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RONALDO AZEREDO : POETAS SÃO ETERNOS?

             

 

            Retorno à casa, nesta manhã de feriado nacional, 15 de novembro, do Crematório de Vila Alpina, após quase-cerimônia de despedida de Ronaldo Azeredo, que, nos últimos três meses e meio sofreu os percalços de quem, tendo adoecido, permaneceu em hospital (o Professor Edmundo Vasconcellos, na região do Ibirapuera), tempo em que, mais do que sanar problemas de saúde, os médicos - parece-me - lutaram para mantê-lo bem dentro das possibilidades que possuía alguém com sérios problemas de fígado, os quais acabaram implicando outros problemas que lhe seriam fatais.
            Era, Ronaldo, muito ligado aos prazeres da vida e aos afazeres de quem desde cedo se descobrira poeta. Nos últimos dez ou doze dias, após rápido regresso à casa, oportunidade em que pôde ser visto pela mãe  nonagenária, teve uma crise que o levou de volta ao hospital, já entrando em estado de coma e, de lá para cá, apresentando alguma melhora, porém,  nada que pudesse de fato animar a família e os amigos, que viviam em constante aflição (foi nessas condições que o visitei na UTI do hospital, onde permaneci por cerca de uma hora, juntamente com pessoas da família). A notícia de sua morte, ontem pela manhã, cobriu o mundo de tristeza: foi isto que sentimos, nós que o admirávamos sobremaneira e por quem nutríamos um profundo sentimento de amizade.
            Conheci Ronaldo Azeredo em 1975, época em que, entusiamado pela Poesia Concreta, que trazia ainda forte dose de experimentação, editava, já, com Paulo Miranda, a revista ARTÉRIA. Dos concretistas históricos, Ronaldo era o mais jovem e o que apresentava um percurso poético surpreendente: de poeta verbal, mas não do verso, passara pelo Concretismo em sua época heróica, tendo realizado poemas que contam para as poéticas do século XX, adentrando outros universos e até chegando a uma poesia não-vebal, ou seja, com faturas em que os elementos de visualidade davam a tônica e a palavra quase não comparecia, sendo que,  às vezes, nem título o poema possuía. Poemas-objeto, livros-objeto em que até o aspecto tátil entrava em jogo: materias, como papéis especiais, tecido (suas "panagens" viraram lenda), alumínio entraram em trabalhos seus, sempre admiráveis.
            Ronaldo construiu uma obra rara e de difícil penetração, já que exige mais do que sensibildade do fruidor e, por isto mesmo talvez seja, dos concretistas, o que mais tempo levará para ser avaliado, muito embora sua obra cative prontamente os jovens que têm a sorte de entrar em contato com ela. É preciso conviver longamente com sua obra para que ela se deixe conhecer.
            Lá pelos anos 70, Ronaldo possuía um grupo dileto de amigos e até houve quem falasse no 'Grupo do Cambuci' (bairro da Paulicéia onde residia Alfredo Volpi, nosso maior colorista e que tendo muita amizade com Ronaldo Azeredo, chegou a financiar muitas edições de seus poemas, que eram publicados autonomamente; o poeta também residia na região, entre Cambuci e Ipiranga). Do tal "grupo" participavam, creio, além do próprio Ronaldo, Villari Herrmann (que se tornou o seu maior amigo), Orlando Marcucci, Fiaminghi, Florivaldo Menezes (o pai), aos quais se agregaram os físicos-poetas, bem mais jovens, Roland de Azeredo Campos e Renato Carlos Ghiotto. Porém, isso não implicava desavença entre concretistas,  principalmente no que diz respeito ao cunhado e descobridor Augusto de Campos (este é casado com Lygia de Azeredo Campos). Augusto conta que, com dezesseis anos, Ronaldo já surpreendia com poemas, que acabaram desembocando no Concretismo, a partir do contato que teve com a poesia do "Grupo Noigandres".
            Ronaldo já participa, nos anos 50, do número 3 de NOIGANDRES e entra nos outros dois números da revista - o poema VELOCIDADE, de 1957 (quem, com 20 anos de idade, ousaria tamanha proeza?), aparece em NOIGANDRES 4. Porém, não afeito a teorias, Ronaldo não colabora na feitura nem assina famosos manifestos, como o Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). É na segunda metade dos anos 50 que fixa residência em São Paulo, e definitivamente.
            Ronaldo deixa mulher, filha, filho e três netos, um dos quais, com talento para a poesia, foi aluno meu na FAAP. Fica, dele, uma obra que contribui para a grandeza da poesia brasileira e mundial e que será apreciada por muitas e muitas gerações, tendo adentrado, já, a história da sensibilidade. Ronaldo Pinto de Azeredo : Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1937 - São Paulo,14 de novembro de 2006. Eterna é a obra do poeta. OMAR KHOURI

 


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