5. Anotações à margem – BNP: Lisboa II

Da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, ainda as anotações que se seguem, para não dar muita chance ao ócio, em momentos mínimos, e para que o alvoroço pensamental se aquiete um pouco e que se possa produzir algo mais elaborado a seguir – talvez que as primeiras ideias venham a ser as melhores, embora, às vezes, toscas na aparência.

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A saída do sufoco, em Portugal [25 de Abril de 1974, depois de longuíssima ditadura de coloração fascista], e a entrada num internacionalismo [que já vinha acontecendo, há mais de 10 anos], com a Poesia Experimental… Nesse internacionalismo entra, obviamente o Brasil, com a Poesia Concreta (e outras tendências) e os contactos, que realmente houve, incluindo-se, aí, a correspondência epistolar de Melo e Castro com Haroldo de Campos. Este, teve papel fundamental, com sua paciência para escrever cartas, seu domínio de várias línguas e entusiasmo com relação ao Movimento [da Poesia Concreta], que se tornava internacional, de facto. Sob este aspecto, Melo e Castro também desempenhou importante papel, principalmente divulgando a PC no Reino Unido.

Publicações fora [do Brasil] e exposições…

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Artistas portugueses radicados no Brasil:

(Vieira da Silva, nos anos 40, com o marido…)

Joaquim Tenreiro

Fernando Lemos (trabalhou com Décio Pignatari; é coautor do logo C2N2L, da TV Cultura-SP, que não foi aprovado).

António Manuel

Arthur Barrio. Arte brasileira? Arte portuguesa no Brasil? Arte universal.

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A partir dos anos 1960 (o País vivendo, ainda, regime de exceção) e daí em diante, a poesia portuguesa partiu para uma internacionalização sem precedentes… publicações, congressos, exposições. Lisboa congrega e irradia e como que retoma um cosmopolitismo que era dela, séculos antes! Pelo que pude notar, até agora, os poetas experimentais [de 2ª e 3ª gerações] portugueses tiveram muito mais veiculação impressa que os da mesma época, no Brasil, que continuaram e continuam (em parte) a financiar as próprias publicações. Mas parece que, nem cá nem lá há muitas facilidades para veicular poesia e, ainda mais, uma poesia interdisciplinar.

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Revistas, sempre com importante papel: no Modernismo etc (desde antes, porém) e até à atualidade, com a mídia eletrônica [e o carácter crescente e mutante]. Os blogs proliferam, mas a coisa impressa continua a exercer fascínio sobre quem faz o seu registro gráfico – e escrever, grafar é assumir um compromisso com a Posteridade (não a Eternidade). No Brasil, anos 1970, proliferação de revistas experimentais ou “de invenção”, como já se disse. E em Portugal? Saberei.

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As questões que os “mal-humorados” colocam:

– Mas a Arte (e a Poesia, especificamente) não é necessariamente experimental? Isto já foi respondido em Portugal e no Brasil e noutras paragens…

– Mas a Poesia não foi, desde sempre, intersemiótica?

Três negações entrariam numa definição de arte, na parte de complementação de ideias: 1º Arte não é espontânea, 2º Arte não é expressão de sentimento e 3º Arte nem sempre é invenção, ou seja, a Arte nem sempre inova. E é arte porque cumpre um papel nas sociedades. Não à toa Pound, em sua classificação dos escritores (poetas, artistas em geral), coloca os Mestres, depois dos Inventores.

Experimentação tem a ver com busca, risco, portanto, com curiosidade (aquela de que era dotado Leonardo da Vinci, aquela que conduz ao conhecimento). Experimentação não é reiteração de excelência, experimentação implica perigo. Herberto Helder e Melo e Castro escreveram muito bem sobre isto!

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Antologias: quanto à questão da qualidade do material constante, nem se discutiria, bem porque esta seria a condição básica, como numa curadoria de Artes Plásticas etc. Daí, para evitar volumes intermináveis é que se colocam: “dos anos X”, “dos poetas com mais de X anos”, “daqueles que publicaram seus poemas em livros”, “dos que etc etc etc”. Antologias sempre apresentarão problemas, sempre abrigarão enganos, deverão ser sempre reconsideradas as seleções feitas. Antologias da Contemporaneidade: as mais difíceis, as que mais erram – quando se tornam passado e as olhamos criticamente e que percebemos melhor isto. Por outro lado, o antologista não pode apenas se ocupar do já consagrado, mas arriscar-se, ter coragem de assumir indicações não óbvias. O grande crítico é aquele que revela à sociedade novos valores – o resto é lucro.

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Dizer que a Poesia Experimental é a “poesia do significante” é errôneo e preconceituoso. É aplicar a teoria e a terminologia inadequadas para uma poesia que se propõe de risco, de invenção. A Arte privilegia a Forma, senão não seria Arte e esta coloca em evidência, obviamente a materialidade dos signos que compõem a obra – Jakobson, discorrendo sobre a Função Poética e o signo linguístico. Acontece que – e isto pode-se tirar da teoria jakobsoniana como corolário – à prevalência da forma, corresponde uma potencialização semântica. De qualquer modo, o termo “significante” está atrelado à teoria saussuriana, que não é a mais adequada para analisar uma factura intersemiótica. Nisto, a teoria semiótica peirceana dá melhor conta do recado: desde a definição de signo, com sua enorme abrangência, até à classificação dos signos (o Signo com relação ao Objeto)– teoria que possui mais de 100 anos de existência, mas cuja dissecação ainda se processa. Uma “poesia do significante” coloca em evidência a separação conteúdo-forma, algo não-desejável, muito embora, em algum momento, a denominação possa ter funcionado [para propósitos específicos, não apenas por críticos, mas , antes, por poetas do ramo, mesmo].

