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DOS PERCALÇOS DE NOSSA EFEMERIDADE :
JULIO PLAZA PASSOU POR AQUI

             

São Paulo, 18 de junho de 2003.
 
            Já tive a oportunidade de escrever nesta coluna sobre o artista-pensador Julio Plaza González, em melhores momentos. Hoje, de volta do Crematório de Vila Alpina, onde tentei lhe dar um adeus (não estive em seu velório na capela do Cemitério São Paulo, onde estiveram Donato Ferrari, Milton Sogabe, Inês Raphaelian e Ronaldo Entler, entre outros amigos), é com imensa tristeza e sentimento de perda que faço este registro.
            Na madrugada de ontem Julio Plaza sofreu um AVC irreversível e veio a falecer no Hospital Universitário da USP, cerca de 21h. Soube agora que, tendo pessão alta - como dizemos nós, os mortais comuns - não se cuidava, fumando três maços de cigarros por dia, mais o seu indispensável whisky (por ser um europeu do contimente, pensei que apreciasse mais o vinho). O que ele mais curtia ultimamente era o seu filhinho de apenas dois anos, Ángel. Julio possuía uma filha adulta, Elisa, que deve se encontrar na Espanha. Deixa-nos aos 65 anos.
            Julio Plaza nasceu em Madrid, em 1º de fevereiro de 1938, essa figura enigmática que, como disse hoje Paulo Miranda, parecia de pedra e Sonia Fontanezi - como que numa antevisão da morte - (quando lhe dei a notícia do derrame, devendo ele já estar morto) ex-aluna da FAAP e amiga: "Que repertório o mundo está perdendo!"
            O bem-apessoado Julio Plaza, falante do portunhol, muito desejado pelas mulheres. Tristeza. Do trabalho - tendo sabido do ocorrido às 13h30 -  rumei para o Crematório de Vila Alpina e, do táxi, avistei Paulo Miranda, com quem eu havia falado no dia anterior. Em seguida, chegou o cortejo e o corpo. Ana Bela (a viúva), Regina Silveira (que foi sua companheira por cerca de duas décadas), Gilberto Prado, Jorge Carvajal, Mônica Tavares, Evandro Carlos Jardim, Walter Zanini  e mais umas dez pessoas. Eis que aparece Augusto de Campos, amigo e com quem Julio fez alguns de seus melhores trabalhos nos anos 70 - Poemóbiles e Caixa Preta, por exemplo, referências internacionais de intersemioticidade - que soube por mim (pela metade) do ocorrido.
            Não chegou a haver uma cerimônia na sala do crematório em que o caixão foi exposto por alguns minutos, ao sons de música triste - Villa Lobos etc. Fim do ritual: despedidas e volta para casa.
            A última vez que estive com Julio Plaza foi numa banca de Mestrado na ECA-USP, acho que de sua última orientanda na Pós-Graduação, ele já aposentado (cheguei a participar de várias bancas por ele presididas e ele participou da de uma orientanda minha no IA-UNESP).
            Figura firme em seus propósitos, nunca falou português sem um forte sotaque espanhol. Artista dos melhores que o Brasil adquiriu (só o tendo perdido, por algum tempo, para Porto Rico, onde esteve como artista-professor), construiu uma obra seca, inventiva, com forte teor metalingüístico - teve uma atuação impecável como poucos.
            De muitos anos para cá, deu as costas para a mídia e para a crítica em geral e passou a fazer uma arte ligada às mais avançadas tecnologias, que ele tinha em alta conta e não como algo que, como alguns tratam, era feito apenas para constar o pioneirismo: do vídeo-texto à INTERNET, passando pelos mais avançados programas de computador. Em todo caso, escreveu muito, fez teoria saindo, desse exercício, livros hoje indispensáveis para aqueles se preocupam com questões de linguagem, como Tradução Intersemiótica, sua tese de Doutorado. Fizemos, em 05 de agosto de 2000, eu e Peter de Brito, fotos suas em sua residência e na pracinha em frente, à Rua Agissê, Bairro do Sumaré e que pretendo publicar um dia.
            Julio Plaza era um mistério aparente, já que sabia que as essencialidades eram tão diminutas, que não valeria a pena o estar-se manifestando sobre efemérides. Havia absorvido, além de toda a tradição da Arte Ocidental - enveredando pelo Oriente, em especial, China e Japão - as linguagens dos modernismos: Duchamp, Bauhaus, Pop Art, Arte Conceitual, Grupo Fluxos, as Novas Tecnologias (a começar, como já foi dito, pelo hoje dinossáurico videotexto). Não dava a mínima para críticos e para o mundo frívolo das galerias. Abandonou em grande parte os fazeres tradicionais, ligados ao artesanato, que ele dominava como poucos: desde o simples desenho de observação, à feitura manual de um livro. Deixou (talvez nem tenha começado) de ganhar dinheiro com a Arte (objetos) que produziria, assim como acontece com todos aqueles que conseguem criar um estilo pessoal marcante (como Duchamp, fugiu do estilo pessoal. adentrando o mundo dos conceitos e da reflexão).
             Foi professor por muitos anos na FAAP e marcou gerações com seu rigor e crítica do fazer. Produziu ao mesmo tempo uma arte metalingüística e conceitual, dialogando com artristas da tradição - de Velázquez a Duchamp. Valorizou a palavra, maravilhando-se com os jogos por elas propiciados, em casamento com as formas visuais. Casou imagem e palavra e, sob esse aspecto, era um verdadeiro poeta. Como gráfico, participou de muitas produções coletivas e/ou individuais, contribuindo para elevar o nível das publicações que se faziam à margem do sistema editorial brasileiro. Produziu e teorizou sobre o livro-de-artista.
            O futuro próximo poderá avaliar a singular e importante contribuição de Julio Plaza para o Brasil e para o Planeta (coisa que ele, até pouco, impediu que se fizesse). Artista que ora adentra a eternidade. Fazedor que preferiu abandonar o Perecível em prol do Reprodutível e do Disponível. Julio Plaza: fica um vazio que se aproxima do quase-nada a que pretendeu chegar.

Em tempo:
São Paulo, 23 de junho de 2003:
Missa de 7º dia, pela alma de Julio Plaza, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, à Rua Dr. Arnaldo, Sumaré, São Paulo cap. Que é quando, tendo encontrado amigos, concluo este escrito.
OMAR KHOURI

 


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