flauta que delira,

 

Que é mais a ideia de ouvi-la

Que ouvi-la quase tranquila

 

Pelo ar a ondear e a ir…

 

Silêncio a tremeluzir…

 

Há, também, exemplos notáveis de Fanopeia na poesia brasileira e poderíamos destacar poemas de Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida, só para ficarmos com os modernistas do primeiro momento, da geração do luso Fernando Pessoa.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

 

 

 

 

 

 

 

 

15. Revistas de Invenção/Revistas Experimentais: Portugal, anos ‘60.

Examinando os fatos, hoje, com o distanciamento no tempo, e verificando a presença da Poesia Concreta brasileira – Noigandres, entenda-se – percebe-se que, apesar de reações contrárias e até mesmo ferozes, vindas de direções várias, e das inimizades duradouras que vieram a acontecer, teve voz e vez nas mídias impressas: revistas, livros, jornais, muito embora a poesia, propriamente, para ser editada comercialmente, teve de esperar até meados dos ‘70. Dificuldades para os poetas não faltaram, tanto cá como lá: d’Aquém e d’Além-Mar. Os concretistas de São Paulo, constituindo-se em grupo, fortaleciam-se frente às críticas, rebatendo-as, argumentando e, com recursos próprios, embora poucos, ou contando com alguém mais abonado do grupo (ou algum aficionado de fora, como foi o caso de Erthos Albino de Souza, desde os anos 1960), ou os que se foram a ele juntando, as publicações, de facto, aconteciam: Noigandres (5 números: 1952-62), cerca de 1 ano a página semanal “Invenção”, no Correio Paulistano, (de janeiro de 1960 a fevereiro de 1961), Invenção: revista de arte de vanguarda (5 números: 1962-1966-67), e toda a guarida dada por Mário Faustino, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Faustino era um poeta que operava com versos, bons versos, mas tradicionais, porém, mente aberta, admirador de Ezra Pound, valorizava o trabalho das vanguardas e assumia isto em seus textos críticos, sendo, também, tradutor e, no referido Suplemento, escrevia a seção “Poesia-Experiência” – faleceu precocemente, no ano de 1962, em acidente aéreo. Ocasionalmente, brechas em órgãos da Grande Imprensa. Tudo indica que os brasileiros tiveram mais oportunidades de veiculação de suas ideias e, mesmo, realizações poéticas, que os portugueses, na fase de lançamento e afirmação da poesia que estavam a praticar, pelo menos. Porém, tanto no Brasil, como em Portugal, houve dificuldades para a publicação, principalmente da Poesia, que a metalinguagem desenvolvida, tanto por brasileiros como por portugueses, e as traduções-recriações, do lado brasileiro, chegaram a contar com editoras, dos respectivos sistemas editoriais. No Brasil, como vimos, revistas de invenção concretistas chegaram ao nº 5. No caso dos poetas experimentais históricos de Portugal, tanto Poesia Experimental, como Hidra e Operação pararam no nº 2. (Interessante é que, no 1º Modernismo português, sua 1ª revista, Orpheu, 1915, teve somente dois números.) Talvez que o facto de não se terem constituído em grupo tenha pesado sobre os acontecimentos. Mas foi enorme a importância dessas publicações que, no momento, pedem edições fac-similares. Tenho mencionado as revistas brasileiras, mais página especial de jornal neste espaço, assim como tenho-me dedicado ao seu estudo há bastante tempo e até elaborado e publicado ensaio crítico: NOIGANDRES E INVENÇÃO: revistas porta-vozes da Poesia Concreta. In: Revista FACOM-FAAP 16. São Paulo, FAAP, 2006 (em PDF, no Google). Há que se considerar, também, que a fase heroica da Poesia Concreta brasileira desenvolveu-se em época de plena euforia democrática, 2ª metade dos anos 1950 e prolongou-se até parte dos ’60, pois, a partir de 64, o Brasil se encaminha para uma ditadura, que recrudesceu a partir de dezembro de 1968 – já havia saído o 5º e último número de Invenção. Diversamente, a fase heroica, de luta da Poesia Experimental portuguesa se desenvolveu em época ainda de ditadura, anos 1960, constituindo-se numa espécie de foco de resistência com relação ao Regime. O fim da ditadura, em Portugal, com o 25 de abril de 1974, apanhou o experimentalismo português em pleno desenvolvimento e vai ver o surgimento de uma segunda geração de experimentadores. Portanto, as históricas, célebres “revistas” do experimentalismo português, vêm à luz em época de autoritarismo, ou mesmo apesar do, e como que anunciam uma nova era para Portugal. A experimentação portuguesa, em termos de revistas, já começou com formatos inusitados, assim como indiciou o internacionalismo que iria reinar nesses espaços/veículos gráficos.

[Antecedentes das revistas experimentais, as próprias e depois, incluindo livros e outros tipos de publicação: ver texto de Melo e Castro “As revistas de poesia das décadas de 50 e 60”. In: Literatura portuguesa de invenção. São Paulo: DIFEL, 1984, p. 78-94. Ana Hatherly. “Poesia Concreta”. In: Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social (anos 1960-1980). Lisboa: Quimera, 2009, p. 22-27 – fala (texto) em um roteiro de programa na RTP 2 Lisboa, em 12.11.1978.]

Vamos, então, à abordagem, mais técnica que crítica de apresentação das revistas, o que interessará principalmente a brasileiros aficionados da experimentação nas Artes em geral e particularmente na Poesia.

.Poesia Experimental 1. Lisboa: António Aragão (Cadernos de hoje), 1964. Formato da capa-invólucro: 14,9 X 29,2 X 1 cm (pode haver diferença milimétrica entre um exemplar e outro dadas contração e expansão dos materiais, com o passar do tempo). São 90 páginas (pranchas – papel de baixa gramatura – com 2 dobras, o que resulta em 3 segmentos de folha com 6 páginas, de 14,7 X 27,2 cm). Organização António Aragão e Herberto Helder. Capa de Ilídio Ribeiro. Capa que vale por um cartaz, arrojada – pasta em cartão, que abraça pranchas dobradas e soltas: papel cinza com impressão vinho e preto – POESIA EXPERIMENTAL 1 – tudo em caixa-alta. Nos textos, há o predomínio do tipo futura claro, mas também aparece o negrito e tipo serifado. Páginas de 1 a 6: dados, citações-palavras de ordem (frases-aforismos sobre poesia, com seus respectivos autores,: Maiakóvski, Reverdy, Garnier e outros). Texto de abertura: uma parábola, um manifesto pela arte experimental – fala em metamorfose, experimentação, evolução de formas, a quantas veio a publicação. Não se filia a nenhum movimento – é simplesmente experimental. Ass. H. H. (Herberto Helder). Colaboradores: António Aragão, António Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder, Salette Tavares + antologia da tradição experimental.

“POESIA EXPERIMENTAL 1º caderno antológico organizado por antónio aragão e herberto helder… abril de mil novecentos e sessenta e quatro.”

“no próximo mês de outubro efectuar-se-á na ‘galeria divulgação’ em Lisboa uma exposição de VISOPOEMAS seguir-se-á uma outra sob o título de AUDIO-POEMAS e ainda um POEMA FÍLMICO.”

Ana Hatherly, em depoimento de 1977, coloca-se enquanto criadora e lamenta a sua não-participação em Poesia Experimental 1: “Em Portugal as coisas seguiam um caminho que a mim não me interessava particularmente, embora eu nessa altura estivesse a fazer um trabalho ainda bastante dentro das linhas tradicionais, mas era uma espécie de ganhar músculos para caminhadas mais longas, e finalmente quando o 1º número de Poesia Experimental estava em projecto, eu cheguei mesmo a mandar colaboração. Essa colaboração não foi incluída, por razões que não interessa agora aqui mencionar; eu não participei no 1º número por esse motivo. Participei no 2º e então já devia ter formado a minha “musculatura’ porque foi ela que me permitiu a caminhada até agora…” (A. Hatherly e Melo e Castro org. PO.EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981, p. 19.)

.Poesia Experimental 2. Lisboa: António Aragão (Cadernos de Hoje), 1966. Organização: António Aragão, E. M. de Melo e Castro e Herberto Helder. Capa de Ilídio Ribeiro: uma interessante composição de linha construtiva, sendo seu formado maior do que o das pranchas que contém, e possui furos, por onde deveria passar algo (metal ou fita de tecido) que viesse a amarrar, segurar o material constante. Formato: 19 X 29,5 X 0,9 cm. Capa-invólucro: cartão vermelho (verso pardo), com impressão em preto e prata – o texto, com arranjo gráfico perturbador POESIA EXPERIMENTAL (XPRMNTL: sem as vogais, que se tornam desnecessárias) DOIS, criando ambiguidade com a marca BOLS (logo do qual se apropria e re-cria) e, no que seria a quarta-capa, texto de Lewis Carroll, em prata sobre o vermelho. Além dos colaboradores-poetas, traz, em separata, texto metalinguístico e exemplificação (notações) do músico Jorge Peixinho – “Música e notação”, único texto teórico da revista. Esse segundo e último número de Poesia Experimental já dá o grande salto internacionalista dessa nova poesia portuguesa, colocando-a, não apenas num confronto internacional, mas situando essa produção poética no contexto do Mundo. São colaboradores: Luiza Neto Jorge, Herberto Helder, José Alberto Marques, E. M. de Melo e Castro, António Barahona da Fonseca, António Aragão, Álvaro Neto, Ana Hatherly, Salette Tavares, Jorge Peixinho (Portugal). Pedro Xisto, Haroldo de Campos, Edgard Braga (Brasil). Mike Weaver, Ian Hamilton Finlay (Grã-Bretanha). Henri Chopin, Pierre Garnier (França). Mario Diacono, Emilio Villa (Itália). A revista é composta de Capa + cartão de rosto (14,5 X 27 cm – frente: nome e dados, verso índice de autores) + 13 pranchas + caderno-separata. Observa-se grande variação tipomórfica.

“o 2º caderno antológico organizado por antónio aragão, e. m. de melo e castro e herberto helder com separata MÚSICA E NOTAÇÃO de jorge peixinho. capa de ilídio ribeiro com texto de lewis carroll na contracapa.”

“edições do autor – travessa da Fala – só – 15 – 2º esq. – b, Lisboa. maio de mil novecentos e sessenta e seis. composto e impresso nas oficinas gráficas da escola de artes e ofícios – funchal.”

.O Suplemento Especial do Jornal do Fundão: POESIA EXPERIMENTAL, em 24.01.1965, saiu entre Poesia Experimental 1 e a de nº 2, e teve um importante papel na difusão da Poesia Experimental portuguesa. Consultei-o no sítio PO.EX – reprodução fac-similar e transcrições, mas estive com o original em mãos, na Livraria Ecléctica, pela generosidade de seu proprietário, o Sr. Alfredo Gonçalves. O Jornal do Fundão, editado na localidade do mesmo nome era, em verdade, um semanário. A organização do referido Suplemento esteve a cargo de António Aragão e E. M. de Melo e Castro. Em formato de jornal, são quatro páginas com textos teóricos e poemas. Colaboraram: E. M. de Melo e Castro, António Ramos Rosa, Álvaro Neto, Maria Alberta Meneres, Luís Veiga Leitão, António Barahona da Fonseca, José Alberto Marques, Herberto Helder, Salette Tavares, António Aragão e José Blanc de Portugal. A presença de poemas com espacialização especial levou a uma diagramação diferenciada, porém, em termos gráficos, o mais impressionante é a disposição do texto crítico de José Blanc de Portugal: Notas sobre a moderna poesia experimental portuguesa – fragmentos, que se dispõe transversalmente, em duas colunas ocupando o centro das duas páginas centrais do Suplemento, o que seriam as de números 2 e 3 – é texto de alguém que se simpatiza com a experimentação, texto culto, mas que pouco diz da poesia ali veiculada. Apenas quatro páginas de um suplemento de semanário, mas que valeram por uma revista!

