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LOTHAR CHAROUX

            

            O primeiro contato que tive com a obra de Lothar Charoux se deu em Santos, em 1968, quando eu participava do 1º Salão de Arte Moderna daquela cidade. Seus trabalhos chamaram-me a atenção pela utilização de um mínimo de elementos: linhas sobre um fundo escuro detonavam formas. Vi-o, em pessoa, num seminário na ECA-USP, promovido pela crítica e historiadora da arte Aracy Amaral, se não me engano no ano de 1973 (ou 74?): era sobre o Concretismo. Estavam presentes os convidados Décio Pignatari (brilhante como sempre), Willy Correa de Oliveira, Hermelindo Fiaminghi e o Charoux, tão simples ao falar sobre os seus trabalhos; até havia trazido alguns múltiplos quadrados (serigrafia sobre cartão prensada em chapa de acrílico protetor). Dos concretistas artistas plásticos era, talvez, o mais modesto (Sacilotto era uma outra figura de aparência humilde: havia sido um operário e, velhinho, está vivo e morando em Santo André). Nunca alardeou a sua grandeza que cada vez mais se evidenciaria com o passar do tempo pelo menos para os apreciadores de uma arte de invenção e pequisa formal. É impressionante como esse pessoal do Concretismo paulista nas artes plásticas - os de São Paulo - tem sido injustiçado pela história oficial das artes plásticas do Brasil: o Neo-Concretismo, irradiando-se a patir do Rio de Janeiro, roubou a cena. Não que não possua grandes artistas: possui, porém, nesse odioso confronto Rio-São Paulo, o Neoconcretismo nas artes plásticas levou a melhor: contou com um lobby mais eficaz, congregando até nomes importantes da crítica, provenientes de São Paulo, como é o caso de Aracy Amaral. Muito se fez para minimizar o papel dos artistas de São Paulo. Porém, seu lugar na história não poderá ser negado por muito tempo. Este, por sinal - o TEMPO - se incumbe de revelar, inteira, a verdade, já diziam os gregos da Antigüidade.
            A Poesia Concreta mostrou-se imbatível, entrando como a grande contribuição do Brasil para a poesia planetária no século XX. Poesia Concreta é São Paulo, a cara e a alma de São Paulo. Os artistas concretos de São Paulo, liderados por Valdemar Cordeiro não eram muito dados a teorizações por escrito. Valdemar era um polemista, cérebro e ação. Talvez que não fosse tão bom como os companheiros em termos das faturas plásticas, mas era quem discutia e abria picadas, chegando a ser um dos pioneiros, em termos internacionais, na arte por computador - máquinas aquelas, para nós, hoje, dinossáuricas - a então dita ARTEÔNICA. No Rio de Janeiro, o poeta maranhense Ferreira Gullar, acabou liderando uma ruptura (manifesto assinado por vários artistas, em 1959): a do Neoconcretismo, acusando os paulistas de excesso de cerebralismo. Provendo os artistas que operaram a partir do Rio de Janeiro, criou diferenças formais que um apreciador de hoje verá que são apenas mínimas.
            Mas voltemos ao nosso artista: a grandeza de Charoux  reside, penso, no menos, na recusa de excessos, no simples - "o menos é mais", para ficar com Mies van der Rohe - em pontos que se tornaram linhas, que compõem uma estrutura e que tomam para si coloracões: sutileza de linhas  sobre o preto. O difícil é justamente - dispondo de inumeráveis recursos plásticos/visuais - ser simples. Era simples a arte de Charoux. Uma arte difícil, pois esconde complexidades calcadas em toda uma sabedoria acerca da arte e do fazer arte. O trabalho de alguém que não forçava circunstâncias para aparecer.
             Na única vez que estive na residência de um outro grande artista concretista de São Paulo (estava eu, então, com a artista Sônia Fontanezi), Hermelindo Fiaminghi, este me mostrou, na parede, uma pintura sobre duratex e disse: "Este quadro do Charoux eu o salvei. Estava no tempo, estragando, servindo de tapume para a casa do cachorro". Era ainda um quadro figurativo: uma paisagem como que expressionista, ainda dentro do que poderíamos chamar de "a grande pintura".
            Os concretistas pintores de SP merecem uma avaliação, alguns já estão tendo. O grande Charoux merece ser estudado e deverá ocupar o verdadeiro lugar que lhe cabe na arte do Brasil. E, por certo, será um lugar distinto, elevado. E para começar, irei colocar na parede as duas belas serigrafias dele, que guardo há anos. Lothar Charoux fecit.

Em tempo: Lothar Charoux nasceu em Viena, Áustria, em 1912, vindo a  falecer em São Paulo, em 1987. Trabalhos seus podem ser vistos na Pinacoteca do Estado SP e no MAC-USP. Coleções particulares guardam a maior parte do que produziu. OMAR KHOURI

 


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