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AVELINO DE ARAÚJO: UM POETA NA ERA PÓS-VERSO

 

Penso ser ainda necessário dizer que a POESIA - arte da palavra, por excelência - sempre se apresentou com uma vocação intersemiótica, aproximando-se mais ou menos de outras artes / outros códigos: da música, ou das artes visuais. Neste caso, evocando, com os signos verbais, imagens de apelo retiniano: uma poesia feita de palavras, mas que lança uma 'imagem na retina da mente', como colocou Ezra Pound a propósito de FANOPÉIA. Porém, a visualidade que aqui interessa, é aquela que necessariamente principia a existir a partir do momento em que a escrita - entendida como uma "transposição gráfica dos sons da fala" - passa a registrar poemas, os quais antes dependiam exclusivamente de alguém que os memorizasse para poder declamá-los ou cantá-los (aquela mesma escrita que, atentando contra o exercício mnemônico, era deplorada por Platão - a escrita que, diga-se, preservou a sua bela literatura filosófica dos diálogos). Começa a haver uma visualidade necessária no poema escrito. Da mesma forma que estudiosos sensíveis - geralmente poetas - perceberam que a poesia (principalmente a lírica) possui qualidades tais - fônicas - que mesmo alguém desconhecendo o idioma no qual está expressa, perceberá certas qualidades: uma eufonia, uma eurritmia… Pois é, do mesmo modo, alguém que ignore um certo sistema de escrita, porém, com alguma sensibilidade, detectará qualidades gráficas no texto: por exemplo, um processo de aliteração, repetições de caracteres, o que implicará na percepção de similitudes, incomuns em outro tipo de texto. Dessa visualidade emprestada necessariamente pela escrita, à pesquisa do potencial visual a ser explicitado, constituiu-se um outro passo. E prendo-me, aqui, à tradição ocidental. Nem quereria me referir a escritas que, ao longo de séculos, mantiveram uma iconicidade notória, como é o caso da chinesa. No Ocidente - e nossa tradição começa com os gregos, apesar das raízes tão mais antigas - poemas começam a ser registrados com o alfabeto que os gregos assimilaram dos fenícios, modificando-o. Sintomaticamente, as letras do alfabeto fenício originaram-se, até onde sabemos, de pictogramas (hipo-ícones imagens, diria um semioticista de linha peirceana; há, por outro lado, hipóteses que colocam na origem dos vocábulos as onomatopéias: signos verbais fortemente icônicos) e, no mundo grego já encontramos faturas figurativas (com Símias de Rodes, o exemplo mais famoso de autor de poemas figurativos na Antigüidade). Há quem diga, para estragar a festa dos poetas intersemióticos - universo ao qual pertence Avelino de Araújo - que a poesia sempre foi intersemiótica. Sim, essa vocação, mais ou menos explícita, sempre existiu na poesia, porém, é diferente quando se persegue uma intersemioticidade, quando se pesquisam as muitas possibilidades dos vários códigos: gráfico, cromático-pictural, verbal etc para se elaborarar uma fatura de alta complexidade, até fazendo uso de poucos elementos, mas arrebanhados dos vários códigos. Ao longo da História da Poesia no Ocidente, as figurações nos poemas continuaram; são os carmina figurata, da Idade Média - e como não evocar, aqui, toda a tradição caligráfica da Civilização Islâmica? Bem, Renascença e Barroco continuam a tradição, sempre posta na lateral pela corrente principal de poesia: aquela onde impera a palavra e, diga-se, maravilhas foram produzidas ao longo de séculos. No mundo luso, dentro do universo do Barroco, muito poema foi produzido com forte carga de visualidade, menos por ambição estética que por uma necessidade lúdica (e essas incursões até têm sido utilizadas por uma certa geração de poetas experimentais portugueses, para minimizar a influência da poesia brasileira mais recente - entenda-se: a dos concretistas - na de Portugal, aquela poesia com forte carga de visualidade). Séc. XIX IDEM. Em seu final, um poema fundante: Un coup de dés…, de Mallarmé: subdivisões prismáticas da idéia - no dizer do próprio poeta - o branco (silêncio) da página como elemento estrurural. Futurismo e Dada. Morgenstern. Blaise Cendrars e La Prose du Transsibérien… Apollinaire e os calligrammes. Cummings. Toda uma revolução foi-se processando nas linguagens, nas artes: o que era lateralidade antes - a questão da visualidade proposital nos poemas - passa a ser fundamental e, mesmo, a corrente principal da poesia no século XX, a