17. Anotações às Margens do Tejo: I.

O Tejo pode não ser mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo é o TEJO! Quem lê ou ouve uma única vez o poema de Pessoa/Caeiro, nunca mais o esquece e talvez venha a compreender que a Poesia “fala” uma língua especial, mesmo que a mesma. Poesia: a mais elevada forma de expressão verbal, ao mesmo tempo em que pode vir a ser a mais parcimoniosa. A Poesia, quebra as fronteiras do verbal e adentra outros códigos, mesmo sem sair do verbal. A Poesia pode ir além do verso, além do verbo e até configurar-se sem palavras. A poesia fala o inefável.

§

Ainda não bem me conscientizei de que estou à beira do Tejo… precisamente à margem direita do Rio, que é onde se situa Lisboa, de longínqua origem fenícia e que abraça, acaricia, não sufoca, não agride o Curso d’Água. Justamente nesta margem direita nasceu e, depois de uma certa ausência, voltou a habitá-la Fernando António Nogueira Pessoa, o Fernando Pessoa, o Pessoa que hoje repousa nos Jerônimos e que, representado em bronze faz a alegria de turistas que se querem fotografar ao seu lado, ali, em frente à A Brasileira do Chiado, à Rua Garrett, um café que era frequentado pela 1ª geração de modernistas portugueses, geração esta que fez a Orpheu, seus 2 números, no ano de 1915. O homem Pessoa produziu sua grande e múltipla obra nesta margem direita do Tejo. Como alguém ainda se atreve a escrever às margens do Tejo? Junto à margem direita do Tejo? Quem o saberá? Um talvez residual de energia…

§

Se não impossível, ficou difícil escrever poemas em Português depois da passagem de Fernando Pessoa por essas Bandas. Penso que a superação, de facto, dessa questão se deu com o Experimentalismo na Poesia Lusa, a partir dos anos 1960, caracterizado pelas incursões intersemióticas, multi e intermidiáticas e o seu cada vez maior internacionalismo.

§

Exemplifiquei Fanopéia na Poesia Lusa… e prometi algo da brasileira. Porém, gostaria de estampar, aqui, duas peças-prodígio da Poesia em Língua Portuguesa, onde a festa é feita do encontro de Melopeia com Logopeia, uma da primeira metade do século XVI e outra da segunda do XX, mas que, em essência “tratam” do problema do EU: 1. Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) e 2. Antonio Risério (1953-):

1.

Comigo me desavim
Sou posto em todo o perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia,
Antes que assi crecesse;
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho inimigo de mim?

2.

POR MAIS QUE EU TENTE PÔR MENOS

DE MIM HÁ DEMAIS NESSE TALVEZ

E NEM SEI O QUE SEJA HAVER

DEMAIS DE MIM NUMA VEZ TAL

QUE VOZ NÃO TEM OU ENTÃO SOA

AQUÉM E ALÉM DA LENDA QUE SOU

 

E, como prêmio, a célebre 1ª quadra da AUTOPSICOGRAFIA, de Fernando Pessoa, perpassada pela música e minada por armadilhas verbais:

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

[…]

E agora, o fenômeno fanopaico no Modernismo Brasileiro de: A. Oswald de Andrade (1890-1954), B. Manuel Bandeira (1886-1968) e C. Guilherme de Almeida (1890-1969):

A.

LONGO DA LINHA

 Coqueiros

Aos dois

Aos três

Aos grupos

Altos

Baixos

B.

A Realidade e a Imagem

O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva
E desce refletido na poça de lama do pátio.
Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa,
Quatro pombas passeiam.

 C.

 MORMAÇO

Calor. E as ventarolas das palmeiras
e os leques das bananeiras
abanam devagar
inutilmente na luz perpendicular.
Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:
não há borboletas azuis nem rolas líricas.
Apenas as taturanas
escorrem quase líquidas
na relva que estala como um esmalte.
E longe uma última romântica
— uma araponga metálica — bate
o bico de bronze na atmosfera timpânica.

§

Mínima é a presença de mulheres na poesia mais experimental do Brasil, Poesia Concreta, melhor dizendo (e a razão disto, se é que alguma há, deve ser averiguada entre as poetas [as mulheres], não entre os protagonistas do Concretismo brasileiro, que agora conta apenas com Augusto de Campos). Em Invenção 5 (1966-67) aparece Meretrilho, um poema admirável de Maria do Carmo Ferreira, poeta mineira que depois fez algumas raras aparições, com peças igualmente belas (nesses anos todos, não consegui localizá-la no Brasil. Num certo tempo, chegou a se corresponder com Samira Chalhub, que soube dela por intermédio de Décio Pignatari, que deu dela ótimas referências enquanto poeta – na época, e lá se vão uns 20 anos, ela elaborava papéis de carta e envelopes, com a técnica da colagem, e devo ter, ainda, um ou dois, de cartas que recebi de Samira). Mais recentemente, a partir dos anos 1970, surge a figura fortíssima de Lenora de Barros, que trilha entre a Poesia, propriamente, e as Artes Visuais, mas com grande domínio do verbo. Diferentemente, em Portugal, colocam-se com força, desde o início da Poesia Experimental, figuras como Salette Tavares e Ana Hatherly, além de outras que se seguem, mas cujo trabalho não teve a continuidade que teve o das primeiras. Já no Concretismo pictórico e no tridimensional, no Brasil, aparecem figuras de suma importância, tanto na “ala” paulista, como na “ala” carioca: Judith Lauand (1922-), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004) e, ainda, Mary Vieira (1927-2001). Tivemos, em nosso Primeiro Modernismo duas figuras fundamentais na Pintura, que foram Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, além de outras artistas cuja obra não teve a mesma repercussão. A portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) desenvolveu uma importante obra, em grande parte fora de Portugal, tendo, inclusive, morado no Brasil nos anos 1940. Grandes artistas mulheres atuaram nas vanguardas do 1º Modernismo e, na Rússia, aparecem muitos nomes, com trabalho admirável (Augusto de Campos as nomeia em poema-homenagem a Judith Lauand, em época mais ou menos recente), além daquelas que atuaram no Ocidente, como a ucraniana Sonia Delaunay-Terk (1885-1979), que teve passagem por Portugal, durante a 1ª Grande Guerra. No ano de 1913, havia colaborado, executando nos exemplares do livro desdobrável de Blaise Cendrars – La prose du transsibérien et de la petite Jehanne de France – suas “cores simultâneas”.

 Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Time limit is exhausted. Please reload CAPTCHA.