“O JORNAL DO FUNDÃO sempre foi feito e publicado no Fundão que é uma pequena cidade da Beira Interior, a 20 km da Covilhã (que é a minha terra). Foi um foco de resistência no tempo do Salazar/Marcelo Caetano. O proprietário e diretor era António PAULOURO, muito meu amigo e um grande jornalista. O jornal/semanário tratava de assuntos locais, principalmente da classe operária e rural e teve intervenção notável no desenvolvimento social e económico regional. Morreu já há alguns anos, mas o jornal continua com um sobrinho dele. O Suplemento Especial da Poesia Experimental teve larga difusão porque ele enviava gratuitamente o jornal para todos os núcleos de emigrantes portugueses nos países europeus, no Canadá e USA.” (e-mail de 11.11.2015)

.Operação 1. Lisboa: Edição dos Autores, 1967. Tiragem: 150 exemplares (se tanto). Formato: 35,6 X 50,6 X 1,2 cm. Caixa-pasta em papel-cartão e gravura (decalque/baixo-relevo) em material aderido ao cartão, material semelhante a lacre, a partir de matriz tipográfica de jornal. Não há duas capas iguais, ou seja, cada capa vem a ser objeto-único (pude examinar 2 exemplares na Livraria Ecléctica). As capas são do artista plástico João Vieira. Segunda-capa, à esquerda o nome O P E R A Ç Ã O 1 e os créditos + dados da edição. Colaboradores: António Aragão: 2 cartazes. Ana Hatherly: Alfabeto estrutural. E. M. de Melo e Castro: Sintagramas. José Alberto Marques: Homeóstato. Pedro Xisto: 4 Epithalamia. Capas de João Vieira. Organização de E. M.de Melo e Castro. Ed. dos Autores. Lisboa 1967. Composição e impressão Tipografia do Jornal do Fundão. O que funciona como página de rosto repete o logo da revista e apresenta os poetas participantes, brevemente, em seus trabalhos, em três línguas: francês, português e inglês. As páginas são, em verdade, folhas soltas, cartazes, em formato 34,6 X 49,9 cm, em papel monolúcido (face acetinada e verso áspero). Essa revista vem a ser, de facto, uma exposição portátil. A cor aparece nos trabalhos de António Aragão (preto e vermelho).

.Operação 2: estruturas poéticas. Fundão: Ed. de Autor, 1967. 54 páginas. Formato: 25 X ?? (ainda não tive acesso à edição original). “O número 2 e último desta série de publicações foi totalmente preenchido com o livro “Estruturas Poéticas” de Ana Hatherly de que aqui se reproduz o projecto/programa, que se reveste de particular interesse teórico, pois se trata de um dos primeiros exemplos de Poesia Conceptual.” (Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro org. PO.EX… obra supra citada, p. 75.)

.Hidra 1. Porto: Ecma, MCMLXVI. 24,6 X 34,5 cm, 72 páginas + encarte. Organização de E. M. de Melo e Castro. Paginação e arranjo gráfico de Eduardo Calvet de Magalhães e de E. M. de Melo e Castro. Este primeiro número de Hidra, em formato livro, geralmente não conta com a consideração dos protagonistas da vanguarda portuguesa, dado o fato de a maior parte do material constante na revista não poder ser classificado como “experimental”, apesar de trazer reeditado, como encarte, Mapa do Deserto, poema de 1962, de Melo e Castro. Nas colaborações (são 20 colaboradores): desenhos, poemas, ensaios. A capa é de autoria de João Vieira e se constitui num exercício caligráfico, pincel e tinta da china em que, a palavra “hidra” é grafada várias vezes, configurando-se quase que um texto ideogrâmico. Na quarta-capa, anúncio da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), o que aparecerá, também, em Hidra 2. Declarou a mim, Melo e Castro, em e-mail de 17.11.2015 que apenas Hidra I teve o patrocínio da TAP e que o 2 foi todo feito artesanalmente por ele. Em PO-EX… op. cit., à página 89: “Nota: HIDRA-I, de 1966, não tinha características marcadamente experimentais, além da inclusão do vasto poema visual “MAPA DO DESERTO” de Melo e Castro.” Porém, entre os colaboradores estavam: António Aragão, Luísa Neto Jorge, Salette Tavares, entre outros.

.Hidra 2. Lisboa, 1969. Distribuição Livraria Quadrante Lisboa Portugal. Espécie de pasta que abriga folhas soltas, papel branco e poroso, de baixa gramatura: os poemas – cartazetes, sendo que parte pode ser considerada de poemas-objeto, executados artesanalmente, com a agregação de materiais/colagem. Formato: 25 X 35,1 cm. A capa traz trabalho de linha construtiva de Melo e Castro, que assina maqueta e arranjo gráfico. Organização: E. M. de Melo e Castro. Colaboradores: Nei Leandro de Castro, um brasileiro potiguar, ligado, à época, ao movimento do Poema-Processo: Decomposição do NU. Liberto Cruz: Exercícios de fonética. José Alberto Marques: Texto matérico. António Aragão: Faça o seu avião. Silvestre Pestana: Atómico acto. E.M. de Melo e Castro: Sintagrama 67. A publicação é bastante arrojada, fazendo até lembrar aqueles álbuns coletivos com trabalhos executados artesanalmente e semi-artesanalmente por artistas. Hoje, nós diríamos: livro-de-artista. Uma das mais belas publicações da “fase de luta” da Poesia Experimental portuguesa. O exemplar por mim consultado, por gentileza do Sr. Alfredo Gonçalves, da Livraria Ecléctica, estava incompleto, falha que sanei, consultando o sítio da Po.Ex (CD-ROM) e o já citado volume organizado por Ana Hatherly e Melo e Castro que, à p. 89, traz a seguinte nota: “A novidade desta publicação (que também não passou do nº 2) é que incluía objetos reais propondo-os como ‘poemas-objecto’, tais como: carteiras de fósforos, balões de borracha, folhas de exercícios escolares em stencil, posters desdobráveis e dobráveis, etc.”

Examinar as edições originais dessas revistas (ou os fac-símiles, quando os houver) será importante e surpreendente.

Tendo colocado a Melo e Castro algumas questões referentes às “revistas” da Poesia Experimental, em e-mail de 01.09.2015, escreveu-me ele:

“Caro Omar Khouri

“Sobre a chamada Revista de Poesia Experimental nº 1 publicada em 1964,  foi de iniciativa do António Aragão e do Herberto Helder, que convidaram os outros colaboradores, entre os quais eu. A capa foi feita pelo Ilídio Ribeiro que tinha um sério gosto por artes gráficas e muito dinheiro, pois era filho de um dos maiores  construtores civis dessa época em Portugal. O miolo foi impresso numa máquina de offset (então uma novidade) da Associação dos Alunos do Instituto Superior Técnico em Lisboa.

“O nº 2 teve um nascimento mais atribulado. O Aragão e o Ilídio financiaram.  Dado o escândalo do nº 1 e da repercussão internacional do Suplemento do Jornal do Fundão dedicado à Poesia Experimental e publicado em 1965, organizado por mim e pelo António Aragão, eu encarreguei-me de organizar uma representação de colaboradores internacionais. Mas o Helder não gostou da ideia… A capa foi também do Ilídio Ribeiro – usou um motivo da propaganda da Bols (creio que uma bebida alcoólica!) […]. Parte do miolo foi impresso no Funchal (Ilha da Madeira) e outra parte na tipografia do Jornal do Fundão.

“Logo a seguir ao lançamento do nº 2 em 1966, o Herberto Helder publicou nos jornais uma nota em que se distanciava da Poesia Experimental porque os seus colaboradores ‘eram todos medíocres’. Eu tive uma nota de resposta escrita, em que perguntava ‘quem era esse Herberto Helder, pois eu não o conhecia…’   mas desisti de publicá-la, preferindo ignorar o assunto.  Foi assim que não houve mais números, mas eu publiquei por minha exclusiva iniciativa a HIDRA e a OPERAÇÃO, embora com pequeníssimas tiragens, demonstrando que a ideia Experimental tinha pés para andar… o que realmente aconteceu, tanto com as nossas obras individuais como com o reconhecimento desse nº 2, como um marco decisivo da poesia portuguesa. Em breve, uma nova geração de poetas experimentais surgiu, afirmando-se com a publicação da antologia POEMOGRAFIAS, em 1985, organizada por Fernando Aguiar e Silvestre Pestana. Mas já em 1980 se tinha realizado a exposição PO-EX 80, na Galeria de Arte Moderna em Lisboa, que revelou a um público mais amplo e novo, a razão de uma POESIA EXPERIMENTAL.” […]

Essas importantes publicações, colocadas com inteligência pelo sítio Po.Ex, mais do que merecem, exigem edições fac-similares.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

