9. Revistas de Invenção/Experimentais: participações. Antologias.

Contactos poéticos/artísticos entre Brasil-Portugal-Brasil (já sabemos), pelo menos a partir do século XIX, estiveram abaixo do que seria de se esperar – isto quando se trata de ações presentes em que trocas e influências mútuas poderiam vir a ocorrer (não estou a considerar aqui os casos de artistas portugueses que se radicaram no Brasil, tais como Joaquim Tenreiro, Fernando Lemos, Arthur Barrio, António Manuel, ou mesmo Vieira da Silva, exilada no País, com o marido Arpad Szenes, nos anos 1940). Penso que as coisas são como são e, forçar contactos, seria algo fora de propósito. Reclama-se, também, do pouco contacto do Brasil com os demais países da América Latina, achando que deveriam ser mais intensos e perceptíveis. No campo da Música Popular, nem é preciso falar, porque as coisas acontecem, mesmo! Em outros campos, a mesma elite artística e intelectual que não faz contacto (há exceções) é a que consome os produtos culturais, como a literatura, por exemplo, mormente quando passa a haver uma certa distância no tempo. Contactos há quando têm de haver, muito embora, existam aqueles que, se dependêssemos deles, teríamos um verdadeiro dirigismo artístico. Nada pior do que colocar cabresto no mundo da arte. Apesar de tudo, as coisas estão a acontecer, assim como estiveram. Porém, considerando Brasil e Portugal como países com tanta coisa em comum, é de se estranhar tanta distância com poucos momentos de aproximação. Vejamos, em momento bem determinado da história recente da poesia, os contactos que vieram a acontecer, em termos de publicação em revistas de invenção, como são identificadas no Brasil ou experimentais, como preferiram os portugueses.

Brasil. Em Noigandres (1952-1962), apenas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos e, a partir da de nº 3, onde já aparece o subtítulo “poesia concreta”, entra Ronaldo Azeredo. José Lino Grünewald, apenas participa na de nº 5: “do verso à poesia concreta”. Grande abertura já se verifica na página “Invenção” do Correio Paulistano, o que se verificará também na revista Invenção (1962-1966-67), a partir da de nº 2 (a 1ª trouxe apenas 2 ensaios: de Cassiano Ricardo e de Décio Pignatari). Em Invenção 2 (2º trimestre de 1962) há a participação do poeta português Jorge de Sena (1919-1978) que, na ocasião, estava exilado no Brasil, onde lecionou por alguns anos (Assis, Araraquara), sendo que sua entrada se deve a Augusto de Campos, que o conheceu no Congresso de Crítica e História Literária de Assis, em 1961 – participa com 4 Sonetos a Afrodite Anadiómena. Aquele tipo de produção, não era bem o que a revista – que trazia o subtítulo de “revista de arte de vanguarda” – esperava, mas os “sonetos” foram publicados. De qualquer forma, os referidos textos possuíam qualidade inegável. Em Invenção 3 (junho de 1963) aparece o poema Monumento, de E. M. de Melo e Castro, peça constante de Ideogramas, obra publicada pelo poeta, em 1962. E, na secção “Móbile” de Invenção, à página 79, o livro é noticiado e comentado. Em Invenção 5 (1966-67), na secção “Móbile”, páginas 112 e 113: Melo e Castro e a carta (1962) ao Times Literary Supplement e um longo relato sobre o experimentalismo em Portugal – atividades, exposições, publicações. Invenção encerra suas atividades com o 5º número, momento em que já se vivia no Brasil uma ditadura militar, sendo que o pior estava por vir em dezembro de 1968. A Poesia Concreta brasileira, enquanto grupo organizado, mesmo com a evolução que se observou a partir de 1960, termina aí, muito embora o Concretismo poético continue o seu curso até bem mais além, assim como a denominação “Poesia Concreta” – poucos grupos de vanguarda tiveram duração tão longa e com um núcleo coeso e amigo, que durou até à morte da maioria. Além de o Grupo Noigandres ter incorporado Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, mais dois poetas, praticamente da geração dos modernistas históricos, passaram a integrar a equipe: Pedro Xisto de Carvalho e Edgard Braga. Hoje, Augusto de Campos é o único sobrevivente e, aos 84,5 anos, continua atuante como poeta, tradutor-recriador e ensaísta (não são mencionados, aqui, poetas viventes que passaram pelo Concretismo, com realizações notórias, tendo participado da Exposição Nacional de Arte Concreta, 1956-57, em São Paulo e no Rio de Janeiro, como Wlademir Dias-Pino, um dos criadores do Poema-Processo, nos anos ‘60, e que continuou experimental, e Ferreira Gullar, que rompeu com o Concretismo paulista, instaurando o Neoconcretismo e, depois, afastando-se dos processos de experimentação e, hoje, membro da Academia Brasileira de Letras – de qualquer modo, históricos. Em outras artes, vivem: Judith Lauand, pintora, e o músico Gilberto Mendes, nonagenários. Em âmbito internacional, os viventes nonagenários: Pierre Boulez, músico, e o co-fundador do Movimento da Poesia Concreta Eugen Gomringer. O poeta experimental português E. M. de Melo e Castro, octogenário, em plena atividade, vive em São Paulo de Piratininga, Brasil – para falar apenas de “históricos” que passaram dos 80 anos). Alguns poetas, temporariamente experimentais / concretos, passaram pela página, no Correio Paulistano e pela revista Invenção e, depois, afastaram-se, com ou sem conflito. Adesões temporárias também aconteceram em Portugal: breves participações nas hostes vanguardistas. O experimentalismo luso não veio a formar um grupo, propriamente, com um projeto rígido, mesmo que temporário, como aconteceu em outros lugares, inclusive no Brasil, com o Grupo da Poesia Concreta, implicando renúncia de um projeto meramente individual, em prol do coletivo, do Grupo. Houve, em Portugal, apenas a aproximação de pessoas, por afinidade de propósitos, sem sectarismo, propriamente. No caso do Brasil e dos concretistas, mesmo os manifestos foram, em sua maioria, assinados por um só integrante, embora se detectasse coerência nas propostas todas. Poucos manifestos tiveram as assinaturas dos três iniciantes do Grupo: o mais famoso teve: Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Por outro lado, os poemas foram sempre individuais, embora tenha havido trabalhos “em colaboração”. Já na página “Invenção”, e também na revista do mesmo nome, é óbvia a busca do apregoado internacionalismo.

