21. Necessárias Teorias para as Artes (paráfrases).

Teorias: Os Humanos pensam sobre, exigem explicações e basta, para certificar-se disto, atentar, nas crianças, para a fase dos porquês. Daí, a ânsia das generalizações… Algumas teorias são tão abrangentes que acabam por não se conter nos limites dos objetos para os quais foram criadas e atingem outros campos, servindo de instrumental de análise e nada mau se se tiver o devido cuidado na aplicação. É o caso dos textos teóricos/críticos de Ezra Pound, plenos de aforismos, para ou pensando na Literatura (em verdade, na Poesia que, para ele, não era bem literatura), mas que se aplicam para todas as Artes, como a apresentação das categorias de criadores (ele diz escritores), aquelas seis, a saber: inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, belles lettres e os lançadores de modas. Às vezes, surge a dúvida (principalmente em sala-de-aula) de como diferenciar um inventor de um lançador de moda – a questão, em verdade, não apresenta complicações, já que o inventor opera na estrutura da linguagem e o lançador de moda, na superfície. Os inventores são os que, de facto, trazem algo novo cuja absorção por parte do grande público é lenta e, via de regra, indireta (diluição daquilo que foi invenção chega antes e penetra com maior facilidade, vindo a fazer parte do repertório do fruidor). Mestres são, segundo Pound, aqueles que combinaram processos introduzidos por outrem (os inventores) e realizaram obra atingindo e até ultrapassando o grau de excelência. Conclui-se, daí, (e Pound foi inventor e mestre) que a arte nem sempre é inovadora, podendo ser apenas reiteradora de um certo grau de excelência das obras. O diluidor reduz, rebaixa o repertório, em comparação com obras de inventores e mestres, porém, isto não quer dizer, necessariamente, que seu trabalho seja algo desprezível – há diluidores de alto repertório. Já os bons escritores (criadores) sem qualidades salientes são os que operam no horizonte da medianidade e são aqueles que produzem a maior parte do que é produzido em todas as Artes, num dado período. Essas categorias, porém, se entrecruzam e um mesmo criador poderá fazer parte de duas ou mais: inventor, mestre e até diluidor da própria obra, por exemplo. Bem, o que mais nos interessa, aqui, é a categoria dos inventores, que são os que apresentam o primeiro exemplo (a sua obra) de um novo procedimento e, portanto, são aqueles que adentram a linguagem por meio da qual operam, e agem em sua estrutura – porque têm conhecimento da tradição – sendo, portanto, pesquisadores, buscadores que enfrentam os riscos de tal aventura e assumem as suas descobertas, que podem resultar diretamente desse trabalho, incluindo o aproveitamento do Acaso. Este, como alguns já apontaram, estará sempre a rondar essa procura e é preciso ter repertório para percebê-lo e valorizá-lo e se utilizar dele. O pesquisador da linguagem, o produtor de linguagem, o designer da linguagem (Décio Pignatari, referindo-se ao poeta) possui um repertório tal, uma abertura tal que percebe a ocorrência-acaso, compreende-a e a incorpora, quando considera que é o caso. Então, experimentação e invenção estão intimamente ligadas – o inventor é um experimentador que chega a resultados que podem implicar subversão, modificações profundas na estrutura da linguagem: revoluções. Essa coisa de dizer que toda arte é experimental, senão não seria arte, não se sustenta – 1º porque é arte (objeto artístico) aquilo que é encarado e consumido enquanto tal, daí termos arte barata, arte de médio e altíssimo repertório, pois, o que chamamos Arte se corporifica nas chamadas obras de arte – portanto, um objeto pode ser artístico, sem que nele haja inovação, propriamente, e alguém o encarará como tal e ele cumprirá, para aquele repertório particular o que uma obra carregada de alta informação cumprirá para outro (imagine-se uma obra de Maliévitch, um poema de Cummings, uma peça de Schoenberg): toda mensagem (incluindo as artísticas, é claro) informa, dependendo do repertório de quem a recebe; 2º assim como os estraga-festas diriam: “Mas a poesia não foi sempre intersemiótica?” ou “A arte não é sempre experimental?”, diríamos: “A intersemioticidade aí referida é um propósito e não um acerto ao acaso” e “Toda arte é experimental apenas se se considerar que o exercício artístico está certamente cercado pelo acaso e que o artista deverá sempre lutar contra, domar esse acaso ou incorporá-lo, até”. Via de regra, o inventor, o artista pesquisador tirará proveito desse acaso que poderá ser a mola-mestra da invenção. Daí que a invenção norteou as vanguardas do Modernismo e vem até os dias atuais (com menos estardalhaço, porém) em que o esforço mais se concentra na compreensão, domínio e utilização de novos meios/novas linguagens, propiciados por essa revolução silenciosa do digital/virtual. Não