14. Tipografia: algumas considerações.

Interessante discorrer, embora brevemente, sobre a Tipografia, que provocou uma verdadeira revolução no que diz respeito à reprodução e divulgação de textos: livros etc e que é considerada a maior invenção técnica do Renascimento, e que nasceu no que viria ser a Alemanha e que teve a sua emergência ligada a Johann Gutenberg (1398?-1468). Tudo aquilo que nasce como técnica, quando revela sua peculiar linguagem, termina por produzir Arte e a tipografia teve enorme influência nas artes da escritura, assim como, sem que bem percebamos muito, o computador está tendo, de um tempo para cá. Há pesquisas que atestam a existência, no Extremo-Oriente, de tipos metálicos móveis, mas foi justamente no Ocidente que a Tipografia de facto aconteceu e revolucionou. Em boa parte, para esta explanação, estou a utilizar o livro de Carlos Rizzini: O Jornalismo antes da Tipografia. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1968, o qual trata da era pré-Gutenberg, mas chega à “letra de forma” e ao Brasil e à implantação tardia da Tipografia em solo brasileiro (página 164 e seguintes). A Tipografia nasce em meados do século XV (e exigiu como condições prévias: prensa, papel e tinta – técnicas de decalque já existiam há milênios e a gravura era uma realidade) e rapidamente se alastra pela Europa, chegando a Portugal, ainda no referido século, época em que o Estado Português se expandia para áreas do Além-Mar, constituindo-se na vanguarda da Expansão Marítima europeia. Nessa faina, cujo principal objetivo era descobrir um caminho marítimo para as Índias, fato consumado pela viagem de Vasco da Gama (1497-8), entra o acidente Brasil, a Terra de Santa Cruz (prevalece a leitura de propósito, em contraposição à de acaso, para o achamento do Brasil por Cabral, em 1500). A colonização do Brasil foi uma tarefa a que se impôs Portugal, sob pena de perder a Terra e esteve na iminência de perdê-la, em muitas ocasiões, mas não apenas a recuperava como conseguia dilatar o território e lançou as bases, sedimentadas pelos Braganças, para que se mantivesse uno o território, aquele que chegou a ser 3 colônias de Portugal. Mas o que nos interessa, de facto, aqui, é como se desenvolveu a Cultura na Terra de Pindorama. Muito embora não houvesse interesse em desenvolver Letras e Artes no Brasil, estas brotaram, mesmo que à revelia, por uma necessidade que os humanos têm de alimentar o espírito e, trabalhando o idioma e adaptando tendências às possibilidades da terra, floresceu a Poesia, floresceram as Artes Plásticas, com a aclimatação do Barroco português, sendo que não o primeiro poeta, mas o primeiro grande poeta brasileiro, produziu sob o signo do Barroco: trata-se do baiano Gregório de Matos e Guerra, vivente no século XVII. O grande escritor, autor d’Os Semões, o Padre António Vieira, participou desse universo. Nesse mesmo século XVII, Portugal ainda sob o jugo espanhol, o Nordeste brasileiro foi invadido e dominado (em parte) pelos holandeses, interessados na produção do açúcar. Chegaram a ficar em Pernambuco e arredores por 24 anos, mas os lusos, saídos da dominação hispânica, conseguem retomar aquele pedaço de chão. Na América, a Tipografia entra, na primeira metade do século XVI, pela cidade do México. Bem, os portugueses nunca se interessaram em levar a Tipografia ao Brasil (isto tem duas explicações plausíveis: evitar concorrência para os tipógrafos da Metrópole e manter a colônia, dificultando a circulação de ideias, que teriam as suas facilidades, com a existência da Imprensa). Os holandeses, em seu tempo de Nordeste brasileiro, enviaram um ilustrado, Maurício de Nassau, durante um tempo, para administrar a área que dominavam e, muito embora o nobre tivesse levado para a Terra Brasilis cientistas e artistas, não conseguiu um tipógrafo que se dispusesse a ir trabalhar nos Trópicos. Houve, pelo menos, duas tentativas de implantar a Tipografia no Brasil-Colônia: foram ambas reprimidas. A Tipografia somente chegou ao Brasil com a transferência da Corte Portuguesa e sua instalação na então capital – desde a segunda metade do século XVIII – Rio de Janeiro, e devido às necessidades do momento e porque o material necessário para tal foi levado da Metrópole para a Colônia, que passou a abrigar a Família Real portuguesa e mais alguns milhares de pessoas. Por decreto de 13 de maio de 1808, o Príncipe Regente D. João (futuro D. João VI) cria no Rio de Janeiro, que passou a ser a sede do Império Português, a Impressão Régia. Interessante é que o primeiro periódico brasileiro, que existiu de 1808 a 1822, foi editado em Londres, por Hipólito da Costa, e chamou-se Correio Brasiliense – seu foco era o governo de D. João, que recebia duras críticas. O que nos interessa, de facto, aqui, é a questão da Tipografia que, com maior ou menor controle, foi-se expandindo pelo Brasil. Know-how se adquire e até com alguma rapidez, porém, tradição leva tempo. Para se ter tradição numa certa área e até poder modificá-la, de algum modo, é preciso tempo, muito tempo. Aqui, neste ponto, poderíamos evocar a Antropofagia de Oswald de Andrade (Manifesto Antropófago, 1928): Antropofagia Cultural: Absorver o que é do outro e que nos vai enriquecer culturalmente; importante é adquirir o know-how para, então, poder criar coisas originais – “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. “Tupy, or not tupy that’s the question.” Assim como, quatro anos antes, o mesmo Oswald de Andrade bradava no Manifesto da Poesia Pau Brasil: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.” – deplorando a pura imitação. O primeiro resultado do amadurecimento gráfico e tipográfico brasileiro veio na esteira da Semana de Arte Moderna de 1922: a revista Klaxon, com grandes novidades gráficas, em termos de Brasil, com aquela capa mais-que-interessante, com a letra “A” enorme, valendo por todos os “aa” do texto que lá comparece, capa que se repete em todos os números da revista e que nos remete à Torre Eiffel (provável ou certamente baseada em capa de livro de Blaise Cendrars) e que, já no nº 1, na quarta-capa, traz o primeiro anúncio publicitário verdadeiramente moderno do Brasil, o “coma Lacta”, tudo indicando a autoria do poeta Guilherme de Almeida, e que Mário da Silva Brito, grande historiador do Modernismo Brasileiro, considerou um “poema pré-concreto”. Daí, destaque para a bela capa que Tarsila do Amaral elaborou para o livro de poemas de Oswald de Andrade, com a Bandeira Nacional, em giro de 90˚, e com o dístico modificado para Pau Brasil (O. de Andrade. Pau Brasil. Paris: au Sans-Pareil, 1925) e que antecipa os anos 1950, no Brasil e, nos EUA, no âmbito da Arte Pop! O ápice de posse de know-how gráfico e tipográfico no Brasil, no entanto, é alcançado nos anos 1950, que é quando a arte de linha construtiva veio a ter vez e voz, e que houve contactos estreitos com esta arte, via exposições de artistas, bienais, discussões, aquisição de conhecimentos fora, como foi o caso dos que estiveram em Ulm, na Alemanha, a estudar com eminentes figuras, na Hochschule für Gestaltung, como foi o caso de Alexandre Wollner, grande designer visual – ele assim o prefere, ao invés de “designer gráfico” – ainda a trabalhar, nos seus 87 anos de idade. Ele foi autor dos cartazes da 3ª e 4ª Bienais de São Paulo – o autor do cartaz da 1ª, Antônio Maluf, não esteve ligado a grupos, mas foi, também, importante artista de linha construtiva. É importante que não se percam as velhas tecnologias, muito embora hoje se conte com imensas facilidades advindas do campo do Digital. Tipografias tradicionais, com todos os tipos de prelo, ainda existem e no mundo todo e penso que, aquele que entra em contacto com a Tipografia (veja-se a não-perda do exercício da manuscritura, por outro lado) e passa a compreender o processo, aquele que venha a operar uma máquina-de-escrever (dactilografia) etc, saberá muito melhor trabalhar com um processador de textos de última geração. Considere-se, aqui o que colocou Antonio Risério, em seu longo texto-manifesto: Ensaio sobre o texto poético em contexto digital que, com os computadores, apareceu um novo artesanato, dispondo de recursos-mil que as tais máquinas oferecem. Estamos frente aos “novos escribas”. A grande dificuldade que se tem de enfrentar, justamente com esses muitos recursos, é a de saber selecionar o pouco frente ao que exorbita – ter a ideia, a partir dos meios disponíveis. Tarefa para os artistas da Nova Era, para os poetas que experimentam e se expõem ao risco.

PS Tipomorfia: de cerca de 10 ou 12 anos para cá, tenho pensado na imprecisão do termo tipografia (como de tipologia, e aí as coisas pioram) para designar o desenho da letra. Tipografia refere-se primacialmente à técnica, ao processo que no Ocidente (Europa) veio à luz em meados do século XV, revolucionando a coisa do texto, sua reprodução e divulgação. Preferimos, então, deixar o termo tipografia – palavra totalmente de origem grega, para o processo, a técnica com os tipos móveis metálicos e/ou de madeira. E, para designar o desenho da letra, sua conformação, sua Gestalt, sem sair do grego, utilizaremos tipomorfia, tipomórfico, tipomorfeia (a degeneração da letra). Acreditamos na maior precisão da palavra evocando a sua etimologia. Porém, feita a proposta a pelo menos 2 especialistas, eles não gostaram do termo, talvez por estarem acostumados com Tipografia. Mas, fica aí a ideia, a proposta para que nós passemos a utilizar a palavra tipomorfia. Por exemplo: na fase dita ortodoxa da Poesia Concreta brasileira, também chamada fase heróica, o que predominou nos poemas, em termos de tipomorfia, foi o futura em negrito – tipo desenhado nos anos 1920 por Paul Renner – e caixa-baixa. Optou-se, também, em vários textos de prosa metalinguística, manifestos, pela utilização exclusiva da caixa-baixa, o que chegava a ser mais chocante nos textos em alemão ou inglês, onde há excesso de maiúsculas (caixa-alta) e menos no português, mas mesmo assim, chocante. Particularidades observáveis no período áureo da Arte Construtiva no Brasil, no âmbito da Poesia.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

13. Do 1º Modernismo: Portugal e Brasil.

A partir do Modernismo – e este é um fenômeno originalmente europeu, que se irradia principalmente da França para toda a Europa e chega às Américas – instalado primeiro em Portugal e, pouco depois, no Brasil, revistas foram editadas, abrindo praticamente o processo e/ou acontecendo durante. Não há propriamente ligação, de facto (significativa), entre os dois Modernismos, muito embora se registre a presença de um brasileiro em Orpheu 1 (Lisboa), como co-director e colaborador, e o nome BRAZIL (PORTUGAL E BRAZIL), em sua página de rosto. O mesmo brasileiro, Ronald de Carvalho, teve, também, alguma participação na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Orpheu, a primeira revista modernista de Portugal, de importância capital, cujo centenário se comemora neste ano de 2015, com exposições e edições e reedições, acontece sete anos antes da nossa, que foi Klaxon (mensário de Arte Moderna), editada em São Paulo, a partir de maio de 1922, e que durou 9 números (em 8 volumes, sendo o último, duplo: 8 e 9). Orpheu chegou apenas ao número 2, sendo que o terceiro ficou apenas nas provas tipográficas, e supõe-se que teria como ilustrações obras de Amadeo de Souza-Cardoso, figura exponencial do 1º Tempo Modernista português. E Portugal ainda contou com Portugal Futurista, fins de 1917, com maior arrojo gráfico, mas com persistências da gráfica tradicional, e que teve um destino desastroso, posto que apreendida. O Modernismo brasileiro foi informado fundamentalmente por 3 ismos: Expressionismo, Futurismo e Cubismo, sendo que este chegou, de facto, tardiamente ao Brasil, com Tarsila do Amaral (1886-1973), já nos anos 20, embora antes já se tivesse notícia de façanhas picassibraqueanas. Em Portugal, que também teve até mais a presença do Futurismo, o Cubismo chega bem antes, haurido diretamente em Paris, por Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) – que teve obras expostas em Nova Iorque, no Armory Show, em 1913 – ou no próprio território português, dada a presença de Robert e Sonia Delaunay (Cubismo Órfico/Simultaneísmo), durante a I Guerra Mundial e o contacto que com eles teve o pintor Eduardo Viana, além de outros, mais reencontros (veja-se a bela mostra que ora acontece no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: O Círculo Delaunay). Importante lembrar trabalho de Amadeo de Souza-Cardoso, que antecipa (sem influência direta, porém) algo do que será a Poesia Experimental Portuguesa: o conto de Gustave Flaubert La Légende de Saint Julien L’Hospitalier, caligrafado e ilustrado pelo artista, em Paris, no ano de 1912. (Uma coisa interessante a registrar sobre a pintora do pau-brasil e da antropofagia, Tarsila do Amaral, é que ela esteve na posse do mais importante quadro de Robert Delaunay, da série “Tour Eiffel”, pintado em 1911, e que hoje faz parte do acervo do Art Institute of Chicago, adquirido em Paris, pela artista, nos anos 1920 e que durante muito tempo – até 1951 – esteve em São Paulo e que aparece em fotos: tanto da época da abastança, na residência da Alameda Barão de Piracicaba, época em que estava casada com Oswald de Andrade, como em época de “vacas magras”, em apartamento da Rua Tabatinguera. E a própria Tarsila do Amaral, que também foi excelente cronista, narra, em texto de 1936, publicado no Diário de São Paulo, os contactos com Robert Delaunay. Tarsila do Amaral. “Delaunay e a Torre Eiffel”. In: Crônicas e outros escritos. Campinas, Ed. da Unicamp, 2008, p. 84-86.) Os extratextos (hors–textes) de Santa-Rita Pintor (1889-1918), que aparecem em Orpheu 2, e emprestam arrojo visual à revista, quatro ao todo, em preto-e-branco, mais que futuristas, assemelham-se a facturas de um Cubismo Sintético ou a algo Pré-Dadá, e são datados de Paris: 1912-13-14. Mas foi grande a força do Futurismo nesse Modernismo luso (embora por pouco tempo) que, sem pejo, abraça o ismo marinettiano, que aparece em atitudes, textos poéticos, manifestos (Santa-Rita Pintor, Almada-Negreiros…). No Brasil, apesar da flagrante presença da “escola” de Marinetti, já aparecem reações contra a pecha de “futurista”, mormente da parte de Mário de Andrade, que explicita isto no “Prefácio Interessantíssimo” ao seu Pauliceia desvairada (o mais importante livro de poesia do ano de 1922, no Brasil) e no editorial de Klaxon 1, que deve ter sido escrito por ele – o editorial pode ser tomado como um manifesto, pois, coloca-se contra uma situação observável nas artes do Brasil daquele momento e faz propostas; insiste no aspecto construtivo do Movimento – em oposição à destruição apregoada por Marinetti – assim como não nega o passado, apenas não o reproduz. Porém, faz o elogio dos progressos científicos e técnicos, colocando a Cinematografia, como “a” Arte do Momento. Diz: “Klaxon não é futurista, klaxon é klaxista”. No mais, o teor marinettiano do editorial é notório – depois do italiano, nascido em Alexandria, ninguém que fez manifesto livrou-se dele. Quando da passagem de Marinetti por São Paulo, uns o evitaram ou se viram em situação embaraçosa. Oswald de Andrade, o descobridor do Mário poeta, no ano de 1921, num artigo, entusiasmado pelos versos que lera do Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade, tinha chamado o autor de “o meu poeta futurista”, coisa que o desagradou, pois sentiu-se enquadrado em algo que não se julgava ser. O adjetivo “futurista”, no Brasil, durante muito tempo, foi sinônimo de arrojo formal, principalmente para os de repertório artístico médio. As revistas são propícias à aglutinação de pessoas com interesses comuns, mas costumam durar pouco. Tomando Lisboa como centro dos acontecimentos do processo modernista em Portugal (e parece que na Terra Lusitana não houve rivalidade entre cidades que produziam e/ou exportavam talentos, pois, em grande parte, as forças convergiam para a capital), notamos a presença mais forte da Poesia. No Brasil – que teve na cidade de São Paulo o seu centro de irradiação modernista – como já colocou Paulo Mendes de Almeida, as Artes Plásticas é que apontaram os caminhos primeiramente, e duas mulheres tiveram aí um papel preponderante: Anita Malfatti (1889-1964), praticamente a deflagradora do processo (veja-se Mário da Silva Brito: História do Modernismo Brasileiro: I Antecedentes da Semana de Arte Moderna) e Tarsila do Amaral (com importante atuação a partir do 2º semestre de 1922 – estando em Paris a completar tardiamente seus estudos de pintura, não participou da Semana de Arte Moderna. Seu grande salto qualitativo se deu em 1923. Teve aulas com mestres cubistas, com destaque para Fernand Léger e, na fase pau-brasil de sua pintura, fez uma leitura do País sob a óptica cubista, porém, sem arremedo). Embora Paris estivesse no centro das cogitações, tanto de portugueses como de brasileiros, houve quem tomasse outro rumo, como o fez Anita Malfatti, que estudou desenho e pintura na Alemanha (1910-14) e nos Estados Unidos da América (1915-16), antes, portanto, de sua histórica exposição de 1917, que provocou reações, com consequências desastrosas para a artista, mas marcou o início do processo modernista no Brasil. O lituano Lasar Segall expôs, no ano de 1913, em São Paulo e Campinas e estas mostras, que há quem as considere como as primeiras exposições de Arte Moderna no País, não tiveram qualquer repercussão na Arte brasileira, bem porque continuam na névoa, não se sabendo ao certo se uma parte mais radical de sua obra, à época, foi mostrada – é mais provável que não. A importância de Segall, na arte brasileira, acontecerá após a sua volta e fixação no Brasil, a partir de 1924. Anita Malfatti e Lasar Segall, laboravam dentro do repertório Expressionista. Em Portugal, há a singular e importante figura de José de Almada-Negreiros (1893-1970), pintor e poeta, autor de célebres manifestos e precursor da performance em Portugal (14 de abril de 1917, conferência no Teatro República, Lisboa), que já desponta em Orpheu e extravasa em Portugal futurista. Querendo saber se, como no Brasil, em Portugal tinha havido contato dos experimentais, com sobreviventes do 1º Modernismo, Almada-Negreiros, por exemplo, eu, perguntei a E. M. de Melo e Castro, em 26.10.2015, por e-mail: “Você conheceu pessoalmente o Almada-Negreiros? Acha que ele foi importante, de algum modo, para a Poesia Experimental portuguesa?”

