4. Anotações à margem – BNP: Lisboa I

Na Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, têm-se as condições ideais para um bom trabalho de pesquisa bibliográfica, ou mesmo de fontes primárias ou documentais: farto e rico material, em grande parte disponível nas edições originais (algumas edições raras ou em estado precário podem ser consultadas digitalizadas ou em microfilmes), sistema informatizado e desburocratizado, um pessoal da maior gentileza e competência. Frequento essa Biblioteca desde que cheguei em Lisboa, agosto de 2015, e a boa impressão inicial foi sendo reiterada nas muitas vezes seguintes em que lá estive. Entre um livro e outro ou na espera de uma edição mais difícil de ser localizada pelo técnico encarregado – o que é que esse brasileiro está a pesquisar em obras que quase nunca foram a nós solicitadas?, seria lícito pensar – eu fazia o registro escrito de alguma ideia que me ia surgindo, no mínimo, com a esperança de desenvolvê-la melhor, em futuro próximo. Trago, aqui, algumas dessas anotações, quase em ordem cronológica de registro. Anotações à margem dos fichamentos de livros e revistas, meus objetos de leitura, matérias-primas de minha pesquisa sobre poesia e visualidade em Portugal e suas relações com a poesia, da mesma estirpe, produzida no Brasil. Os acréscimos posteriores vão entre colchetes.

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Augusto de Campos fez-me alguns esclarecimentos, por e-mail, e falou da importância que Alberto da Costa e Silva teve para a divulgação da Poesia Concreta na Europa. Deve ter correspondência com o diplomata entre os seus documentos, assim como o arquivo epistolográfico de Haroldo de Campos, porém, seria difícil procurar, naquele momento. Melo e Castro deve ter tido um melhor conhecimento da PC brasileira, pela antologia de 1962 [foi, desde aquela época, e é amigo de Costa e Silva]. Costa e Silva é que deve ter feito, de facto, a seleção dos poemas constantes na antologia [provavelmente, trocando ideias e/ou acatando sugestões dos Campos] e a publicação saiu, é claro, graças a ele, que era Secretário da Embaixada do Brasil em Lisboa, e ele-mesmo poeta e escritor. Augusto disse-me que nem imagina quem vem a ser Marcelo Moura que, nas informações biográficas, fica-se sabendo que é cearense, nasceu em 1941, e que residia em Londres, à época. [Ele foi um dos antologizados, e figura ao lado dos criadores da Poesia Concreta.]

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Modernismos – tanto no Brasil, como em Portugal, Futurismo e Cubismo (muito tardio, no Brasil) tiveram fundamental importância e acho que também o Expressionismo – basta ver melhor como é que foi em Portugal, pois no caso do Brasil, não há dúvida. Contactos com Paris: diretos e por meio de… [Mário de Andrade, diferentemente de alguns companheiros de jornada artística, nunca saiu do Brasil, ou melhor, da América do Sul, mas informava-se por meio de publicações e amigos de lá chegados, cartas]. O Cubismo, antes em Portugal [o pintor Amadeo de Souza-Cardoso inteirou-se daquele repertório na capital francesa e teve obras expostas em Nova Iorque – Armory Show – em 1913. Veio a falecer muito cedo, em 1918].

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Na Poesia Experimental [portuguesa], parece que acontece como no Brasil: respeito [dos mais novos] pelos experimentadores veteranos: Melo e Castro, Salette Tavares, Ana Hatherly, António Aragão, entre outros.

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Pessoa: presença esmagadora. Não houve fenômeno semelhante no Brasil, que teve vários poetas excepcionais, no Modernismo e em momento imediatamente posterior. Sá-Carneiro – morte prematura, talento extraordinário. Almada como poeta… ? Não posso avaliar, ainda.

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O Futurismo ainda teve mais importância para os portugueses [pelo menos até fins de 1917]. Começaram antes, porém, não tiveram uma Semana, como a de 22. [Enquanto em Portugal, já em 1915, há uma revista modernista Orpheu, que teve 2 números (o 3º ficou nas provas tipográficas), publicação importante, mas sem arrojo gráfico – a não ser a colaboração de Santa-Rita Pintor (1889-1918) no 2º número, + poema de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)- Manucure – e um pouco do excesso interjetivo de Pessoa-Álvaro de Campos. Houve ainda a Portugal Futurista, fins de 1917, e que chegou a ser apreendida – aí, já há um arrojo gráfico, de par com o que era tradicional nas publicações periódicas. Klaxon, primeira revista modernista do Brasil, que durou de 22 a 23, teve 9 números em 8 volumes e apresentou um arrojo gráfico apreciável, diferente do que se observava em revistas do Brasil, na época.]

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Os poetas visuais portugueses da atualidade parecem respeitar os mais velhos, que foram concretistas [de linha brasileira-noigandrense ou de linha propriamente europeia-gomringeriana, mas não somente], como Melo e Castro e Ana Hatherly [infelizmente, não pude conhecê-la pessoalmente, pois veio a falecer em 5 de agosto deste ano]. Parece que alguns não têm muita simpatia pelos concretos históricos do Brasil. A poesia visual/experimental brasileira que mais se assemelha à produzida em Portugal é a que deriva do Poema-Processo.

1956 (meados): passagem de Décio Pignatari por Lisboa – parece que não chegou a dar frutos.

1962: a antologia Poesia Concreta – marcou. Melo e Castro dixit.

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Parece que existe, mesmo, por parte do pessoal mais novo – dos 40 aos 60 anos, ou um pouco mais – um respeito reverencial [não subserviente] pelos veteranos da visualidade em poesia (vamos ver se, pelas entrevistas, isto se confirma).

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Como no Brasil: os poetas visuais portugueses abraçaram, por um lado, as novas tecnologias e, por outro, a coisa do conceitual e suas ramificações como, por exemplo, a performance. A info-poesia é praticada e se apresenta com bastante força. [O fenômeno parece ser mundial.]

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Fico a pensar sobre o pouco uso da cor na poesia impressa: seria a questão do custo [sendo que grande parte das edições existe em função dos recursos dos próprios poetas – edições auto-financiadas], até a chegada dos anos 90? No Brasil, ao que me consta, houve um pouco mais de utilização do elemento-cor, a começar pelos poemas da série Poetamenos, de Augusto de Campos, mas a questão custo foi um fator de impedimento importante. O pessoal de Artéria encontrou solução parcial, ainda nos anos 1970, na serigrafia, delegando a gráficos a tarefa, e aprendendo a técnica e executando o trabalho de impressão, sendo poetas-impressores: de fins dos anos 70 os inícios dos 90.

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Antologias são injustas, sectárias, excessivas, corrigíveis (modificáveis). Como evitar, pelo menos, a 1ª e a 3ª, já que que as outras “qualidades” continuarão sempre a existir, posto que inevitáveis? O Paideuma poundiano e a seleção drástica: seria, de facto, possível? [É preciso ter coragem intelectual.]

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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