2. Antologias de Poesia Brasileira, em Lisboa: 1960 e 1962

Num texto de 1977, em que faz a apresentação da Poesia Experimental portuguesa presente na XIV Bienal de São Paulo, E. M. de Melo e Castro afirma: “Dois acontecimentos antecedem o aparecimento em Portugal de manifestações originais da Poesia Experimental: primeiro, a rápida visita a Lisboa de Décio Pignatari em 1956 (sem resultados significativos) após o seu já histórico encontro com Gomringer; segundo, a publicação em 1962, pela Embaixada do Brasil em Lisboa, de uma pequena mas excelente compilação da Poesia Concreta do Grupo Noigandres – São Paulo – Brasil (ano em que eu próprio publico IDEOGRAMAS, reunindo poemas de 1961).” (A Poesia Experimental Portuguesa. Catálogo da representação portuguesa na XIV Bienal de São Paulo. São Paulo, 1977. Apoio: Fundação Calouste Gulbenkian). Já tratei da visita de Décio Pignatari à Capital Lusitana, tentando compreender o (não-) alcance do que deixou registrado em forma de depoimento. Agora, debruço-me sobre antologias de poesia brasileira vindas a público na Terra de Fernando Pessoa. No ano de 1962, em Lisboa, é publicada uma antologia de Poesia Concreta brasileira – Poesia Concreta (Lisboa: Serviço de Propaganda e Expansão Comercial da Embaixada do Brasil, 1962.) – na Biblioteca Nacional de Portugal, pude consultar o livro, digitalizado, o que não permitiu que o exame da publicação fosse mais completo. Demorou para acontecer algo semelhante no próprio Brasil e, mesmo assim, quando aconteceu, aconteceu precariamente: uma antologia de Poesia Concreta que não fosse bancada pelos próprios poetas, mas por editora integrante do mercado de livros. Essa referida antologia de 1962 veio a lume graças aos esforços do então Secretário da Embaixada do Brasil na Capital Lusa, o poeta, escritor e diplomata Alberto da Costa e Silva. Novamente, vislumbro uma melhor elucidação desse processo cultural, quando puderem ser estudadas as trocas de correspondência que, de facto, existiram entre os irmãos Campos e o diplomata antologista. Essa publicação foi precedida por outra mais geral, que se constituía num alentado volume, também organizada por Alberto da Costa e Silva: A Nova Poesia Brasileira (Lisboa: Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Lisboa, 1960), com 287 páginas. Pude consultar a edição original na mesma Biblioteca Nacional. Não consta do volume, como seria de se esperar, um estudo crítico introdutório por parte do organizador, que reuniu poemas de poetas do Brasil, de 1940 a 1960, chegando quase a 100! – se não incorri em erro, contei 99. Logo de início, Fanor Cumplido Júnior (pertencente ao Corpo Diplomático brasileiro em Lisboa, um Adido Comercial), em espécie de preâmbulo, pede desculpas pelos excluídos, mas não julgados, e os enumera, e os nomeia – a maioria, hoje, no Limbo da Poesia. Daí, entra-se nos contemplados com mais ou menos páginas (João Cabral de Melo Neto, valor altamente reconhecido, mas relativamente jovem – 40 anos de idade, então, ganha 14 páginas), dependendo de sua importância, já naquela época: uma verdadeira multidão, em que Gregos, Persas e Troianos são acolhidos e se sucedem no volume, em ordem alfabética de prenome. Este, o excesso, é um dos maiores pecados de todas as antologias de contemporâneos, pois, não tendo tido tempo suficiente para amadurecimento de juízo, como, de facto, avaliar? Coloca-se o máximo possível de autores, bem porque estão vivos e poderão reagir, de algum modo, caso não compareçam na compilação. Parodiando Mallarmé: Nossos contemporâneos são nossos piores juízes, mesmo quando falam bem de nós. Ou, como falaria a Pítia: O Futuro lhes fará justiça (elevando ou rebaixando, não se sabe – o que der, estará de acordo). A grande maioria, dentre os contemplados, o tempo relegou, por um motivo ou outro, ao esquecimento, alguns ainda são lembrados, porém, poucos, de facto, tornaram-se grandes nomes da Poesia Brasileira e mesmo internacional, como João Cabral de Melo Neto, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, José Paulo Paes, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald e outros poucos dos que lá estão. Mas, no caso específico dos poemas concretos, passaram, com todas as suas diferenças e peculiaridades, por um “tratamento” tipográfico (não-intencional, por certo) que anulou o que havia neles de notável e passaram acho que despercebidos. A falha, aí, deve ter sido de quem cuidou do planejamento gráfico – consta: “Orientação Gráfica de Manuel Motta Cardoso” que, certamente, não percebeu o quanto era importante a tipografia e a Gestalt dos textos concretistas, sendo que os poemas da fase dita ortodoxa ou heroica, anos 1950 em sua 2ª metade, utilizaram um tipo futura extra-bold, com predomínio da caixa-baixa. A antologia-omnibus, não tira os méritos de divulgador de Alberto da Costa e Silva, mas deu uma ideia incorreta da qualidade da poesia brasileira produzida