Em e-mail de 27.10.2015, escreveu-me Melo e Castro:

“Não posso dizer que conheci o Almada pessoalmente, embora uma vez lhe tenha sido apresentado num café de Lisboa. Mas fui e sou um estudioso do seu trabalho principalmente do livro VER e do ALMADA E O NÚMERO organizado pelo Lima de Freitas. Tenho mesmo alguns textos críticos sobre a sua poesia e sobre o Quadrado Azul.  Mas são todos posteriores à PO-EX  e o Almada nada teve a ver com a Poesia Experimental, embora fosse por todos apreciado e respeitado como Futurista e amigo do Fernando Pessoa. Como pintor nunca nos interessou muito… Já nos primeiros anos do século XXI o filho dele, também chamado José de Almada-Negreiros, contatou-me para lhe dar uma opinião sobre a descoberta de 3 caligramas inéditos datados de 1920 de autoria de seu Pai. São uma pequena joia que eu estudei e então apresentei em público. Esses caligramas e o meu texto encontram-se no meu livro publicado no Rio pela Confraria do Vento  POÉTICA DO CIBORGUE. Mas são apenas documentos de uma arqueologia da poesia visual.” E mais:

“Relendo o meu e-mail de ontem acho que fui injusto para com o Almada  porque ele faz parte indiscutível da herança modernista e inventiva de todos nós e cada poeta experimental individualmente tinha uma relação cultural com ele!  Só que isso apenas indireta e subjectivamente terá uma influência no trabalho experimental dos anos 60. Não devo esquecer o quanto me fascinava o seu retrato de Fernando Pessoa que quando eu era jovem estava exposto na pastelaria Irmãos Unidos, no Rossio! E o enorme painel mural que está ainda na entrada do edifício da Gulbenkian, em Lisboa e que é um extraordinário poema visual!  Só que as suas bases herméticas e estéticas nada têm a ver com as bases da PO-EX! A Poesia Experimental deve muito mais a DADA do que ao Futurismo, mesmo na sua versão portuguesa. No entanto deve ser dito que o ORPHEU exerceu uma grande influencia sobre a PO-EX pois era considerado como o seu único antecedente histórico, principalmente com Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Ângelo do Lima.  Ninguém da PO-EX considerava a existência de um ‘segundo modernismo’ na poesia portuguesa (como alguns críticos chamam ainda hoje à poesia da revista “Presença” dos anos 30 e 40, que é apenas um regresso ao Eu e ao sentimentalismo!!!). […] Também não devemos esquecer que o Almada foi o primeiro performer português em 1917… Mas nesse tempo essa palavra não existia!”

Duas importantes personagem do 1º Modernismo português desaparecem prematuramente no mesmo ano de 1918: Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso. Pode-se dizer que, no 1º Tempo Modernista português, as correntes que mais o informaram foram Cubismo e Futurismo, considerando que, em verdade, houve uma confluência complexa de ismos, de par com contribuições propriamente lusas, principalmente no campo da Poesia.

Obs. Sobre o Modernismo em Portugal, algumas informações aqui veiculadas foram hauridas em: José-Augusto França. História da Arte em Portugal: Modernismo (século XX). Lisboa: Editorial Presença, 2004.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

12. A Poesia do Grupo Noigandres não nasce Concreta: torna-se.

Décio Pignatari (1927-2012) conheceu Augusto (1931-) e Haroldo de Campos (1929-2003), em fins dos anos 1940, a propósito de Poesia (se os Andrades do Modernismo não eram sequer parentes, os Campos do Concretismo eram irmãos!). E essa amizade teve mais motivos para se solidificar, além do grande interesse pela Arte da Palavra, pelo fato de os três cursarem Direito na Faculdade do Largo de São Francisco (Décio começou, depois Haroldo e, então, Augusto, que se formou com Décio, que nunca exerceria a Advocacia, e que terminou a Faculdade mais por exigência do pai). Já nesse tempo, fazem visita a Oswald de Andrade, modernista histórico que admiravam e que comparecerá no futuro Plano Piloto para Poesia Concreta, ao lado de João Cabral de Melo Neto, como as duas grandes e únicas referências brasileiras da poesia que estavam a praticar. Haroldo de Campos e Décio Pignatari publicam seus primeiros livros de poesia em 1950: Auto do Possesso e O Carrossel, pelo Clube de Poesia (espécie de reduto da “Geração de 45”); Augusto de Campos publica O Rei Menos o Reino, em 1951, Edições Maldoror (em verdade, um volume autofinanciado). Os moços já vêm com uma poesia diferenciada, em relação ao que estava em voga naquele momento em São Paulo e no Brasil, e isto foi notado pelo historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, e exposto em artigos sobre os novos poetas, antes, inéditos em livro, no ano de 1951. Motivados pela então misteriosa (mas, com um halo de positividade) palavra “Noigandres”, citada no Canto XX, de Ezra Pound (1885-1972), extraída de poema do trovador provençal Arnaut Daniel (1150-1210), formam o Grupo Noigandres, em 1952, o que é assinalado pela publicação do nº 1 da revista do mesmo nome. A poesia que publicam na revista já traz índices de algo que estava para acontecer, ou seja, indicava um caminho com surpresas e muita novidade, considerando-se ainda a curiosidade dos rapazes (aquela que conduz ao conhecimento, a mesma que acometia Leonardo da Vinci) e a cultura poética enorme que já possuíam. Nesse mesmo ano de 1952, o Grupo Ruptura faz a sua 1ª exposição e lança manifesto: algo de uma grande radicalidade, ainda mais considerando que a Abstração chegou, de facto, tardiamente ao Brasil e tratava-se de uma arte de caráter construtivo (Abstracionismo Geométrico, como comumente se diz). O Grupo Ruptura já nasce Concreto (o manifesto de Van Doesburg… – Art Concret – é de 1930. Já havia, portanto uma Arte Concreta, assim como já existia uma Música Concreta) e, inicialmente, era formado por sete artistas, apenas dois nascidos no Brasil: Geraldo de Barros e Luís Sacilotto – os demais, a começar pelo líder Waldemar Cordeiro (brasileiro nascido em Roma), vinham da Europa: Lothar Charoux, Anatol Wladislaw, Kazmer Féjer e Leopoldo Haar. Desses, acercaram-se outros, como Hermelindo Fiaminghi, Maurício Nogueira Lima, Judith Lauand e Alexandre Wollner. No Rio de Janeiro, menos sectário, forma-se, em 1954, o Grupo Frente, que também terá importante papel na Arte Brasileira. Ruptura e Noigandres: nasce, daí, uma duradoura amizade entre seus integrantes + a admiração que todos nutriam pelo italiano nascido em Lucca, Itália, Alfredo Volpi (1896-1988), um pintor autodidata que teve um percurso singular na arte brasileira, desembocando num peculiar construtivismo, elaborado à base de têmpera. O Brasil vinha de uma mudança importante a partir de 1945, com o fim do Estado Novo: ditadura de Getúlio Vargas, e era acometido de ondas de euforia, o que iria culminar na segunda metade dos anos 1950, durante o Governo JK. 1947: fundação do MASP. 1948: fundação do MAM-SP. 1949: fundação do MAM-RJ. Exposições de Alexander Calder (Rio de Janeiro e São Paulo) e de Max Bill (em São Paulo). I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo: 1951, sendo que as atenções dos mais empenhados em mudanças se voltaram para as obras dos artistas da delegação suíça, entre eles Max Bill, que recebeu o prêmio de Escultura, e as Bienais continuam a se realizar: 1953, 1955 etc. São do primeiro semestre de 1953 os seis poemas coloridos que compõem a série Poetamenos, de Augusto de Campos, elaborados a partir da experiência que o então jovem poeta teve com a audição e estudo da Música de Anton Webern (1883-1945): fascinou-o a Klangfarbenmelodie (melodiadetimbressomcormelodia), coisa que ele transpõe para o campo da visualidade e já criando palavras, aglutinando e decompondo-as. Os poemas dessa série utilizam de duas a seis cores (poderíamos até chamar a operação de uma – em parte – tradução intersemiótica, evocando Jakobson) e são considerados como formando o primeiro conjunto de poemas propriamente concretos. Enquanto não houve possibilidade de imprimir a série numa gráfica, os poemas eram distribuídos em cópias feitas com carbonos coloridos, até que saem em Noigandres 2, ano de 1955, acompanhados de um texto explicativo-manifesto – esse foi um de dois textos metalinguísticos publicados em Noigandres, que contou com 5 números (o outro foi o Plano-Piloto para Poesia Concreta, em Noigandres 4, 1958). Nessa altura, Décio Pignatari já se encontrava na Europa (meados de 1954 – meados de 1956), sendo que, na Alemanha, em Ulm, acabou por travar contacto com o poeta suíço-boliviano Eugen Gomringer – secretário de Max Bill na Hochschule für Gestaltung – Escola Superior da Forma, herdeira da Bauhaus – donde nasceria o movimento internacional da Poesia Concreta. No mesmo ano de 1955, Augusto de Campos propôs a denominação Poesia Concreta, para aquela que estavam a praticar, já que existiam uma Arte Concreta e uma Música Concreta. (Um artista sueco nascido em São Paulo, Öyvind Fahlström, pouco antes, havia proposto uma poesia concreta, o que não teve repercussão.) Em carta a Décio Pignatari, de agosto de 1956, Eugen Gomringer concorda com a denominação “poesia concreta”. Noigandres 3 sai em 1956, já trazendo subtítulo “poesia concreta”. Costuma-se dar como lançamento “oficial” da Poesia Concreta, no Brasil, a Exposição Nacional de Arte Concreta – que incluía os poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Wlademir Dias-Pino – que aconteceu em dezembro de 1956, em São Paulo, por ideia do Grupo Ruptura. A exposição, em inícios de 1957, realizou-se no Rio de Janeiro e neste ano já tem início dissidência entre os que operavam a partir de São Paulo e os que operavam a partir do Rio de Janeiro, liderados por Ferreira Gullar, o que culminará, em março de 1959, com o Manifesto Neoconcreto e a exposição que se realiza na então Capital do Brasil. Nessa altura, Brasília já se concretiza e a Bossa Nova (nascida na Zona Sul do Rio de Janeiro) é sucesso nacional e vive-se a ilusão/euforia do desenvolvimentismo. Concluindo: o Grupo Noigandres não nasce Concreto, torna-se Concreto no processar-se dos anos 1950.

