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HISTORINHAS DE POETAS
nomuque.net

O CASO DO MENSAGEM, DE F. PESSOA

 

            Fernando Pessoa (1888-1935) aliás, PESSOAS. Trata-se de Fernando António Nogueira Pessoa, do festejado, do grande poeta português dos heterônimos. Todos sabem dizer, nem que seja alguma sua estrofe, como a primeira do "AUTOPSICOGRAFIA", uma quadra:

            O poeta é um fingidor.
            Finge tão completamente
            Que chega a fingir que é dor
            A dor que deveras sente.

            Sempre lembrada a questão da heteronímia (vários poetas por um só, que, de vez em quando, era ele-mesmo). Numa Lisboa provinciana, sem interlocutores à altura, o aparentemente pacato Fernando era um vulcão por dentro. Produzia compulsivamente e não se contendo em si, desdobrou-se em vários: era Pessoa-ele-mesmo, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e muitos outros. É elevada a qualidade de sua produção poética, também produzia teoria e era muito bom tradutor de poesia. Enchia a cara: preferiu morrer de cirrose a esperar que o tédio o detonasse em mais alguns - talvez muitos - anos. Morreu aos quarenta e sete anos e meio, mas nunca deixou de dar trabalho aos que se dedicaram à sua obra. Sabendo perfeitamente o inglês e tendo inclusive escrito nessa língua, fez opção pelo português e foi, nesta, um poeta excepcional. Nem tudo, porém são flores no Jardim das Musas. No ano de 1934, Fernando Pessoa concorreu a um prêmio de poesia: enviou nada, mais nada menos que o seu Mensagem: uma espécie de épico possível em seu tempo, impregnado de lirismo: um épico anti-épico, feito de poemas curtos com medidas diversas: quadros congelados de um Portugal já ido, mas contaminado de messianismo. Eu diria que esta obra-prima (e prima sempre o é em termos qualitativos) constitui-se num dos mais belos livros de poemas do século XX: um livro inteiro, com uma cara única, não um ajuntamento de poemas em volume. Pois é, foi criado um prêmio de 2ª categoria e atribuído ao poeta. Foi o único livro seu, de poemas, publicado em português. Poemas, ele publicou em revistas várias: ORPHEU, PORTUGAL FUTURISTA, ATHENA e tantas outras. Tive chance de consultar a 1ª edição de Mensagem, em inícios dos anos 90, da biblioteca da LETRAS-USP. Foi uma emoção para mim, eu que possuo umas oito edições diferentes do livro. Se alguém se lembra do nome do poeta que recebeu o primeiro prêmio, é em função do Pessoa injustiçado. Os contemporâneos são, geralmente, os que menos compreendem a obra dos grandes artistas, dos artistas excepcionais. Vejamos com que poema (conservo a grafia original, como ele quis que fosse) F. Pessoa abre o seu mencionado livro:

            A Europa jaz, posta nos cotovellos:
            De Oriente Occidente jaz, fitando,
            E toldam-lhe romanticos cabellos
            Olhos gregos, lembrando.

            O cotovello esquerdo é recuado;
            O direito é em angulo disposto.
            Aquelle diz Italia onde é pousado;
            Este diz Inglaterra onde, afastado,
            A mão sustenta, em que se apóia o rosto.

            Fita, com olhar sphyngico e fatal,
            O Occidente, futuro do passado.

            O rosto com que fita é Portugal.

OMAR KHOURI

 

 



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