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POESIA
nomuque.net

UM VERSO DE EURÍPIDES

             

Das minhas incursões pelo mundo helênico, resultaram algumas
traduções-recriações. Poucas. Poucas mesmo, mas que considerei muito
felizes, todas feitas em fins dos anos 80 e durante os 90 do século XX
d. C. Dentre elas, destaco a do verso 330 da Medéia, de Eurípides
(tragédia escrita e apresentada na 2ª metade do século V a.C.) Ei-la:
 
dores, dores!
 
pra os mortais, grande mal:
 
amores.
 
Explicação necessária:
Texto grego:
ΦΕΥ ΦΕΥ, ΒΡΟΤΟΙΣ ΕΡΩΤΕΣ ΩΣ ΚΑΚΟΝ ΜΕΓΑ.
Transliteração:
PHEÛ PHEÛ! BROTOÎS ÉROTES HÓS KAKÓN MÉGA.
Tradução tanto o quanto literal:
AAI AAI! PARA OS MORTAIS, COMO OS AMORES (SÃO UM/O) GRANDE MAL.
 
Traduzir de um idioma para outro é sempre tarefa difícil, quando não impossível, em se tratando de poesia: como fazer de uma obra de arte, uma outra obra de arte em novo idioma? Pois é, o problema todo é este.
O tradutor deverá ser, também, um artista da palavra, um poeta.

Tradução de texto poético só é possível recriando-se, achando equivalências no outro idioma (é claro que é sempre melhor estudar, curtir poesia no original, porém, a tradução entra como um desafio para o fazedor, uma categoria - mesmo - da criação). Daí que, vivendo o original, o tradutor transcria. Trabalho resultante: obra autônoma que traz, ao mesmo tempo, a memória daquela que a motivou. Em outras palavras: o novo texto tem vida própria, ao mesmo tempo em que aponta para um original. No mais, o que têm sido esses milênios de prática artística, senão um constante diálogo entre artistas/fazedores e obras? O que é a intertextualidade senão esse dialogar que forma um tecido chamado patrimônio artístico? O próprio inserir-se numa tradição, para produzir algo já implica, necessariamente, nesse diálogo.

Faço aqui, de uma linha (verso) da referida tragédia euripidiana, uma peça autônoma em português. Trabalhei considerando a impossibilidade da tradução de formas, mas pelo achamento de equivalências lusas para
a materialidade dos signos na língua original (grega) signos estes em estado de poesia. Mas fui além, conseguindo, além da eufonia, a aplicação de um recurso muito caro à nossa tradição, mas não à
civilização grega, que dela não fazia uso: a rima. E, aí, uma rima surpresa: se é intolerável a rima amor e dor, amores e dores, causa surpresa: e é como está no grego - amores, plural: ΕΡΩΤΕΣ. A interjeição ΦΕΥ, indica dor e vem reiterada - daí, utilizei, com o mesmo valor, o substantivo no plural: dores, repetido. A não necessidade do uso do verbo em grego, coincidiu com a possibilidade de tampouco utilizá-lo em português. A referencialidade do original transita, outrossim, quase que inteiramente para a língua de Camões. Deixo públicas, aqui, minhas dívidas artísticas e intelectuais, ao mesmo tempo em que agradeço a Ezra Pound, Roman Jakobson, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Paulo Miranda, Luiz Antônio de Figueiredo, Anna Lia Amaral de Almeida Prado e Filomena Yoshie Hirata Garcia.

Recriação ou tradução-arte ou transcriação, para ficar com os Campos, irmãos do Concretismo ou, à maneira algo paródica, de minha lavra: translusificação.

Se traduzir um verso é difícil, imagine-se uma peça inteira! Num arroubo de desgosto, num desabafo, a preterida Medéia maldiz o que já havia sido a mola de seus prazeres, então, motivo das suas
dores. Amor, amores. Vida. OMAR KHOURI
 
   


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