Obs. 1: Formado originalmente por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, o Grupo Noigandres foi-se ampliando, primeiro com Ronaldo Azeredo (1937-2006) e, depois, com José Lino Grünewald (1931-2000). Podem ser considerados, também, como fazendo parte do Grupo, a partir dos anos 1960: Edgard Braga (1897-1985) e Pedro Xisto de Carvalho (1901-1987).

Obs. 2: Como disse certa vez em entrevista, Augusto de Campos, quanto às Artes Plásticas Concretas e Neoconcretas, que, vendo-as à distância, não havia diferenças substanciais entre as obras dos dois grupos as quais, à época, haviam sido maximizadas. Poesia Neoconcreta, quase não existiu, ou existiu pouco, sem, porém, a grandeza a que chegaram os artistas plásticos. A racionalidade Noigandres irritou e indispôs pessoas e virou lugar-comum acusar os paulistas de racionalistas (frios): de Ferreira Gullar a Mário Pedrosa. Conte-se o espírito de guerreiro de Waldemar Cordeiro e Décio Pignatari + a alta-tecnologia pensamental de Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Gullar ficou irritadíssimo com texto metalinguístico de Haroldo de Campos, de 1957: “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”. Daí, a março de 59, foi o tempo necessário à ruptura de facto, que alguns colocam mais como delimitação de territórios do que diferenças artísticas formais ou de postura. O Rio seria, então, dos neoconcretos, tendo na liderança Ferreira Gullar. Em texto do História Geral da Arte no Brasil, volume 2, o grande crítico, historiador e promoter Walter Zanini (1925-2013), ao discorrer sobre a Arte Construtiva no Brasil, diz exatamente isto: a cisão concretos/neoconcretos se explicaria, para alguns, mais como uma disputa de poder do que por diferenças propriamente artísticas. Gullar logo abandona a experimentação e abraça uma outra causa, operando com fórmulas tradicionais. Anos mais tarde, enfim, reassume a sua produção concreta/experimental e publica o poema com que participou da Exposição Nacional de Arte Concreta (1956-7), com modificações, poema sobre o qual se tinha imensa curiosidade: Formigueiro. Mais recentemente, Gullar andou fazendo declarações estapafúrdias, como a que nada tinha contra a Poesia Concreta, pois ele a tinha inventado. “Eu desestruturei o verso”, chegou a dizer, coisa que não corresponde nem de longe à verdade, pois que, quem desestruturou o verso foi outro excelente verse-maker, o estadunidense e. e. cummings. Gullar continua a cultivar a sua ira contra concretistas de São Paulo. E entrou para a Academia Brasileira de Letras.

Obs. 3: Fiz questão de frisar que as duas maiores cidades do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, eram os dois grandes centros irradiadores da arte erudita no Brasil e, desde os anos 1920, São Paulo vinha tomando uma espécie de dianteira (e veio a se tornar a maior cidade do País, em termos populacionais). Pessoas de todo o Brasil e de fora acabaram por se radicar nessas duas cidades – poucos eram verdadeiramente paulistanos ou cariocas, dentre os que estavam a fazer a Grande Arte. Nas Artes Plásticas, estrangeiros abundavam, porém, na Poesia, que de qualquer modo exige um pensamento a partir de um idioma específico, não. O que me ocorre, agora, é um único caso de poeta estrangeiro que atuou nas hostes neoconcretas e que era psicanalista, pintor, colecionador, também: Theon Spanúdis (Esmirna, Turquia: 1915 – São Paulo, Brasil: 1986), que assinou o Manifesto Neoconcreto de 1959 e produziu poemas. Nessa atividade de poeta, pode ser considerado um esquecido (injustamente?) – é mais lembrado como colecionador e como doador de sua coleção (com muitas obras de Alfredo Volpi) ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

11. Revistas de Invenção/Revistas Experimentais, Revistas de Artistas, Revistas.

As revistas de criadores (poetas, artistas plásticos…), via de regra, desdizem a definição de revista, pois já começam a falhar quanto à periodicidade – isto, quando conseguem sair do 1º número, sobrevivendo por um certo tempo (incerto). A partir de fins do século XIX, mas principalmente ao adentrar o século XX, tais publicações desempenharam um papel assaz importante na divulgação de poemas etc e ideias, e foram congregadoras de produtores de linguagem de muitas áreas, principalmente de Poesia. No modernismo luso, assim como no brasileiro, elas tiveram fundamental importância, chegando a emprestar seus nomes a grupos – Orpheu, Portugal Futurista, Presença, Klaxon, Revista de Antropofagia… Reuniram forças, preservaram materiais e como que retiveram o espírito de sua época. Difícil, porém, é, em primeiro lugar, obter coesão, com relação a um grupo de criadores e, em segundo, manter esse grupo interessado por algum tempo (questões referentes a revistas já tratamos em Doutorado, cuja Tese continua inédita, e na publicação de 2004, da Ateliê Editorial: Revistas na era pós-verso…). Se a Arte não suporta amarras por muito tempo, muito embora não viva sem regras, temporárias ou duradouras, os grupos, via de regra, têm curta duração, muito embora tenham tido importância capital nos Modernismos. O Grupo Noigandres (São Paulo, Brasil) dos concretistas é um desses grupos de longa duração – excluam-se grupos internacionais, com grande abertura e com poucos contactos entre os seus membros. O Grupo Noigandres, inicialmente formado por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos nasce propriamente com a publicação do número 1 da revista do mesmo nome, em 1952, e dura até a de número 5, de 1962 – nesse meio-tempo, agrega Ronaldo Azeredo (a partir da de nº 3) e José Lino Grünewald (na de nº 5). Décio Pignatari, em várias ocasiões, disse-nos que os três haviam feito um trato: o de nunca romper a amizade, por mais que viessem a ocorrer diferenças na criação ou pensamento, para que, na maturidade e na velhice, eles não viessem a ficar sem interlocutores, e isto surgiu ao observarem, quando em visita a Oswald de Andrade, modernista histórico, a solidão em que vivia o poeta, no que diz respeito à vida intelectual e artística, muito embora se esforçasse por participar das atividades culturais da cidade de São Paulo. Como já foi dito, ao Trio Noigandres se juntaram Ronaldo Azeredo e José-Lino Grünewald e, já nos anos 60, Edgard Braga e Pedro Xisto de Carvalho. Adentra-se os ‘60, com a página “Invenção”, no Correio Paulistano e tem início a edição de Invenção, sendo que os dois primeiros números saem em 1962, antes mesmo do 5º número de Noigandres, que encerra suas atividades com uma espécie de balanço do Concretismo brasileiro-noigandrense, apresentando uma antologia dos cinco componentes, com o título: antologia noigandres 5: do verso à poesia concreta. Invenção também durou 5 números, sendo o último datado de 1966-67. Experimentação e amizade prosseguiram, não sem discordâncias, porém, discordâncias discutidas e não-estruturais. Como afirmou várias vezes Melo e Castro e outros, em Portugal, os poetas experimentais não se constituíram em grupo, apenas se reuniam para conversas e nas publicações, mas mesmo assim, houve desacordos, sendo o mais notório o de Herberto Hélder, que teve importante papel nos princípios do experimentalismo português. Este também registra importantes publicações coletivas de pouca duração e que tiveram papel fundamental no processo de instauração e prosseguimento de propósitos, embora sem sectarismo. Registram-se as publicações (que serão tratadas em texto especial): Poesia Experimental 1 (1964), Poesia Experimental 2 (1966), Suplemento Especial “Poesia Experimental”, do Jornal do Fundão (24.01.1965), Hidra 1 (1966) e Hidra 2 (1969), Operação 1 (1967) e Operação 2 (1967), além de exposições, com catálogos que assumiram especial papel de registro. Depois desse período, que se pode chamar “heroico”, de luta, aconteceram muitas mostras, antologias e exposições-sessões de performance. A investida internacional, presente desde o início, nos anos ’60, terá uma intensificação sem precedentes na poesia lusa. Retornando às generalidades sobre revistas de artistas, em verdade, publicações coletivas, cujo trabalho maior sempre recai sobre 1, 2 ou 3 dos componentes da “equipa”, dão força a um pensamento, a uma proposta, a um movimento e atrai gente. Mesmo no caso daquelas que não saíram do 1º número ou que, saindo, não chegaram a ter periodicidade, pois a tendência é que, a partir de um certo momento, cada um tome o seu rumo e os projetos coletivos – formando ou não um grupo – desapareçam, tomem outras formas ou comecem a apresentar variantes, sendo que alguns até abandonam por completo antigas crenças, chegando a renegá-las, por um motivo ou outro. Essas publicações coletivas, num futuro, dão lugar a obras individuais que acabam por reunir o já publicado, recontextualizando-o, ao mesmo tempo em que parte do que está nas revistas fica esquecido, porém, a preparar surpresas para futuros pesquisadores. As revistas cumprem o papel que lhes cabe: veicular criação/pensamento e revelar novos valores. Escreveu Melo e Castro num ensaio sobre revistas dos anos ‘50 e ’60: “… o livro, quer em edição de autor, quer em edição de uma editora, não era geralmente acessível aos jovens estreantes; a revista constituía o meio mais prático de publicar pela primeira vez.” (Melo e Castro. “As revistas de poesia nas décadas de 50 e 60”. In: Literatura portuguesa de invenção. São Paulo: DIFEL, 1884, p. 78). Muita coisa mudou e, hoje, um estreante poderá elaborar o seu livro em casa e enviar a uma empresa que fará a reprodução de poucos exemplares, a um custo bastante baixo. O grande problema de quem custeia a sua própria edição será principalmente o da distribuição. As revistas estarão sempre no universo do provisório, muito embora, com o tempo, revistam-se de uma espécie de aura que faz com que sejam facsimilarmente reproduzidas. Livros, namoram o perene, aspiram à eternidade. Mesmo numa época em que o digital – universo do disponível – se impõe como a coisa do momento, os impressos continuam a fascinar estreantes, que já nasceram com esses instrumentos e media da Nova Era.

