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HUMANOS SERES
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ROBERTO MIGUEL ATTUY

             

            Egito Antigo. Gauguin. Billie Holiday. Como abordar os três mencionados assuntos sem me lembrar, imediatamente de Roberto Attuy? Mal completou vinte e três anos e se foi, tragicamente, por conta de um acidente de automóvel que levou mais dois: a tia Leontina (Nenê) que o tinha como filho e o irmão René, menino adorável e amado por todos que o conheciam.         
            Mistérios cercaram os acontecimentos: Como é que alguém (um amigo) empresta um automóvel para um motorista que, embora habilitado, não possuía prática de volante, principalmente em se tratando de enfrentar a Via Dutra? O que teria ido fazer no Rio de Janeiro e por tão pouco tempo? Por que levou consigo entes queridos? Quereria que eles conhecessem a Cidade Maravilhosa? O acidente aconteceu na volta, quase chegando em São Paulo e até virou notícia de 1ª página de jornal sensacionalista.
            Em conversa com o pai no dia do trágico acontecimento (que chorava sentidamente) ouvi a seguinte história: O automóvel - um fusca - havia saído da estrada em alta velocidade e mergulhado em cheio numa árvore, o que causou a morte instantânea dos três ocupantes. Porém, no tal fusca, havia marcas de tinta de um outro veículo, o que fazia crer que havia sido abalroado e, daí, Roberto ter perdido o controle e ter saído da estrada. O dono do automóvel - provavelmente um amigo que eu não conhecia -  parecia muito mais preocupado em reaver uma bolsa que continha documentos do que com a tragédia em si: isto intrigou o pai e irmão das vítimas, o Xixo. Ninguém nunca se preocuparia em verificar e talvez que nem desse para fazê-lo: houve mesmo o abalroamento? Quem teria feito isso sem prestar socorro às vítimas? O pior já havia acontecido. Era o ano de 1972 (31 de julho), eu havia acabado de regressar das férias de julho, de Pirajuí, e a notícia me chegou como uma bomba. Estive na casa onde então morava com a família, em Santo Amaro: a mãe, Dona Neusa, em estado de choque, estava sendo assistida por médico; o pai, desesperado, contava-me coisas e fazia observações - sempre chorando - como que querendo recuperar, agarrar com as mãos da memória, algum fato… mostrou-me seu último quadro: um paredão vermelho, uma grade simples de cela com barras dispostas na vertical, uma tênue fumaça branca saindo e, embaixo (se bem me recordo), escrito pequeno: "aqui estamos, até quando?" Parecia algo profético e que evocava o título de uma pintura do seu amado Gauguin.
            Na república em que eu morava, a última pessoa a ver Roberto foi Reinaldo Rizzo. Roberto - grande amigo meu, desde a infância - havia ido me procurar e eu não estava. Conversou com Reinaldo e este me disse que ele falava com a tranqüilidade de um deus, como alguém que havia encontrado a (ou, pelo menos, uma) verdade. Dias antes, porém, eu com meu irmão Richard saímos de automóvel com Roberto - um Sinca - da Rua Dr. Villa Nova à Consolação: susto após susto: demos a ele uma grande prova de amizade. Ele era decidido, arrojado, mas estava longe de ser consderado um motorista, sequer razoável.
             Nascido em Andradina (SP), em 1949 (28 de julho), criou-se em Pirajuí, principalmente na casa da avó Dona Miriam Attuy e sob os cuidados da tia Nenê, aí permanecendo até o início da adolescência (fez até a 2ª série ginasial no IEDAP, em 1963), quando partiu de vez, com a tia, para São Paulo, juntando-se ao restante da família (pai, mãe, mais três irmãos), retornando de raro em raro para rever a avó, tios (as queridas tias Helena e Edith; esta, uma grande mulher, falecida há pouco), primos e amigos. Seu talento para o desenho a pintura mais a modelagem apareceram desde muito cedo: chegou a construir complexos arquitetônicos em miniatura, contendo figuras, os quais evocavam o Antigo Egito. Seus desenhos sempre causavam surpresa e admiração em nós, os amigos e na professora, Dona Maud Pires Arruda. Recentemente, conversando com Paulo Miranda, este me disse que Roberto seria mais um grande publicitário que um pintor, numa época em que a pintura já era uma ilustre e finada arte.
            Extremamente simpático, possuía, também como qualidade uma generosidade rara. Em tudo que fazia se notava diferenciação: era uma espécie de Midas, que valorizava tudo o que tocava. Era uma figura bela e elegante, de uma beleza mais árabe que lusa. Gauguin: o seu pintor preferido e grande influência (seguido do Van Gogh dos girassóis). Billie Holiday, uma descoberta, quando já vivia em São Paulo e que procurou passar para quantos freqüentassem a sua casa, sempre aberta e acolhedora. Tinha grande estima por mim e procurou me colocar no circuito das artes, através de exposições em galerias, como a Vila Rosa e a Scala, e de contatos que possuía em jornais. Foi através dele que conheci o casal João Jorge Rosa Filho e Samira Chalhub: ele, na época, um dono de galeria além de artista plástico; ela uma ainda estudante universitária, mas já professora de literatura. Seriam grandes amigos meus, mais Samira que, depois de encontros e desencontros, cultivamos uma rara amizade, que terminou com sua morte há alguns anos.
            Roberto chegou a trabalhar como publicitário, projetista e pintor decorador, executando painéis que não sei se ainda existem em estabelecimentos comerciais da cidade de São Paulo. Tão novo e desapareceu assim, tão tragicamente. Penso que a sua morte tenha sido determinante para que eu abandonasse a pintura - sempre sonhei ser pintor - o que de fato ocorreu em 1974.
            No ano passado, quando da realização da exposição sobre arte do Antigo Egito, na FAAP, fiquei a imaginar coisas, como a de um encontro marcado com ele em frente ao Prédio 1 daquela instituição, para visitarmos, juntos a mostra… (sempre que penso no ocorrido, tento fantasiar como a coisa teria sido: não fosse a tal árvore e todos estariam sãos e salvos; não fosse a imprudência de ter voltado à noite, cansado - o acidente se deu de madrugada; se vivo, hoje, Roberto seria, sem dúvida alguém de sucesso, cavador e talentoso, como era. Mas - aprendi - em História lidamos com o ocorrido, não há se…). O sonhar conforta e não é proibido!
            Cheguei a organizar uma exposição com trabalhos seus no Salão Nobre do IEDAP, lá pelos idos dos anos 70; foi um mínimo que pude fazer, por Roberto Attuy, pessoa que, de fato, deixou um grande vazio com o seu passamento. Paulo Miranda chegou a escrever para o JORNAL DE PIRAJUÍ (dirigido pelo Sr. Basílio Altran) um belo artigo, que eu gostaria de ver republicado agora, neste semanário.
            Numa próxima oportunidade, enviarei reproduções de desenhos seus, que conservo em meu arquivo e talvez uma preciosa foto que fiz dele à Rua 7 de Setembro, em frente à extinta Riachuelo. Ao fundo pode-se ler o texto: CORES FIRMES. Ah! a memória… OMAR KHOURI

 


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