10. Poesia: em busca do ouro: primeiras edições de Poesia Experimental Portuguesa etc.

Poesia é “artigo” que pouco se vende e o poeta é um ser que não pode/não consegue viver daquilo que melhor faz: seus poemas, sua poesia (daí, talvez, carregar consigo a obrigação do risco – a não ser que seja o “poeta da corte” ou que venha a ter sucesso como letrista de canções populares. Poesia somente “dá dinheiro” quando, facilitada e utilizando recursos os mais vulgares que se conhecem, como o tema “amor” com todas as suas nuances, e rimas – adivinháveis – e refrões, é musicada baratamente, e é tocada no rádio e alimenta os mega-shows. Aí, sim, pode render até milhões. De quando em quando, algo um pouco melhor, no âmbito da música popular, e é o que irá vender menos). Não é de se estranhar que editores relutem em publicar, arcar com o ônus pecuniário de um livro que abriga poemas e que, certamente, não terá um comércio apreciável. Poemas! E, no entanto, as sociedades têm o maior orgulho de seus poetas, os mortos (quase-sempre). A grande poesia – que continua a existir, diga-se – é difícil, indigesta, obriga a operações mentais cansativas e, por isto mesmo, quase não tem público. Edições de livros de poesia, pelo menos no âmbito da Língua Portuguesa são pequenas (a não ser daqueles valores consagrados, que constam das antologias escolares ou que, no caso do Brasil, são parte do programa dos vestibulares para ingresso nas universidades, mormente o da USP: daí, mega-edições a baixo-custo, já que há um público comprador certo), ao passo que a prosa pode chegar ao status de best-seller (certa vez, eu, ao telefone com Décio Pignatari, falava, a propósito de uma adaptação para cinema, de um desses best-sellers e tentei abordá-los, no geral – fosse um filme brotado de uma obra literariamente importante eu diria, com Jakobson, não adaptação, mas tradução intersemiótica. Bem, Décio, sem muita paciência e para encerrar a conversa, disse-me, enérgico: – Omar, best-seller não é bem Literatura!). Exceções há, e o caso Pessoa (Fernando Pessoa 1888-1935) é bem ilustrativo disto. Além de grande e prolífico fazedor, Pessoa acabou, ele-mesmo, tornando-se uma lenda e todo um folclore foi criado à sua volta e a sua poesia (não somente) tem sido consumida, nem digo fruída, por uma multidão de leitores, que geralmente procuram conteúdos e incursões pensamentais elucubrativas, sem por um minuto pensar o que faz daqueles textos algo tão especial (o Poeta foi exímio nas incursões logopaicas, melopaicas e até fanopaicas, para ficarmos com Ezra Pound). Pessoa, no Brasil é unanimidade: entre os alfabetizados que leem poesia (Décio Pignatari diria: pelas “minorias de massa”), transita entre toscos e sofisticados, mas transita, a ponto de poder ser apreciado quando declamado em shows de música popular. Em Portugal, Pessoa se avoluma: edições sucessivas de seus escritos (era um compulsivo escrevedor, com um nível elevadíssimo). E livros sobre ele, penso que não haja semana em que não apareça algo novo e geralmente tentando penetrar o mistério Pessoa. É espantoso o fenômeno! A rigor, Fernando Pessoa não poderia ser chamado de inventor, considerando aqui aquela classificação de escritores elaborada por Ezra Pound (1885-1972), um seu contemporâneo. Seria um mestre, é um Mestre, já que como poeta, operou com versos, sem atentar contra a sua integridade – fossem livres ou não – muito embora tenha em suas práticas, em certas peças, o uso abusivo do enjambement, o que causa estranheza num leitor comum de poesia. Mas, a genialidade de Pessoa está justamente na multiplicidade configurada com a sua heteronímia, aliada a um qualitativo hors concours. Daí, pode ser considerado um inventor (embora não tenha inventado a heteronímia). Ficou difícil dizer algo poeticamente depois de Pessoa. Ficou mais difícil ser poeta-maior depois do Bardo. Em Portugal, os poetas, de 1960 para cá, digamos, queixam-se de editores que relutam em editar os seus livros, e falam em dificuldades para consegui-lo (somente para lembrar: 2ª metade do século XIX, Cesário Verde esbravejando em seu poema Contrariedades, contra aqueles que não o publicavam – pobre/rica Poesia!). E isto pude notar quando, frequentando grandes e pequenas livrarias em Lisboa, dificilmente encontrava obras dos poetas experimentais, até aquelas que foram editadas em outros momentos por editoras estabelecidas, dentro do sistema editorial. No Brasil, os “históricos”, quase todos, têm suas obras poéticas editadas e encontráveis em livrarias, mas somente a partir de meados dos ’70, em Portugal, obras dos “históricos”, quase-todas, se esgotam e não têm tido reedições. Daí é que, contrariando o que seria de costume, passamos a procurar as obras nos sebos, nos alfarrabistas. Conversando com Melo e Castro sobre isto e o Poeta abordando a questão com naturalidade, cheguei a afirmar ser paradoxal essa faina, o que em verdade não chega a sê-lo, já que nessas livrarias de livros usados (porém nem sempre) encontra-se tudo o que já passou por outras mãos, há muito ou pouco tempo. Lembrei-me do livro Soma (1963), de Edgard Braga (1897-1985), uma joiazinha que eu sempre quis ter e que somente anos após a sua morte pude encontrar em São Paulo, num sebo, aos montes e a preço tão baixo, que adquiri 15 exemplares, com os quais fui, ao longo dos anos, brindando os amigos. Penso que toda a biblioteca do velho Braga, médico-obstetra e poeta, tenha sido vendida a