PS O encargo financeiro, o custo dessas revistas – e, em mais de 90% dos casos não se computa o capital trabalho – fica por conta do grupo, que se cotiza ou de um ou dois que, mais comumente do que se imagina, recorrem a membros da família mais abonados, sob a promessa de que reporão o dinheiro ali “investido”. A alegria de publicar coletivamente talvez seja a maior recompensa daqueles que se empenham para que “revistas” aconteçam.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

10. Poesia: em busca do ouro: primeiras edições de Poesia Experimental Portuguesa etc.

Poesia é “artigo” que pouco se vende e o poeta é um ser que não pode/não consegue viver daquilo que melhor faz: seus poemas, sua poesia (daí, talvez, carregar consigo a obrigação do risco – a não ser que seja o “poeta da corte” ou que venha a ter sucesso como letrista de canções populares. Poesia somente “dá dinheiro” quando, facilitada e utilizando recursos os mais vulgares que se conhecem, como o tema “amor” com todas as suas nuances, e rimas – adivinháveis – e refrões, é musicada baratamente, e é tocada no rádio e alimenta os mega-shows. Aí, sim, pode render até milhões. De quando em quando, algo um pouco melhor, no âmbito da música popular, e é o que irá vender menos). Não é de se estranhar que editores relutem em publicar, arcar com o ônus pecuniário de um livro que abriga poemas e que, certamente, não terá um comércio apreciável. Poemas! E, no entanto, as sociedades têm o maior orgulho de seus poetas, os mortos (quase-sempre). A grande poesia – que continua a existir, diga-se – é difícil, indigesta, obriga a operações mentais cansativas e, por isto mesmo, quase não tem público. Edições de livros de poesia, pelo menos no âmbito da Língua Portuguesa são pequenas (a não ser daqueles valores consagrados, que constam das antologias escolares ou que, no caso do Brasil, são parte do programa dos vestibulares para ingresso nas universidades, mormente o da USP: daí, mega-edições a baixo-custo, já que há um público comprador certo), ao passo que a prosa pode chegar ao status de best-seller (certa vez, eu, ao telefone com Décio Pignatari, falava, a propósito de uma adaptação para cinema, de um desses best-sellers e tentei abordá-los, no geral – fosse um filme brotado de uma obra literariamente importante eu diria, com Jakobson, não adaptação, mas tradução intersemiótica. Bem, Décio, sem muita paciência e para encerrar a conversa, disse-me, enérgico: – Omar, best-seller não é bem Literatura!). Exceções há, e o caso Pessoa (Fernando Pessoa 1888-1935) é bem ilustrativo disto. Além de grande e prolífico fazedor, Pessoa acabou, ele-mesmo, tornando-se uma lenda e todo um folclore foi criado à sua volta e a sua poesia (não somente) tem sido consumida, nem digo fruída, por uma multidão de leitores, que geralmente procuram conteúdos e incursões pensamentais elucubrativas, sem por um minuto pensar o que faz daqueles textos algo tão especial (o Poeta foi exímio nas incursões logopaicas, melopaicas e até fanopaicas, para ficarmos com Ezra Pound). Pessoa, no Brasil é unanimidade: entre os alfabetizados que leem poesia (Décio Pignatari diria: pelas “minorias de massa”), transita entre toscos e sofisticados, mas transita, a ponto de poder ser apreciado quando declamado em shows de música popular. Em Portugal, Pessoa se avoluma: edições sucessivas de seus escritos (era um compulsivo escrevedor, com um nível elevadíssimo). E livros sobre ele, penso que não haja semana em que não apareça algo novo e geralmente tentando penetrar o mistério Pessoa. É espantoso o fenômeno! A rigor, Fernando Pessoa não poderia ser chamado de inventor, considerando aqui aquela classificação de escritores elaborada por Ezra Pound (1885-1972), um seu contemporâneo. Seria um mestre, é um Mestre, já que como poeta, operou com versos, sem atentar contra a sua integridade – fossem livres ou não – muito embora tenha em suas práticas, em certas peças, o uso abusivo do enjambement, o que causa estranheza num leitor comum de poesia. Mas, a genialidade de Pessoa está justamente na multiplicidade configurada com a sua heteronímia, aliada a um qualitativo hors concours. Daí, pode ser considerado um inventor (embora não tenha inventado a heteronímia). Ficou difícil dizer algo poeticamente depois de Pessoa. Ficou mais difícil ser poeta-maior depois do Bardo. Em Portugal, os poetas, de 1960 para cá, digamos, queixam-se de editores que relutam em editar os seus livros, e falam em dificuldades para consegui-lo (somente para lembrar: 2ª metade do século XIX, Cesário Verde esbravejando em seu poema Contrariedades, contra aqueles que não o publicavam – pobre/rica Poesia!). E isto pude notar quando, frequentando grandes e pequenas livrarias em Lisboa, dificilmente encontrava obras dos poetas experimentais, até aquelas que foram editadas em outros momentos por editoras estabelecidas, dentro do sistema editorial. No Brasil, os “históricos”, quase todos, têm suas obras poéticas editadas e encontráveis em livrarias, mas somente a partir de meados dos ’70, em Portugal, obras dos “históricos”, quase-todas, se esgotam e não têm tido reedições. Daí é que, contrariando o que seria de costume, passamos a procurar as obras nos sebos, nos alfarrabistas. Conversando com Melo e Castro sobre isto e o Poeta abordando a questão com naturalidade, cheguei a afirmar ser paradoxal essa faina, o que em verdade não chega a sê-lo, já que nessas livrarias de livros usados (porém nem sempre) encontra-se tudo o que já passou por outras mãos, há muito ou pouco tempo. Lembrei-me do livro Soma (1963), de Edgard Braga (1897-1985), uma joiazinha que eu sempre quis ter e que somente anos após a sua morte pude encontrar em São Paulo, num sebo, aos montes e a preço tão baixo, que adquiri 15 exemplares, com os quais fui, ao longo dos anos, brindando os amigos. Penso que toda a biblioteca do velho Braga, médico-obstetra e poeta, tenha sido vendida a preço de nada. Pude comprar inúmeros livros, desde os primeiros, parnaso-simbolistas, até o mencionado Soma – quadradinho, com projeto gráfico de Décio Pignatari – além de livros de medicina, propriamente. Livros são a pior herança que se pode deixar para os familiares: não será jamais um prêmio, mas um encargo, do qual irão se livrar na primeira oportunidade. Bibliotecas têm a feição daqueles que as formaram e, por isto mesmo, têm-na em alta conta. Os outros, não. Daí, que é melhor destinar os livros a uma instituição. Mas o que acontece é que, geralmente, sabendo da importância da edição, os livreiros exorbitam nos preços. É claro que o lugar exato para se procurarem essas edições para consulta seria uma grande biblioteca e, em Lisboa, nenhuma melhor que a Biblioteca Nacional. E foi lá que pude ter acesso a publicações que se tornaram raridade, na edição original ou em cópia digitalizada, ou mesmo edição fac-similada. Porém, algumas outras, dentre as constantes do catálogo, ainda não estavam disponíveis. Somando-se a isto o fato de existirem muitos alfarrabistas no centro da cidade, passei a frequentá-los. Mesmo nos sebos, é difícil encontrar obras dos experimentais históricos e, quando encontradas, a dificuldade será pagar o que se pede por tais obras. Mesmo assim, adquiri umas poucas, não tão raras, pois edições como as das revistas, estas tinham preços estratosféricos. Estive na Letra Livre, Calçada do Combro e encontrei textos metalinguísticos de Melo e Castro, acessíveis. Já outras obras, não pude adquirir. Ainda na Calçada do Combro, a livraria Ecléctica, onde, ao mencionar Melo e Castro, senti que havia uma grande familiaridade com relação ao autor. O rapaz que me atendeu mostrou-me algumas obras (3, depois, adquiri) e prometeu falar com o pai, o proprietário, que era amigo de Melo e Castro. Em outro dia, cheguei à livraria e já havia, em exposição, raridades da Poesia Experimental Portuguesa: Operação 1, Hidra 1, Hidra 2, Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de 24 de janeiro de 1965 e algumas obras de autores vários. Fiquei maravilhado com o que vi e assustado com os preços que ouvi. Não só o Sr. Alfredo Gonçalves era amigo de Melo e Castro, como o Poeta havia vendido a ele, acho que parte de sua biblioteca, e sabia do valor daquele material. Conversei, conversei e perguntei, dada a impossibilidade de adquirir aquelas publicações, se poderia ir até lá para consultá-las, com todo o cuidado, ao que ele concordou. No dia seguinte, lá estava eu, com caderno de notas, régua e caneta para efetuar a pesquisa, e a fiz! Depois, considerei-me o maior cara-de-pau, mas fui e fiz. Sou imensamente grato ao livreiro que, no mais, deu-me muitas preciosas informações sobre publicações e Poesia Experimental, especificamente. Isto tudo me faz lembrar de uma Livraria e Editora de São Paulo, que não era alfarrabista e que já nem mais existe: a Duas Cidades, ali na Rua Bento Freitas, Centro, com aquelas moças, Maria Antônia à frente, que entendiam de livros, como poucos: atendiam bem, sabiam o que estavam a vender, davam informações, faziam sugestões quando solicitadas e até eram capazes de indicar a concorrente quando um certo título não estava ali disponível. Deixar algo em consignação na Duas Cidades, era certeza de correcção no acerto – não apenas aceitava em consignação as publicações da Nomuque, como, em 1977, distribuiu nacionalmente as Artérias 1 e 2, além de outras publicações da mesma estirpe e, o mais notável, fez reedição do Teoria da Poesia Concreta, editou comercialmente a poesia de Décio Pignatari – Poesia Pois É Poesia – e a de Augusto de Campos – Viva Vaia – e chegou a publicar 3 números de uma revista que, dentro do sistema editorial brasileiro, foi a mais arrojada, com um notável time de colaboradores: Através. Hoje, muitas livrarias, do mundo todo, possuem cadeiras confortáveis para que os seus clientes (ninguém mais fala “fregueses”) possam examinar livros e outros tipos de publicação (e muitos chegam a ler, em várias “sessões”, volumes inteiros), somente falta uma mesinha para que possam realizar as suas pesquisas. Auguri!

Obs. Devo ter, em minha pequena biblioteca particular, em São Paulo, umas 10 ou 12 diferentes edições do Mensagem de Fernando Pessoa, livro publicado em 1934 e, pelo qual, não obteve o 1º lugar num concurso. É um livro que se apresenta completo, redondo, embora poemas tenham sido escritos em épocas diferentes. Propõe-se como um épico, épico possível em seu tempo, um épico sem movimento, composto de quadros estáticos, como na galeria de um museu, mas, que quadros! José Augusto Seabra disse tratar-se de uma obra pan-genérica. Dá para entender. A excelência das peças que o compõem faz até com que a riqueza semântica, que remete a ocultismo, numerologia, messianismo, nacionalismo místico etc, seja negligenciada. É coisa de Mestre. É possível lê-lo em 1 hora e 20 minutos… e ficar a retomá-lo a vida toda. Pude consultar a edição de 1934 (único livro de poesia em português publicado por Fernando Pessoa, ele-mesmo), na Biblioteca da Faculdade de Letras da USP, há mais de 20 anos. Procurei-o, cá em Lisboa, num sebo, ao que obtive como resposta que é raro aparecer um exemplar e, caso apareça, terá um preço proibitivo. Comprei uma edição fac-similada. Um dos mais belos livros de Poesia do século XX.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

9. Revistas de Invenção/Experimentais: participações. Antologias.

Contactos poéticos/artísticos entre Brasil-Portugal-Brasil (já sabemos), pelo menos a partir do século XIX, estiveram abaixo do que seria de se esperar – isto quando se trata de ações presentes em que trocas e influências mútuas poderiam vir a ocorrer (não estou a considerar aqui os casos de artistas portugueses que se radicaram no Brasil, tais como Joaquim Tenreiro, Fernando Lemos, Arthur Barrio, António Manuel, ou mesmo Vieira da Silva, exilada no País, com o marido Arpad Szenes, nos anos 1940). Penso que as coisas são como são e, forçar contactos, seria algo fora de propósito. Reclama-se, também, do pouco contacto do Brasil com os demais países da América Latina, achando que deveriam ser mais intensos e perceptíveis. No campo da Música Popular, nem é preciso falar, porque as coisas acontecem, mesmo! Em outros campos, a mesma elite artística e intelectual que não faz contacto (há exceções) é a que consome os produtos culturais, como a literatura, por exemplo, mormente quando passa a haver uma certa distância no tempo. Contactos há quando têm de haver, muito embora, existam aqueles que, se dependêssemos deles, teríamos um verdadeiro dirigismo artístico. Nada pior do que colocar cabresto no mundo da arte. Apesar de tudo, as coisas estão a acontecer, assim como estiveram. Porém, considerando Brasil e Portugal como países com tanta coisa em comum, é de se estranhar tanta distância com poucos momentos de aproximação. Vejamos, em momento bem determinado da história recente da poesia, os contactos que vieram a acontecer, em termos de publicação em revistas de invenção, como são identificadas no Brasil ou experimentais, como preferiram os portugueses.