Portugal. Brasileiros nas publicações experimentais portuguesas do 1º momento: Poesia Experimental 2 (1966): poemas de Pedro Xisto e Edgard Braga, e o fragmento inicial de Galáxias, de Haroldo de Campos, e em Operação 1 (1967): Pedro Xisto de Carvalho (1901-1987), com 4 Epithalamia, trabalhos que o celebrizaram no âmbito de uma poesia gráfica e que já haviam sido publicados em Invenção 5, juntamente com outros 4 (Logogramas). Em 1969, em Hidra 2: Nei Leandro de Castro (1940-) poeta potiguar, pertencente ao Poema-Processo, comparece com Desmontagem do NU, em três folhas soltas, num contexto de grande arrojo. O desejo de internacionalismo é evidente nas publicações coletivas do experimentalismo português.

A impossibilidade de montar uma estrutura, de facto, de publicação periódica, praticamente ditou o fim de revistas de invenção/experimentais, tanto no Brasil, como em Portugal. E no Mundo todo, pode-se dizer. No Brasil, houve tentativas e até se contou com editores, que foram mais distribuidores de publicações, cujos custos eram cotizados entre os participantes ou eram bancados por um dos componentes. Essa coisa de financiamento pelos próprios criadores também aconteceu em Portugal, sendo que patrocínios foram raros.

Três importantes antologias de Poesia Concreta foram publicadas nos anos 1960, todas elas no mundo anglófono (Reino Unido e Estados Unidos da América): organizadas por Stephen Bann (Concrete Poetry: an international anthology. London: London Magazine Editions, 1967), Emmett Williams (An Anthology of Concrete Poetry. New York: Something Else Press, 1967) e Mary Ellen Solt (Concrete Poetry: a World View. Bloomington: Indiana University Press, 1968). Stephen Bann traz longa introdução. A antologia se inicia – Parte 1 – com Eugen Gomringer e outros de língua alemã. Brasileiros comparecem na Parte 2: Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald, Pedro Xisto e Edgard Braga. Na Parte 3, os de língua inglesa. Ausência de poetas de Portugal, que também se encontram ausentes da antologia de Emmett Williams que traz, além dos brasileiros já citados, Wlademir Dias-Pino e Luiz Ângelo Pinto. Emmett Williams privilegia o italiano Carlo Belloli (que foi casado com a escultora brasileira de linha construtiva Mary Vieira), uma espécie de tardo-futurista e que, não tendo qualquer papel para o nascimento da Poesia Concreta, apresenta interessantes poemas com destaque para a parte gráfica, com datas bem recuadas. Já Mary Ellen Solt, traz uma longuíssima introdução, em que percorre países, rastreando origens: Suíça, Brasil etc. Traz algumas linhas dedicadas a Portugal: menciona a passagem de Décio Pignatari pelo país, em 1956 e a antologia Poesia Concreta, de 1962. Cita E. M. de Melo e Castro e Salette Tavares, os quais comparecem na antologia: Melo e Castro com Monumento e Salette Tavares com Aranha. Brasileiros presentes: Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Luiz Ângelo Pinto, Edgard Braga, José Lino Grünewald, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo e José Paulo Paes. Muitas outras antologias internacionais ou mesmo nacionais viriam depois.

Em 1973, foi publicada a Antologia da Poesia Concreta em Portugal, organizada por José-Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (Lisboa: Assírio & Alvim). Traz uma elucidativa introdução sobre as origens da poesia concreta/experimental em Portugal, assim como suas fontes e rumos tomados até àquela data (inícios dos anos 1970), estampando poemas de 14 poetas com produção que poderia, pelo menos em parte e/ou temporariamente ser classificada como concreta, ou com visualidade como elemento estrutural. De Ana Hatherly, Melo e Castro, António Aragão e Salette Tavares, passando por Herberto Hélder e Alexandre O’Neill, a Alberto Pimenta e Silvestre Pestana, constam com mais ou menos páginas. Ao final, há uma entrevista com Haroldo de Campos, feita por Melo e Castro, quando da passagem do poeta brasileiro por Portugal, pouco tempo antes – fala-se, nessa entrevista, mais do geral do que da Poesia Concreta na Terra Lusitana, propriamente. Uma antologia geral da Poesia Concreta, no Brasil, demoraria a sair e, assim mesmo, de modo insatisfatório. Está, aí, algo a ser pensado e viabilizado.

Obs. Em época mais recente, Fernando Aguiar e Jorge Maximino organizaram uma antologia internacional em que, ao lado de poetas experimentais portugueses (desde os “históricos”) e de outras nacionalidades, constam os brasileiros: Arnaldo Antunes, Avelino de Araújo, Joaquim Branco, Paulo Bruscky, Rodolfo Franco, Artur Gomes, J. Medeiros e Hugo Pontes. Publicação “associada à Bienal Internacional de Poesia do Douro e Vale do Côa – 2002, na qual os imaginários de ruptura servem de tema genérico.” F. Aguiar e J. Maximino org. Imaginários de ruptura: poéticas visuais (antologia). Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto Faculdade de

Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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