que tem sempre mantido como norma a experimentação. E isto adentra a nova década, século, milênio. No caso específico do Brasil, há, já, uma tradição de experimentação que vem do primeiro momento modernista, chega ao segundo e encontra João Cabral a partir dos anos 40 (salpicam visualidades em meio ao mar de palavras). Anos críticos os 40, pois, por outro lado, vêem surgir a chamada geração de 45, contrária à pesquisa e à experimentação. Foi nesse ambiente que, nos anos 50, a Poesia Concreta chegou para revolucionar: deu por encerrado o ciclo histórico do verso, coisa que alguns poetas já vinham percebendo e mostrou que era possível fazer-se poesia sem versos. (Daí, adentra-se na era pós-verso - era e não fase - apesar do verso, que persiste e, o que é pior, ressurge à maneira pré-22 ou, no máximo, livre - se tanto. O verso, para quem sabe fazê-lo ainda com algum frescor, não deverá permanecer nas páginas de um livro à espera do leitor ideal: explodirá em "letras do tamanho de torres", no dizer de Oswald de Andrade, ou em vociferações ensurdecedoras). A próxima questão que se colocou, sob o ponto de vista formal, foi se um poema subsistiria sem palavras. Alguns poetas em separado e poéticas tentaram mostrar que sim e, quanto a isto, o resultado variou, mas valeu (mais um golpe certeiro na retórica nacional e mundial): poema semiótico, poema-processo, Ronaldo Azeredo, Wlademir Dias-Pino… Porém, se sim, se um poema pode ser poema sem ter palavras, não esgota a questão. Um outro problema que se coloca é: seria interessante banir a entidade palavra definitivanente do poema? A resposta é não, porque a poesia que começou a brotar nos anos 70 perseguiu uma intersemioticidade, utilizando - portanto - vários códigos, fundindo-os ou mesmo justapondo-os e superpondo-os. Em tempo: pode existir um poema sem palavras, porém algo de conceitual, próprio do mundo delas permanecerá. A palavra comparecerá, nem que seja no título, que poderá orientar a leitura, a fruição. O título passa a ser elemento constitutivo estrutural da peça, como nos ensinou Marcel Duchamp. Há, na poesia brasileira, toda uma tradição de integrar visualidade nas faturas e verifica-se toda uma geração de poetas que, com muita naturalidade, opera nesse rico universo que integra códigos muitos e, como toda arte sintonizada com o seu tempo, faz uso das mais avançadas tecnologias, sem temê-las, mas aproveitando o que elas podem dar à Poesia. Palavra. Grafismos. Formas. Cores. Movimento. Sons… Essa poesia não prescinde de nada que venha a contribuir para a eficácia do projeto, que visa, no mínimo, a dar respostas sintonizadas com o hoje, com as exigências que faz o espírito com relação à poesia e aos poetas (poeta: um ser comum, que faz coisas incomuns: poemas). Além de intersemiótica, essa poesia é intermídia: transita de um veículo para outro, sem perda de informação estética. Antes: clama por eles, já é concebida para enfrentar essa passagem. Os poetas que fazem uso da visualidade como elemento estrutural em suas obras, da mesma maneira têm extrema familiaridade com o mundo das palavras, que também utilizam. Essa é a sua marca registrada, é o que eles têm em comum, mesmo nunca tendo formado grupos, do modo como acontecia em outros momentos, em que se observaram poetas unidos e munidos de manifestos, publicações coletivas, página em jornal de alta circulação, pré-disposição para escândalos etc. A poesia de Avelino de Araújo, além da mobilização de códigos vários, traz elementos importantes: um forte humor e uma dose importante de crítica social. Geralmente colocada em páginas de volumes - forma-livro - essa poesia aguarda o momento de extrapolar para o cartaz (de onde, às vezes saiu, pretendendo a forma mais cômoda e durável do livro) o outdoor, o vídeo, quer estar disponível na REDE. Indícios cromáticos raros, denunciam a sua ambição de mergulhar na cor. Desde os primeiros contatos que tive com a poesia de Avelino de Araújo, até o presente momento, tenho percebido qualidades tais, que fazem dele um experimentador: todos os recursos disponíveis - linguagens/códigos - são mobilizados em prol do seu afazer. Um experimentador contumaz, eu diria! Habitando o ensolarado Rio Grande do Norte - Natal, mais especificamente - Avelino de Araújo, estrategicamente, adentra o século XXI e expõe a sua poesia para o mundo! Omar Khouri . São Paulo . março 2001.

 

 



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