35. (De São Paulo de Piratininga) Os dois maiores poetas vivos do Planeta residem em São Paulo

        Não, não se trata de um concurso, desses que se fazem aqui e ali para contemplar pessoas de áreas-mil. Tampouco de uma questiúncula para saber (ainda) quem é a favor ou contra o Concretismo no Brasil. É que, de repente, dei-me conta de que dois de meus amigos de longa data e com quem tenho cada vez menos contato são os maiores poetas-realizadores do Planeta Terra, e mais, residem em São Paulo e bem próximos de mim.
É impressionante pensar no múltiplo e gigantesco legado dos poetas concretos! (Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos, principalmente, evitavam ou até mesmo nem permitiam a utilização do termo “concretista”, ou “concretismo”: sem “ismos”, diziam, pois a poesia era Concreta e os poetas, concretos – “a Grande Poesia sempre foi Concreta!” E, embora já muito modificada a Poesia Concreta, os poetas dessa tendência só vieram a admitir que o movimento era coisa encerrada, lá pelos fins dos anos de 1980, começos dos de 1990*. Haroldo de Campos chegou a dizer, em várias ocasiões que, fizesse o que fizesse – um soneto parnasiano, por exemplo – sempre seria chamado de concretista, teria de carregar a pecha para todo o sempre: “O poeta concretista Haroldo de Campos acaba de publicar um soneto”…) Legado no campo da Poesia, propriamente (são co-inventores da Poesia Concreta, termo sugerido por Augusto de Campos, independentemente de um sueco nascido em São Paulo ter falado em Poesia Concreta antes do autor de POETAMENOS – já que existiam Arte Concreta e Música Concreta, por que não uma Poesia Concreta? – e aceito por Eugen Gomringer, que também se liga à origem dessa poesia), no da Teoria/Crítica (foram arrojados, corajosos e preparados para, além de fazerem abordagens críticas, que iam de Mallarmé a Cummings, e de terem reposto em circulação vários poetas, principalmente do Brasil, elaboram manifestos que marcaram a poesia, não só daqui, mas repercutindo fora), no da Tradução de Poesia (sempre entendida como uma categoria da criação, portanto uma re-criação: transcriação, como dizia Haroldo de Campos ou tradução-arte, como preferiu Augusto, também um ‘intradutor’, o que vem a se somar à ‘tridução’ pignatariana). Nas pegadas de Ezra Pound e com uma cultura poética até um pouco mais vasta que a do Mestre (penso que eles não me perdoarão por esta afirmação), empenharam-se na elaboração de um Paideuma, entendido poundianamente como um conjunto mínimo de poemas com o máximo de informação estética, visando a um público de não-iniciados e de iniciantes.
O rigor era tanto e minha assimilação desse rigor foi tal, que eu dificilmente chego a apreciar uma obra que não seja o máximo, que não esteja além da excelência, muito embora eu seja muito tolerante e procure ver a qualidade onde quer que esteja, e isto já é coisa de velho! Esse rigor nas escolhas – e o que define um crítico são as suas escolhas – leva a grandes exclusões, pois, de fato, como já havia colocado Pound, a maior parte do que se escreve (se pinta, se compõe etc) se encaixa no universo da medianidade. Poucos são os que inovam ou que chegam a subverter a tradição dentro da qual atuam. Os concretistas, tendo feito um balanço das contribuições do modernismo mundial, propuseram-se a fazer poesia de invenção… e fizeram!
Mesmo tendo sido um movimento internacional, com larga produção nos anos de 1950 e de 1960, a melhor poesia concreta que se produziu, originou-se no Brasil, e isto as muitas antologias – como a de Emmett Williams e a de Mary Ellen Solt – podem atestar. Acontece que os poetas do Concretismo (o grande Ronaldo Azeredo é quase uma exceção) tinham o domínio do exercício do verso antes, durante (veja-se o hercúleo trabalho de tradução de poemas em versos realizado principalmente pelos irmãos Campos) e depois da Poesia Concreta, e durante décadas realizaram trabalho de altíssimo nível em todos os campos em que atuaram.
Hoje, dos pioneiros a quem se juntaram outros, só restam vivos Décio Pignatari e Augusto de Campos, que ainda atuam artisticamente, sem estardalhaço, porém. Considero que hoje, no Mundo, não há poetas com conjunto de obra que possa se equiparar ao que fizeram esses dois sobreviventes ilustres da poesia de base experimental. Há ótimos poetas, é claro, mas nenhum com obra tão importante e consistente como a dos dois que, sendo dos artistas mais importantes do século XX, adentraram o XXI, ainda com curiosidade. Não vejo Augusto de Campos há uns dois meses, mas tenho dele notícias por amigos e sei que ele trabalha, principalmente com tradução de poesia, diariamente. Ainda hoje (27 jan. 2010) encontrei Décio Pignatari, aqui em São Paulo, na Avenida Angélica, e ele me disse que atualmente só trabalha algumas traduções de poemas. Décio com 82 anos e quase meio. Augusto com menos de um mês para completar 79! Pois é: os dois maiores poetas do Mundo, Décio Pignatari e Augusto de Campos, que honrariam qualquer Literatura ou coisa que o valha estão aí produzindo, vivendo em São Paulo (de volta de Curitiba, Décio re-instalou-se na Paulicéia). God bless the poets!

*A rigor, pode-se dizer que o “movimento da Poesia Concreta”, com crítica militante e tudo o mais, encerra-se logo após a publicação da revista Invenção 5, em 1967. Porém, os integrantes do Grupo Noigandres (Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, aos quais vieram se somar Edgard Braga e Pedro Xisto de Carvalho) não se dispersaram e continuaram na linha de frente da Poesia Brasileira e Mundial.

Omar Khouri, São Paulo 2010

Texto escrito por mim no 1º semestre de 2010 e publicado no Portal Cronopios, em 02/08/2010 14:41:00

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