à toa os concretistas brasileiros, em fins dos 50 e inícios dos anos 60 escolheram o nome Invenção para sua segunda revista (a primeira havia sido Noigandres, nome que chegou a ser tido como palavra-mistério e estar em poemas de dois inventores: o poeta provençal Arnaut Daniel, século XII e, no séc. XX, o estadunidense Ezra Pound) e os poetas da vanguarda lusa, o nome Poesia Experimental (dois números) à sua revista (1964-66). É claro que, quando os poetas falam de poesia/arte experimental, estão a considerar as altas esferas das manifestações artísticas. Experimentação envolve risco: “Poesia é risco”, Augusto de Campos, pois, para ele, Poesia tem de adentar o território da invenção, do desconhecido. Muito embora, em última instância, para Ezra Pound, os manifestos acabam sendo inúteis (pois se constituem em crítica antecipadora feita pelos próprios criadores, sendo que os resultados sempre superam as propostas), são muito importantes, à medida que deixam explícito que o artista é um ser que possui consciência de linguagem. Mais importante do que pensar na exequibilidade de propostas, é tê-las enquanto projeto. E toda obra nova, feita ou pretendida, exige uma maneira nova de encarar o objeto artístico e, em certo momento – mormente quando é dada à luz (quando a obra é publicada) – a crítica estabelecida é apanhada sem instrumental adequado para abordá-la; daí, a necessidade de os próprios produtores (artistas) fazerem a reflexão sobre, ou seja, a metalinguagem. Nas vanguardas dos anos 50, 60 e até 70, vemos a melhor metalinguagem feita pelos próprios artistas-poetas: um misto de exposição de projeto, esclarecimentos até didáticos e agressividade contra o establishment. Daí, tantos textos/manifestos que, a partir de um outro momento, quase que desaparecem e, retornando, podem até tomar a feição de grandes volumes, que nem são passíveis de grandes contestações, como esses que apregoam a necessidade de se trilhar os caminhos das novas mídias/novas linguagens. O que se observa, porém, é uma verdadeira mistura de meios e linguagens, sendo que o artesanal se mescla ao industrial e ao digital, época em que ganha relevo e destaque o leitor e em que se buscam caminhos para uma maior interatividade, de facto. Vejam-se, por exemplo, as mostras de artecnologia– crianças e adolescentes (pois já nasceram dentro dessa realidade) dominam a manipulação dessas máquinas com trabalhos que permitem uma certa interatividade. Daí que, ressaltada a dimensão lúdica, a revolução que se processa passa como que despercebida para a grande maioria. Nossa leitura-do-mundo está condicionada pelo nosso repertório, assim, a nossa leitura dos complexos sígnicos artísticos ou não-artísticos. Mesmo havendo um repertório comum, patrimônio de toda uma comunidade ou sociedade, cada indivíduo apresenta a sua singularidade repertorial e essas peculiaridades é que permitem tantas leituras de uma mesma obra (coisa que a Semiótica peirceana explica brilhantemente, quando adentra a questão do Interpretante, que é parte integrante do Signo). Uma leitura pobre ou empobrecedora de uma obra é uma leitura reles, simplesmente: o signo (a obra, o complexo sígnico) estará à espera de um leitor ideal, que fará uma leitura satisfatória, porém, nunca completa, jamais definitiva, mesmo que venha a satisfazer os aficionados e a sociedade em geral, por muito tempo até. Bem, certa vez, comentei com Augusto de Campos sobre a dificuldade que apresenta a leitura do Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958), ao que ele, discordando, disse-me: – O texto é didático. É claro que os manifestos têm de ser necessariamente didáticos, pois criticam uma situação, direta ou indiretamente, e fazem propostas com algum grau de novidade e são publicados, ou seja, querem que se saiba o que pretendem os signatários daquele texto, panfleto, manifesto. Sim, do modo como as ideias são colocadas no Plano-Piloto, podemos considerá-lo didático, mas para um leitor de alto repertório específico nas coisas das Artes em geral e da Poesia, em particular, pois são muitos os conhecimentos ali veiculados. O mesmo se pode dizer do livro-manifesto do poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro A Proposição 2.01: Poesia Experimental (1965), em que assuntos – tendo a Poesia no centro de tudo – são colocados didaticamente, porém, percebe-se que é para um leitor de altíssimo repertório – ao final do volume, uma antologia exemplificadora do experimental em Poesia. Num clima de entusiasmo pela invenção e perspectiva de mudanças para toda a Sociedade, é “natural” que se nivelem as coisas por cima. – A massa ainda comerá do fino biscoito que fabrico. Oswald de Andrade dixit.

Omar Khouri . Lisboa . 2015 . Bolsista PDE pelo CNPq, junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

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