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MARCEL DUCHAMP

            

            O que pensar de alguém que determine para o seu túmulo o seguinte epitáfio: ALIÁS, SÃO SEMPRE OS OUTROS QUE MORREM! Pois é, o artista francês Marcel Duchamp (1887-1968) fez isso... Duchamp, ao que me consta, era uma pessoa feliz, possuía essa vocação e um dos motivos que tenho para desconfiar de que era feliz, é o fato de ele não ter o dinheiro como algo importante. Teve tudo para ficar rico rapidamente: não se interessou, pois nunca passou por sua cabeça ser um moderno acadêmico ou um vanguardista profissional. Possuía, sim, uma grande ambição artística talvez a maioir das ambições artísticas deste século. Quase nunca se repetiu. Em 1912 pintou um quadro a que nomeou "Nu descendo uma escada"; quanto à forma/estilo, os estudiosos o têm classificado como cubo-futurista; além do que tem de formalmente espetacular, o quadro traz o seu nome inscrito na parte inferiror: Duchamp fez com que os títulos de suas obras entrassem como elementos constitutivos estruturais, além do grande impacto que alguns trazem, pois fazem trocadilhos, criam uma aparente distância - muito grande - com relação àquilo que se vê, são a incorporação de valores propriamente literários numa obra que pertence ao universo das Artes Plásticas. O tal Nu, participando de importante mostra nos EUA, Nova York, em 1913 - Armory Show - causou sensação e transformou Duchamp numa celebridade entre os artistas e aficionados das Artes naquela cidade. Poderia ter pintado mais de uma centena de quadros que seriam variações do "Nu", mas não o fez. Célebre antes nos EUA, este país acabou ficando com o núcleo principal de sua obra, que se encontra no Museu de Arte de Filadélfia. Da pintura puramente retiniana, àquela que comporta uma fortíssima dose de conceptualismo, trabalhou durante anos no "Grande Vidro", que acabou danificado por um acidente, tendo sido incorporado tal acaso. Mas o que de mais notável há na obra duchampiana é ter ele chegado a assumir como arte algo já pronto, com ou sem algumas alterações: os READY-MADES. O projeto - Duchamp foi um artista-pensador - contém a anulação do gosto pessoal: isto norteava a escolha de um determinado objeto ao qual imputava o teor estético, de par com a possibilidade de reprodução, evitando, assim, a coisa do objeto único. Se é ou não possível zerar-se o gosto pessoal, não importa tanto; o que mais importa é ter isso como projeto. Tem de se ser radical. Há momentos que pedem o máximo de radicalidade. E a ambição duchampiana não deixava por menos. Alguns ready-mades são objetos industriais, fabricados em série, podendo ser feitos outros iguais. Com isto, Duchamp dá um tiro certeiro no artesanato. (A revolução picassiana na arte, por outro lado, foi diferente: sempre esteve calcada no artesanato. Picasso, um produtor compulsivo de objetos de arte, nunca abriu mão do artesanal em prol de um conceitual, embora todo ato que resulte em arte tenha muito de cérebro; Picasso necessitava do empenho braçal que o artesanato exige). O mais famoso Ready-Made de Duchamp foi por ele denominado A FONTE e se trata de um mictório masculino, desses parafusados na parede. Ele o descontextualizou, assinou-o, datou-o e o colocou numa posição que não é aquela que permitiria um uso adequado (na concepção do ready-made, não consta mudança de função, mas a função-nenhuma a não ser a estética que é imputada ao objeto pelo artista). n'A FONTE, Duchamp, conceptualmente inverte as funções: de mictório, portanto, sorvedouro de urina masculina a fonte: um liberador de água ou de qualquer outra coisa. Formalmente, esse objeto faz lembrar a genitália feminima agigantada, exposta, remetendo, esta configuração, ao quadro do pintor realista do século XIX Gustave Courbet L'ORIGINE DU MONDE = uma mulher de pernas abertas com o sexo exposto, porém encimado por uma pelugem: uma fonte. De VIDA. Na última obra de Duchamp, uma instalação que foi montada no Museu de Arte de Filadélfia, após sua morte, em 1968, o voyeur, pela festa de uma velha porta vê uma mulher deitada, tridimensional, com o sexo, sem pelugem exposto, mas não vê o rosto, como no quadro de Courbet. É dia, mas a mão esquerda sustenta um lampião aceso. ÉTANT DONNÉS. A FONTE. Duchamp é desses artistas inventores, dos que abrem picadas para serem trilhadas pelos que vêm em seguida. Duchamp e seus intermináveis caminhos... OMAR KHOURI

 

 


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