Brasil. Em Noigandres (1952-1962), apenas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos e, a partir da de nº 3, onde já aparece o subtítulo “poesia concreta”, entra Ronaldo Azeredo. José Lino Grünewald, apenas participa na de nº 5: “do verso à poesia concreta”. Grande abertura já se verifica na página “Invenção” do Correio Paulistano, o que se verificará também na revista Invenção (1962-1966-67), a partir da de nº 2 (a 1ª trouxe apenas 2 ensaios: de Cassiano Ricardo e de Décio Pignatari). Em Invenção 2 (2º trimestre de 1962) há a participação do poeta português Jorge de Sena (1919-1978) que, na ocasião, estava exilado no Brasil, onde lecionou por alguns anos (Assis, Araraquara), sendo que sua entrada se deve a Augusto de Campos, que o conheceu no Congresso de Crítica e História Literária de Assis, em 1961 – participa com 4 Sonetos a Afrodite Anadiómena. Aquele tipo de produção, não era bem o que a revista – que trazia o subtítulo de “revista de arte de vanguarda” – esperava, mas os “sonetos” foram publicados. De qualquer forma, os referidos textos possuíam qualidade inegável. Em Invenção 3 (junho de 1963) aparece o poema Monumento, de E. M. de Melo e Castro, peça constante de Ideogramas, obra publicada pelo poeta, em 1962. E, na secção “Móbile” de Invenção, à página 79, o livro é noticiado e comentado. Em Invenção 5 (1966-67), na secção “Móbile”, páginas 112 e 113: Melo e Castro e a carta (1962) ao Times Literary Supplement e um longo relato sobre o experimentalismo em Portugal – atividades, exposições, publicações. Invenção encerra suas atividades com o 5º número, momento em que já se vivia no Brasil uma ditadura militar, sendo que o pior estava por vir em dezembro de 1968. A Poesia Concreta brasileira, enquanto grupo organizado, mesmo com a evolução que se observou a partir de 1960, termina aí, muito embora o Concretismo poético continue o seu curso até bem mais além, assim como a denominação “Poesia Concreta” – poucos grupos de vanguarda tiveram duração tão longa e com um núcleo coeso e amigo, que durou até à morte da maioria. Além de o Grupo Noigandres ter incorporado Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, mais dois poetas, praticamente da geração dos modernistas históricos, passaram a integrar a equipe: Pedro Xisto de Carvalho e Edgard Braga. Hoje, Augusto de Campos é o único sobrevivente e, aos 84,5 anos, continua atuante como poeta, tradutor-recriador e ensaísta (não são mencionados, aqui, poetas viventes que passaram pelo Concretismo, com realizações notórias, tendo participado da Exposição Nacional de Arte Concreta, 1956-57, em São Paulo e no Rio de Janeiro, como Wlademir Dias-Pino, um dos criadores do Poema-Processo, nos anos ‘60, e que continuou experimental, e Ferreira Gullar, que rompeu com o Concretismo paulista, instaurando o Neoconcretismo e, depois, afastando-se dos processos de experimentação e, hoje, membro da Academia Brasileira de Letras – de qualquer modo, históricos. Em outras artes, vivem: Judith Lauand, pintora, e o músico Gilberto Mendes, nonagenários. Em âmbito internacional, os viventes nonagenários: Pierre Boulez, músico, e o co-fundador do Movimento da Poesia Concreta Eugen Gomringer. O poeta experimental português E. M. de Melo e Castro, octogenário, em plena atividade, vive em São Paulo de Piratininga, Brasil – para falar apenas de “históricos” que passaram dos 80 anos). Alguns poetas, temporariamente experimentais / concretos, passaram pela página, no Correio Paulistano e pela revista Invenção e, depois, afastaram-se, com ou sem conflito. Adesões temporárias também aconteceram em Portugal: breves participações nas hostes vanguardistas. O experimentalismo luso não veio a formar um grupo, propriamente, com um projeto rígido, mesmo que temporário, como aconteceu em outros lugares, inclusive no Brasil, com o Grupo da Poesia Concreta, implicando renúncia de um projeto meramente individual, em prol do coletivo, do Grupo. Houve, em Portugal, apenas a aproximação de pessoas, por afinidade de propósitos, sem sectarismo, propriamente. No caso do Brasil e dos concretistas, mesmo os manifestos foram, em sua maioria, assinados por um só integrante, embora se detectasse coerência nas propostas todas. Poucos manifestos tiveram as assinaturas dos três iniciantes do Grupo: o mais famoso teve: Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Por outro lado, os poemas foram sempre individuais, embora tenha havido trabalhos “em colaboração”. Já na página “Invenção”, e também na revista do mesmo nome, é óbvia a busca do apregoado internacionalismo.

Portugal. Brasileiros nas publicações experimentais portuguesas do 1º momento: Poesia Experimental 2 (1966): poemas de Pedro Xisto e Edgard Braga, e o fragmento inicial de Galáxias, de Haroldo de Campos, e em Operação 1 (1967): Pedro Xisto de Carvalho (1901-1987), com 4 Epithalamia, trabalhos que o celebrizaram no âmbito de uma poesia gráfica e que já haviam sido publicados em Invenção 5, juntamente com outros 4 (Logogramas). Em 1969, em Hidra 2: Nei Leandro de Castro (1940-) poeta potiguar, pertencente ao Poema-Processo, comparece com Desmontagem do NU, em três folhas soltas, num contexto de grande arrojo. O desejo de internacionalismo é evidente nas publicações coletivas do experimentalismo português.

A impossibilidade de montar uma estrutura, de facto, de publicação periódica, praticamente ditou o fim de revistas de invenção/experimentais, tanto no Brasil, como em Portugal. E no Mundo todo, pode-se dizer. No Brasil, houve tentativas e até se contou com editores, que foram mais distribuidores de publicações, cujos custos eram cotizados entre os participantes ou eram bancados por um dos componentes. Essa coisa de financiamento pelos próprios criadores também aconteceu em Portugal, sendo que patrocínios foram raros.

Três importantes antologias de Poesia Concreta foram publicadas nos anos 1960, todas elas no mundo anglófono (Reino Unido e Estados Unidos da América): organizadas por Stephen Bann (Concrete Poetry: an international anthology. London: London Magazine Editions, 1967), Emmett Williams (An Anthology of Concrete Poetry. New York: Something Else Press, 1967) e Mary Ellen Solt (Concrete Poetry: a World View. Bloomington: Indiana University Press, 1968). Stephen Bann traz longa introdução. A antologia se inicia – Parte 1 – com Eugen Gomringer e outros de língua alemã. Brasileiros comparecem na Parte 2: Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald, Pedro Xisto e Edgard Braga. Na Parte 3, os de língua inglesa. Ausência de poetas de Portugal, que também se encontram ausentes da antologia de Emmett Williams que traz, além dos brasileiros já citados, Wlademir Dias-Pino e Luiz Ângelo Pinto. Emmett Williams privilegia o italiano Carlo Belloli (que foi casado com a escultora brasileira de linha construtiva Mary Vieira), uma espécie de tardo-futurista e que, não tendo qualquer papel para o nascimento da Poesia Concreta, apresenta interessantes poemas com destaque para a parte gráfica, com datas bem recuadas. Já Mary Ellen Solt, traz uma longuíssima introdução, em que percorre países, rastreando origens: Suíça, Brasil etc. Traz algumas linhas dedicadas a Portugal: menciona a passagem de Décio Pignatari pelo país, em 1956 e a antologia Poesia Concreta, de 1962. Cita E. M. de Melo e Castro e Salette Tavares, os quais comparecem na antologia: Melo e Castro com Monumento e Salette Tavares com Aranha. Brasileiros presentes: Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Luiz Ângelo Pinto, Edgard Braga, José Lino Grünewald, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo e José Paulo Paes. Muitas outras antologias internacionais ou mesmo nacionais viriam depois.

Em 1973, foi publicada a Antologia da Poesia Concreta em Portugal, organizada por José-Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (Lisboa: Assírio & Alvim). Traz uma elucidativa introdução sobre as origens da poesia concreta/experimental em Portugal, assim como suas fontes e rumos tomados até àquela data (inícios dos anos 1970), estampando poemas de 14 poetas com produção que poderia, pelo menos em parte e/ou temporariamente ser classificada como concreta, ou com visualidade como elemento estrutural. De Ana Hatherly, Melo e Castro, António Aragão e Salette Tavares, passando por Herberto Hélder e Alexandre O’Neill, a Alberto Pimenta e Silvestre Pestana, constam com mais ou menos páginas. Ao final, há uma entrevista com Haroldo de Campos, feita por Melo e Castro, quando da passagem do poeta brasileiro por Portugal, pouco tempo antes – fala-se, nessa entrevista, mais do geral do que da Poesia Concreta na Terra Lusitana, propriamente. Uma antologia geral da Poesia Concreta, no Brasil, demoraria a sair e, assim mesmo, de modo insatisfatório. Está, aí, algo a ser pensado e viabilizado.

Obs. Em época mais recente, Fernando Aguiar e Jorge Maximino organizaram uma antologia internacional em que, ao lado de poetas experimentais portugueses (desde os “históricos”) e de outras nacionalidades, constam os brasileiros: Arnaldo Antunes, Avelino de Araújo, Joaquim Branco, Paulo Bruscky, Rodolfo Franco, Artur Gomes, J. Medeiros e Hugo Pontes. Publicação “associada à Bienal Internacional de Poesia do Douro e Vale do Côa – 2002, na qual os imaginários de ruptura servem de tema genérico.” F. Aguiar e J. Maximino org. Imaginários de ruptura: poéticas visuais (antologia). Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

8. Brasil-Portugal: difícil contacto.

“Que portugueses e brasileiros se desconhecem e ignoram cada vez mais, não pode haver dúvida nenhuma. Embora nos discursos e nos acordos se pretenda o contrário, a realidade grita que um oceano nos separa”. (João Alves das Neves. O Movimento Futurista em Portugal. 2ª ed. Lisboa: Dinalivro, 1987, p. 179). E isto talvez possa ser afirmado até à Contemporaneidade (exceções se verificam com relação às produções dos respectivos presentes, no campo da Música Popular, por exemplo, mas não apenas – porém, não o suficiente para poder desdizer o que acima se afirma), pois os olhos se voltam para centros hegemônicos (econômicos e culturais), desconhecendo, os portugueses, que há um Brasil que cresceu, mas que cresceu irregularmente e que vai além do universo folclórico, tencionando um lugar digno na chamada Cultura Ocidental, agora Global/Globalizada, não sendo, portanto apenas um país de proporções continentais, tão cheio de desigualdades e, por seu turno, os brasileiros não percebem a complexidade da Terra Lusitana, apesar de sua exiguidade territorial e de toda a herança, a partir do idioma, recebida e que Portugal esteve à frente da Europa, num certo momento – fins do séc. XIV, séc. XV, adentrando o XVI – tendo sido Lisboa a cidade mais cosmopolita existente no Mundo. Muita água rolou durante séculos e, apesar dos percalços, Portugal ainda conseguiu manter um império colonial (inclusive retomando parte do Brasil aos holandeses), ao qual emprestou uma coloração ímpar, tendo a destacar a traumática transferência da Corte para o Brasil e até a coroação do rei D. João VI, no Rio de Janeiro. Afora a chegada de portugueses durante o Brasil-Colônia, a Terra Brasilis continuou a receber os lusos, sendo fortíssima a sua presença na formação étnica e na cultura brasileiras. Há um certo peso sobre Portugal, que talvez seja motivo de vagareza, que é o messianismo, sob a forma de Sebastianismo, que perpassou séculos (desde a desaparecimento do Rei D. Sebastião, no Norte da África, em 1578) e chega ao século XX, e alimentado por ninguém menos que a exponencial figura de Fernando António Nogueira Pessoa, o Fernando Pessoa, Poeta maior. Hoje, não saberia dizer sobre o que há de residual desse “nacionalismo místico”, que acometeu o grande fazedor. Por seu turno, o Brasil, frente a um potencial natural notório e notável, e pelo fato não engrenar como deveria, graças mesmo às suas riquezas naturais, foi (e talvez ainda seja) assolado por uma crença altamente perniciosa de que é o País do Futuro, e a coisa fica como a espiga de milho dependurada por um fio numa vara e colocada à frente de um burrinho que, tentando alcançá-la, põe-se a andar, mas nunca a alcança! A crença num país que irá se realizar plenamente no futuro não deixa de ser uma espécie de messianismo. Bem, dedicar-se a exercícios de futurologia é um modo de andar às tontas, com a certeza de errar na mosca, como diria Paulo Miranda. O que de facto interessa é a labuta no presente! Da mesma forma que se reclama uma maior integração cultural Brasil-Portugal, se brada por uma maior vivência entre países da América Latina, incluindo o Brasil. Essas interações somente existirão de fato quando houver uma bem maior integração sob o aspecto econômico – daí, os bens culturais e os interesses mútuos nessas trocas terão voz e vez. Com os concretos e experimentais os messianismos não tiveram vez.