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Teorias criadas para uma área específica podem ser utilizadas com o devido cuidado – já se disse – em outras, já que extrapolam o seu âmbito original.

Aceita-se Platão, aceita-se Aristóteles, que escreveram no século IV aC (como se se pudesse encontra-los ali, no bar da esquina, em qualquer momento), mas desaprovam a utilização de uma obra, uma teoria escrita nos anos 1930 – acham-na antiquada, ultrapassada. Ah!, essa Academia!!!

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Melo e Castro evidencia a importância da Poesia Concreta Brasileira para a arrancada da Poesia Experimental portuguesa. Ana Hatherly reconhece o pioneirismo brasileiro, mas minimiza o papel do Grupo Noigandres em Portugal e valoriza Gomringer e, mais precisamente, o movimento de experimentação que se configurou na Europa a partir da Poesia Concreta, criação de Gomringer + Noigandres. Diz que, mais influenciado pelo grupo brasileiro, é Melo e Castro. Penso que o cerebralismo de Melo e Castro esteve acorde com o do Grupo Noigandres, daí a aproximação e afinidades até formais, apenas num dado momento. Ana Hatherly faz uma boa metalinguagem, grande pesquisadora, uma poeta a ser estudada, apreciada e amada.

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Sem querer minimizar a importância do mundo acadêmico naquilo que ele tem e traz de relevante, geralmente não é graças a ele que as coisas vão para a frente (no âmbito das Ciências deve estar a exceção). Os acadêmicos são capazes de pesquisas minuciosas, com análises aparentemente, ou de facto, profundas, porém, quando se trata de Arte, quando abordam artes que fizeram revoluções, são cautelosos, parecendo querer navegar por mares de calmaria e, portanto, colocar um ponto final nas inquietações vanguardistas. Dão um “graças a Deus” por um certo processo ter-se encerrado e dificilmente aceitam um novo modo de ver as coisas, pois teriam de refazer todo o seu repertório já cristalizado, solidificado e não querem abrir mão de suas conquistas intelectuais e abraçar novas causas [como sempre e onde quer que se vá, há exceções]. Penso que a principal questão, aí, é o medo da perda do instrumental seguro para a abordagem do objeto de pesquisa, preferentemente situado num lugar do passado distante. Com um processo encerrado, tudo poderá ser etiquetado e engavetado, não mais representando perigo à muralha de conhecimentos que estava sendo ameaçada e até prestes a ruir – o conservadorismo das sociedades constitui-se numa força poderosa e a Academia, aí, possui importante papel. Novas produções artísticas exigem novas teorias e, como já se disse, a obra de invenção apanha a crítica desprevenida/despreparada. A crítica acadêmica, oficial ou oficiosa, vê-se atropelada pelos acontecimentos e reage, como aconteceu em muitas ocasiões e muitos lugares, a propósito de inovações ou mesmo, de revoluções no âmbito da linguagem. No Brasil, a Poesia Concreta criou inimizades duradouras, no mundo acadêmico e fora dele.

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Eu pensava Pessoa, em sua grandeza, como uma bomba de efeito retardado, a ocupar um lugar cada vez maior dentre as cogitações daqueles que se dedicam à Poesia [em Portugal], tanto os meramente apreciadores e pesquisadores, como os fazedores [poetas]: a questão seria fugir a tudo isto, escapar à tentação de estar a imitar o mestre ou estar acoplado a ele, como aqueles pequenos peixes grudados nos tubarões, que acabam por levá-los por onde forem: peixinhos-poetas subsidiários do grande vate. De facto, a obra pessoana criou problemas praticamente insolúveis para a poesia-em-versos estabelecendo patamares difíceis de serem alcançados, no âmbito da Língua Portuguesa (e alguns poetas e críticos explicitaram isto), mormente em Portugal. A Poesia Experimental mostrou que havia um outro caminho/outros caminhos, e abriu/explicitou possibilidades-mil para as novas gerações.

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A discussão sobre a denominação “experimental” está sobejamente apresentada na introdução da antologia elaborada por Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro e que – parece – não gostam de vanguardas, mas fizeram um estudo cuidadoso/minucioso para introduzir os poemas/poetas objetos da referida obra, por sinal, um belo e importante livro, e no Brasil ainda não temos um trabalho desse porte, com tal abrangência, referente à Poesia Visual, digamos. Os autores recorrem a muitos teóricos, mas o que há de melhor ali é a citação de Herberto Helder, que se encontra em Poesia Experimental 1. Eu, particularmente, só aceito que toda prática artística tenha algo de experimental, se se considera a luta com (contra) o acaso, no processo de elaboração, posto que a Arte nem sempre é inovadora e a ânsia dos experimentais é chegar a algo novo. Então, nós reservaríamos o termo “experimental” para a prática que tem a experimentação como propósito e isto envolve risco, independentemente de se enquadrar no que se convencionou chamar “vanguarda”.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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