preço de nada. Pude comprar inúmeros livros, desde os primeiros, parnaso-simbolistas, até o mencionado Soma – quadradinho, com projeto gráfico de Décio Pignatari – além de livros de medicina, propriamente. Livros são a pior herança que se pode deixar para os familiares: não será jamais um prêmio, mas um encargo, do qual irão se livrar na primeira oportunidade. Bibliotecas têm a feição daqueles que as formaram e, por isto mesmo, têm-na em alta conta. Os outros, não. Daí, que é melhor destinar os livros a uma instituição. Mas o que acontece é que, geralmente, sabendo da importância da edição, os livreiros exorbitam nos preços. É claro que o lugar exato para se procurarem essas edições para consulta seria uma grande biblioteca e, em Lisboa, nenhuma melhor que a Biblioteca Nacional. E foi lá que pude ter acesso a publicações que se tornaram raridade, na edição original ou em cópia digitalizada, ou mesmo edição fac-similada. Porém, algumas outras, dentre as constantes do catálogo, ainda não estavam disponíveis. Somando-se a isto o fato de existirem muitos alfarrabistas no centro da cidade, passei a frequentá-los. Mesmo nos sebos, é difícil encontrar obras dos experimentais históricos e, quando encontradas, a dificuldade será pagar o que se pede por tais obras. Mesmo assim, adquiri umas poucas, não tão raras, pois edições como as das revistas, estas tinham preços estratosféricos. Estive na Letra Livre, Calçada do Combro e encontrei textos metalinguísticos de Melo e Castro, acessíveis. Já outras obras, não pude adquirir. Ainda na Calçada do Combro, a livraria Ecléctica, onde, ao mencionar Melo e Castro, senti que havia uma grande familiaridade com relação ao autor. O rapaz que me atendeu mostrou-me algumas obras (3, depois, adquiri) e prometeu falar com o pai, o proprietário, que era amigo de Melo e Castro. Em outro dia, cheguei à livraria e já havia, em exposição, raridades da Poesia Experimental Portuguesa: Operação 1, Hidra 1, Hidra 2, Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de 24 de janeiro de 1965 e algumas obras de autores vários. Fiquei maravilhado com o que vi e assustado com os preços que ouvi. Não só o Sr. Alfredo Gonçalves era amigo de Melo e Castro, como o Poeta havia vendido a ele, acho que parte de sua biblioteca, e sabia do valor daquele material. Conversei, conversei e perguntei, dada a impossibilidade de adquirir aquelas publicações, se poderia ir até lá para consultá-las, com todo o cuidado, ao que ele concordou. No dia seguinte, lá estava eu, com caderno de notas, régua e caneta para efetuar a pesquisa, e a fiz! Depois, considerei-me o maior cara-de-pau, mas fui e fiz. Sou imensamente grato ao livreiro que, no mais, deu-me muitas preciosas informações sobre publicações e Poesia Experimental, especificamente. Isto tudo me faz lembrar de uma Livraria e Editora de São Paulo, que não era alfarrabista e que já nem mais existe: a Duas Cidades, ali na Rua Bento Freitas, Centro, com aquelas moças, Maria Antônia à frente, que entendiam de livros, como poucos: atendiam bem, sabiam o que estavam a vender, davam informações, faziam sugestões quando solicitadas e até eram capazes de indicar a concorrente quando um certo título não estava ali disponível. Deixar algo em consignação na Duas Cidades, era certeza de correcção no acerto – não apenas aceitava em consignação as publicações da Nomuque, como, em 1977, distribuiu nacionalmente as Artérias 1 e 2, além de outras publicações da mesma estirpe e, o mais notável, fez reedição do Teoria da Poesia Concreta, editou comercialmente a poesia de Décio Pignatari – Poesia Pois É Poesia – e a de Augusto de Campos – Viva Vaia – e chegou a publicar 3 números de uma revista que, dentro do sistema editorial brasileiro, foi a mais arrojada, com um notável time de colaboradores: Através. Hoje, muitas livrarias, do mundo todo, possuem cadeiras confortáveis para que os seus clientes (ninguém mais fala “fregueses”) possam examinar livros e outros tipos de publicação (e muitos chegam a ler, em várias “sessões”, volumes inteiros), somente falta uma mesinha para que possam realizar as suas pesquisas. Auguri!

Obs. Devo ter, em minha pequena biblioteca particular, em São Paulo, umas 10 ou 12 diferentes edições do Mensagem de Fernando Pessoa, livro publicado em 1934 e, pelo qual, não obteve o 1º lugar num concurso. É um livro que se apresenta completo, redondo, embora poemas tenham sido escritos em épocas diferentes. Propõe-se como um épico, épico possível em seu tempo, um épico sem movimento, composto de quadros estáticos, como na galeria de um museu, mas, que quadros! José Augusto Seabra disse tratar-se de uma obra pan-genérica. Dá para entender. A excelência das peças que o compõem faz até com que a riqueza semântica, que remete a ocultismo, numerologia, messianismo, nacionalismo místico etc, seja negligenciada. É coisa de Mestre. É possível lê-lo em 1 hora e 20 minutos… e ficar a retomá-lo a vida toda. Pude consultar a edição de 1934 (único livro de poesia em português publicado por Fernando Pessoa, ele-mesmo), na Biblioteca da Faculdade de Letras da USP, há mais de 20 anos. Procurei-o, cá em Lisboa, num sebo, ao que obtive como resposta que é raro aparecer um exemplar e, caso apareça, terá um preço proibitivo. Comprei uma edição fac-similada. Um dos mais belos livros de Poesia do século XX.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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