de 1940 a 1960, apresentando uma avalanche verbal tediosa, que exigiria um árduo trabalho de garimpagem. Ao final do volume (de boa aparência gráfica), dados biográficos e o índice. Sendo o meu objeto de estudo a visualidade em poesia, obviamente preocupei-me com a Poesia Concreta que aparece na antologia, que pertence a um momento de clara transição dos integrantes do Grupo Noigandres, que já havia agregado aos três primeiros (os Campos + Pignatari), Ronaldo Azeredo, desde a revista Noigandres 3 e mais José Lino Grünewald e que estavam empenhados, com projeto mais aberto, em publicar semanalmente a página “Invenção”, no jornal Correio Paulistano. Porém, o grande mérito de divulgador de Alberto da Costa e Silva, em termos de Poesia Brasileira, foi justamente o volume supra citado de 1962, cuja publicação, em Lisboa, é considerada por E. M. de Melo e Castro, como vimos, o marco inicial do experimentalismo na poesia portuguesa, ou seja, o volume trouxe informação fundamental para os jovens poetas, sedentos justamente de experimentação, mesmo já havendo, na poesia lusa, antecedentes a serem considerados. Nesse mesmo ano de 1962, Melo e Castro publica o seu Ideogramas, livro em que constam 27 poemas, que podem ser considerados “concretos” e que terão enorme repercussão em Portugal. (Melo e Castro. Ideogramas. Lisboa: Guimarães Editores, 1962. Coleção “Poesia e Verdade”). O autor, certamente, dada a sua formação de engenheiro têxtil, sentiu as afinidades existentes com relação ao racionalismo dos componentes do Grupo Noigandres, principalmente com Haroldo de Campos. Por outro lado, na expansão da poética concretista pela Europa, Melo e Castro veio a desempenhar importante papel, a partir daquele mesmo ano. Falemos, então, da antologia Poesia Concreta, organizada, como já foi colocado, por Alberto da Costa e Silva. O nome do organizador não aparece na publicação, que tampouco contém estudo crítico introdutório ou um prólogo – traz, isto sim, o plano-piloto para poesia concreta, sem o post scriptum de 1961 (afirmação de Vladímir Maiakóvski de que, sem forma revolucionária não há arte revolucionária – resposta que os concretistas davam a seus detratores, que os acusavam de formalismo e alienação). Constam, no volume, poemas de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald, Manuel Bandeira, Marcelo Moura, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo, e Wlademir Dias-Pino. Manuel Bandeira (1886-1968) acolheu simpaticamente a Poesia Concreta e, tomando aquilo como um modo, chegou a realizar (criticamente) alguns poucos poemas, porém, nunca foi de facto um concretista, mas sempre Manuel Bandeira ou seja, suas proezas no âmbito da Poesia Concreta eram uma demonstração de compreensão e competência. Quanto a Wlademir Dias-Pino, um pioneiro da poesia visual/experimental brasileira, teve, assim como Ferreira Gullar, que não aparece na antologia, pois já havia “criado” a dissidência do Neoconcretismo, uma curta passagem pela Poesia Concreta e, como Gullar, havia participado – 1956-57 – da Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e no Rio de Janeiro e criou, nos anos 1960, em sua 2ª metade, o Poema-Processo. Quanto a Marcelo Moura (cearense nascido em 1941, e residindo no Reino Unido, segundo a sua nota biográfica), que comparece com 2 poemas, não consegui informações complementares, nem notícias de se continuou concreto ou, mesmo, poeta. Os poemas concretos, desta vez, estão bem melhor editados, com tipomorfia adequada, assim como diagramação a contento. Ao fim, notas biográficas e índice, mais equipe gráfica (dados técnicos). Bem apresentados, os poemas puderam ser apreciados naquilo que traziam de novidade, de invenção. Poemas da série Poetamenos, de Augusto de Campos, não comparecem, certamente pela questão cor, elemento encarecedor, mas lá estão, do autor: Ovonovelo e (F)Pluvial, e mais: Um movimento e Terra (Décio Pignatari), Nascemorre e Fala clara (Haroldo de Campos), Forma (J. L. Grünewald), Ruasol e Velocidade (Ronaldo Azeredo)… O que há a diferenciar a Poesia Concreta, em sua fase ortodoxa dos anos 1950, de outras manifestações que vinham desde o 1º Modernismo – a poética futurista, por exemplo, e alguns feitos dada – é: 1º a parcimônia vocabular, 2º uma tipomorfia notória, mas econômica e uniforme com relação à produção do grupo, 3º a imposição de uma forma geométrica rigorosa e, para completar a exacerbação racionalista que será, depois, amainada, a grande consciência de linguagem dos poetas concretos e o seu profundo conhecimento da “tradição que permaneceu viva”. A antologia Poesia Concreta, de 1962, constituiu-se em facto fundamental para a experimentação poética lusa, sendo que a sua existência foi, em grande parte, mérito de Alberto da Costa e Silva: poeta, escritor e, certamente, um promoter.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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