Obs. Em Orfeu 1, consta modestamente, poeticamente falando, o brasileiro Ronald de Carvalho, que aparecerá na Semana de 22, em São Paulo. Um trabalho de Tarsila do Amaral consta em Presença, importante revista lusa, nos anos 1920. O foco, porém, desde antes, mas durante o 1º Modernismo, sempre se centrou um pouco além, em França – Paris, principalmente.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

7. A tradução de textos poéticos como parte do projeto concretista

Nenhuma tradição poética é suficientemente rica para satisfazer a curiosidade de alguém que, de facto, ama a Poesia, a ponto de querer conhecê-la em profundidade. Nenhuma, seja em língua inglesa, francesa, alemã, russa, espanhola, portuguesa – nenhuma! Um leitor de Alemão, por exemplo, se quiser adentrar a Lírica, em profundidade, terá de recorrer à poesia grega, para nós, fundante, e deverá, portanto, penetrar os mistérios da língua de Safo, Alceu, Arquíloco e outros. Para quem não quer saber de nada que não seja entretenimento, bastará ouvir a poesia cantada das chamadas músicas populares (é espantoso o fenômeno de massa que se observa nesses mega-shows, no mundo todo, com as plateias cantando junto com os cantores, com as bandas, a ponto de impressionar poetas do universo erudito), que operam em vários níveis, geralmente abaixo da Poesia considerada Grande Arte. É tudo uma questão de repertório, procurar uma ou outra poesia, o que não impede alguém de alto repertório de gostar de “coisas menores” – que as há, há! Ezra Pound, uma das pessoas que melhor entenderam essa questão da necessidade de se visitarem as produções poéticas das várias tradições idiomáticas, escrevendo para um público anglófono, fazendo recomendações de leitura (ele que se preocupou com o poético e as futuras gerações, elaborando paideumas), disse, com uma espécie de “desprezo respeitoso”: para aqueles que só sabem inglês… O Português produziu grande poesia (uma das coisas que podemos tirar da teoria jakobsoniana de Funções da Linguagem, à maneira de corolário, é a de que todo idioma está apto a produzir poesia do mais alto nível), desde sempre e até se poderia dizer que Camões vale por toda uma Literatura. Poetas, em muitos momentos, ocuparam-se da tradução, para seus respectivos idiomas, de textos de outros poetas, de realidades idiomáticas várias. Por sugestão, por encomenda remunerada ou por puro gosto e a operação se constituía num desafio. Um poeta somente será excepcional, num único idioma: o idioma dentro do qual nasceu (não me lembro de exceções). Mesmo no caso de domínio de dois ou mais idiomas, o poeta se destacará num, e o idioma de escolha é ciumento e, portanto, exclusivista e não dará vez a outro, consumirá as energias poético-criativas do fazedor, deixando nada ou quase-nada para outro idioma. Sempre vem à mente o caso de Fernando Pessoa (1888-1935), que possuía grande domínio do inglês e dele se serviu tanto para a poesia como para a prosa, porém, sua Pátria foi a Língua Portuguesa – o grande Pessoa está em Português. E Pessoa chegou a realizar traduções de poemas, em que, além da extrema competência, em termos de idioma e das técnicas de versificação, possuía ousadia, a ponto de, em sua mais célebre tradução de poema – The Raven/O Corvo, de Edgar Allan Poe – subtrair da peça o nome da amada-morta, já que em inglês, o seu (dela) nome rima com a expressão-chave, o que não seria possível no Português: Lenorenevermore e considerando perfeita ritmicamente a tradução literal de nevermore por nunca mais. Bela tradução, possui momentos de ápice, como o verso, da última stanza: And his eyes have all the seeming of a demon’s that is dreaming: Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha. A mesma subtração em Annabel Lee! No Brasil, Manuel Bandeira (1886-1968), também um modernista da 1ª geração, que traduziu de tudo, realizou algumas ótimas traduções. Porém, isto de traduzir poemas não entrou para os citados poetas como um projeto que integraria com força suas atividades enquanto criadores, diferentemente do que veio a ocorrer, depois, com os componentes do Grupo Noigandres: Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, mas principalmente os irmãos Campos, que colocaram a tradução de textos poéticos como preocupação tão importante como a produção de obra própria. O mesmo não se observa entre os experimentais históricos de Portugal – isto não quer dizer que não tenham traduzido, incluindo, aí, os da 3ª geração de experimentais. Vejamos o que perguntei a Melo e Castro, tendo em consideração a grande cultura dos poetas e o facto de serem, em sua maioria, poliglotas:

Eu: – Houve, de sua parte, interesse na tradução de poesia para o Português, com a intenção de formar um paideuma, como aconteceu com os concretos no Brasil? (e-mail em 14.07.2014)

Melo e Castro: – Não. Eu costumo até dizer que não tenho a “Musa tradutória”! A  preocupação a que se refere não existiu também em nenhum dos poetas experimentais portugueses… talvez até porque as magníficas traduções do Haroldo e do Augusto de Campos nos satisfaziam completamente, enriquecendo a língua portuguesa! (e-mail em 18.07.2014)

No caso brasileiro, a coisa foi diferente: houve desde o início da amizade entre Décio Pignatari e os irmãos Campos, uma grande ambição: a de formar um corpus mínimo e máximo, em Português, daquela que consideravam a melhor poesia produzida no mundo, em qualquer tempo, ou seja, elaborar um paideuma, como o entendeu Ezra Pound (um conjunto mínimo de poemas com o máximo de informação poética e que teria como finalidade a educação das novas gerações, facilitando-lhes o trabalho de garimpagem). Pound foi, portanto, o grande mentor intelectual e poético dos componentes do Grupo Noigandres, a começar pela denominação “Noigandres”, extraída de citação do Canto XX do poeta estadunidense que, por sua vez, a detectara em poema do trovador provençal Arnaut Daniel. Por outro lado, Pound não esteve no centro de cogitações dos poetas experimentais portugueses, muito embora cultíssimos; porém, algumas ideias lançadas pelo Bardo chegaram às suas práticas poéticas. Dúvida não há quanto a Mallarmé e James Joyce (por ocasião do centenário de nascimento de Joyce – 1982 – foi publicado um volume de um modo mais ou menos precário, porém, obra preciosa: não traduções de textos do irlandês, mas textos/poemas motivados por ele; participaram do trabalho: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão e Alberto Pimenta – Joyciana. Lisboa: & etc, 1982). Poesia: obviamente o melhor é lê-la no original, o que restringe a possibilidade de muitos. Daí é que entra a tradução interlingual como um expediente que viabiliza um processo comunicacional verbal. E por penetrar nas estruturas dos idiomas, a tradução implica uma operação metalinguística. Muito já se falou sobre os problemas da tradução de textos poéticos, por não se tratar de um problema meramente técnico, mas principalmente artístico. Ao invés de simplesmente se aceitar a máxima “traduttore traditore”, ou de concordar com Robert Frost, que “poesia é aquilo que se perde na tradução”, pensar a tradução de textos poéticos como uma “categoria da criação”. Ou seja, tentar transpor um texto poético, encontrando equivalências morfo-semânticas na língua de chegada. Augusto de Campos (li certa vez, na introdução dum livro português, que trazia traduções de Bertolt Brecht, o seguinte: “Augusto de Campos, o maior tradutor de poesia da Língua Portuguesa, de todos os tempos”. Grande elogio veio, também, de Paulo Miranda, que disse, depois de ler uma sua tradução de um dos franceses de linha coloquial-irônica: “Não gostei da tradução francesa!”) que, a partir de um certo momento – ele que sempre tomou o exercício de tradução de poemas como uma de suas facetas de criador/poeta – já não utiliza a expressão “re-criação”, como era de costume entre os concretistas tradutores, mas “tradução-arte”. É claro que o melhor tradutor de poemas será um poeta que, às vezes, se descobre poeta durante o percurso. E o tradutor-poeta, obviamente deverá dominar a tecnologia do verso, senão como poderá traduzi-los a contento? De bons versos na língua de partida, entregar bons versos na língua de chegada – Augustus dixit. Grande tradutor também, o irmão Haroldo de Campos foi nosso maior teórico da tradução de poesia, com muitos textos importantes, destacando-se entre outros, também excelentes, o “Da tradução como criação e como crítica”, dos anos 1960 (1962, que teve várias edições, mas que veio a integrar Metalinguagem). E, posteriormente, Haroldo de Campos cunha o termo “transcriação” para nomear a criação da criação, ou seja, aquilo que ele entendia como a tradução de poesia. O poeta-tradutor-ensaísta coloca que o texto traduzido deve ser autônomo e recíproco, o que significa que o texto deve ele-mesmo ser uma obra de arte (partiu-se de uma obra de arte, o poema, e se chegou a outra obra de arte) e trazer consigo a memória do original que o motivou. Quanto maior for a dificuldade apresentada pelo original, mais instigadora será a tarefa, diz ele. Entre as complementações, pelo próprio Haroldo de Campos, temos que a “lei da compensação” deverá sempre acompanhar o tradutor em seu exercício: o que se perde num lugar, ganha-se noutro. Não à toa temos, no Português, um Maiakóvski magnífico, trabalho dos irmãos Campos, em boa parte assistidos por Bóris Schnaiderman. Conta-se que o poeta russo, nascido na Geórgia, era monolíngue, ou seja, sabia apenas russo, mas emitia juízos sobre traduções, dizendo isto está bom, aquilo está mau e é compreensível: se em russo o texto estava bom era porque a tradução estava bem feita. Mallarmé, Pound, Cummings, Carroll, Joyce, Dante, Arnaut Daniel, John Donne, e tantos outros estiveram no centro dos trabalhos de tradução dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e este, que teve como última empreitada a tradução integral da Ilíada de Homero (assistido pelo helenista Trajano Vieira), apaixonado por línguas e pela Poesia, ainda tencionava aprender o árabe, para poder penetrar o universo de sua poesia. Vejamos como re-criou em Português, Augusto de Campos, poema de Lewis Carroll (de Através do espelho):

Jaguadarte

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

“Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Felfel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassurra!”

Ele arrancou sua espada vorpal
E foi atrás do inimigo do Homundo.
Na árvore Tamtam êle afinal
Parou, um dia, sonilundo.

E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo,
Sorrelfiflando através da floresta,
E borbulia um riso louco!

Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante!
Cabeça fere, corta, e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.

“Pois então tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!”
Ele se ria jubileu.

Era briluz. As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Afora os Campos, em termos de tradução de Poesia, entre as gerações mais novas de criadores intersemióticos, ninguém esteve interessado em formar um corpus substancioso, com a finalidade de termos uma reserva poética para as novas gerações de não iniciados e/ou iniciantes nas coisas da Poesia. Porém, alguns encararam a tradução poética como um desafio, vendo-a como uma categoria da criação, trabalhando mais ou menos, nesse afazer, como, nos anos 1970, Luiz Antônio de Figueiredo e de duas décadas para cá André Vallias, sendo o empenho deste, considerável e com ótimos resultados. Alguns outros, de raro em raro, apresentamum trabalho, como Aldo Fortes e Omar Khouri. Vejamos um epigrama de Marcial, poeta latino do século 1 dC, por Luiz Antônio de Figueiredo, com a colaboração de Ênio Aloísio Fonda:

Corre o rumor, Quione: nunca foste fodida,

e nada mais puro existe que tua cona.

Nessa parte (por vestes velada) nem te lavas.

Se é pudor, desnuda a cona e vela a face.

 Das minhas poucas incursões nesse território da tradução, por puro amor e resposta a desafios, fiz algumas poucas traduções do Grego Antigo e uma do Latim. Ouso publicar a tradução de um verso (330) de Eurípides, de sua tragédia Medeia, que me havia impressionado, e em que quis conservar algo do grego original, como a não necessidade do verbo ser, que fica subentendido, e um arranjo tal, que nem se assemelha a uma descontextualização, que o foi, de facto.

Dores, dores!

Pra os mortais, grande mal:

Amores.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz