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COMUNICAÇÃO
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O SIGNO-NOVO E A COMUNICAÇÃO

 

            Comunicação: o processo acontece, mesmo que insatisfatoriamente, sendo quase impossível que não haja comunicação, em algum grau, de alguma forma, verbal ou não-verbal entre as pessoas envolvidas (remetente e destinatário). Porém, muita coisa entra em jogo no tal processo. No que diz respeito a remetente e destinatário, o repertório se apresenta como elemento determinante: tem de haver uma identidade real ou fruto de concessão de uma das partes envolvidas no processo e este estará invariavelmente permeado de ruídos.
            RUÍDO: toda e qualquer perturbação no processo de comunicação e não se restringe ao sonoro, mas abrange o visual, o tátil etc. (Em princípio algo negativo e inevitável, o ruído passou a ser visto diferentemente nas artes do século XX, que passaram a utilizá-lo como elemento constitutivo estrutural nas obras, assim como o acaso - a ele intimamente ligado - e o silêncio). Não há processo em que não se verifiquem ruídos: em maior ou menor grau. A incidência de ruídos pode atingir índices altos, a ponto de inviabilizar o processo. A incidência poderá ser mínima, a ponto de os ruídos ficarem imperceptíveis. Quanto maior for o controle sobre o processo de comunicação, menor será a interferência do acaso, que se relaciona intimamente com o ruído, determinando-o, via de regra. O ruído poderá ser próprio do canal, do meio que transmite a mensagem e daí passa a nem ser mais encarado enquanto tal.
            Por outro lado, comunicação está intimamente ligada à informação. Sem esta, nada se comunica, tem-se a pura redundância, tornando o processo dispensável, posto que inútil. Porém, a redundância, no processo, tem um importante papel: viabiliza o trânsito da informação que, se pura, fica simplesmente inviável. Se a mensagem é altamente informativa, torna-se difícil, mas sempre apresentará pontos de redundância, o que permitirá uma aproximação do destinatário disposto a participar efetivamente do processo. Essa mesma mensagem altamente informativa, inovadora por isto mesmo, terá fatalmente um pequeno auditório (poucos destinatários e aqui citaria o UM LANCE DA DADOS, de Mallarmé ou um filme de Godard, como PIERROT LE FOU); se altamente redundante, terá um mais amplo auditório (vejam-se livros como os best sellers, por exemplo).
            E como, no processo de comunicação, o repertório dos envolvidos desempenha um importante papel, podemos dizer que toda mensagem poderá informar sempre: pois se não informa a uns, informará a outros, porque o que pode ser pura redundância para uns não o será para outros de repertório mais carente de informações específicas (glosando Norbert Wiener, diria que uma pessoa bem informada é aquela que está em posse de um repertório tal que lhe permita uma excelente performance em sociedade, dentro daquilo que ela se propõe fazer, é claro). É o caso do que é veiculado na televisão, meio de massa e que traz de tudo, descontentando uns e agradando a grande maioria, carente de maiores sofisticações. Acontece que a intelectualidade sempre nivela as coisas por cima (a não ser quando isso não venha a interessá-la). Por exemplo, numa História da Arte, sempre comparece o melhor produzido pelos melhores… Ninguém é totalmente sábio, nem totalmente ignorante: os saberes e as ignorâncias são localizados. Daí eu preferir falar em "carência repertorial específica".
            As grandes obras (de arte) sempre informam e nunca são fruídas por alguém em definitivo: invariavelmente trarão novidades a cada apreciação. Daí que estão sendo sempre revisitadas e elas formam a parte mais viva e importante da tradição. Tradição e ruptura: os artistas mais revolucionários são os que mais têm conhecimento da tradição e, por conhecê-la, é que podem vir a subvertê-la, revolucioná-la.
            No Ocidente, observou-se uma dinâmica não vista em outras áreas do Planeta: uma rápida evolução de formas, de par com uma reflexão sobre a linguagem. Desde os gregos, observamos tais mudanças: vejam-se esculturas dos  períodos Arcaico, Clássico e Helenístico. Quando se chega ao século XIX na Europa Centro-Ocidental, então, a partir do Romantismo principalmente, as coisas disparam (trata-se de evolução de formas e não de "progresso", muito embora as tecnologias novas costumam ser utilizadas pelos artistas que as vêem como um meio e até descobrem nelas uma linguagem própria). E é claro que tudo isso vai de par com toda uma mudança na economia e na sociedade, dada a eclosão e expansão da Revolução Industrial. Manifestações dão respostas às condições/exigências de época e até chegam a anunciar tempos novos. Cientistas e artistas costumam chegar antes. "Os artistas são as antenas da raça", afirmou o poeta Ezra Pound. "Os poetas [artistas] são os designers da linguagem" escreveu o excepcional criador Décio Pignatari.
            O SIGNO-NOVO vem acrescentar coisas à tradição e um dia ele mesmo será parte integrante da mesma tradição. Cria dificuldades: faz com que os destinatários torçam o nariz. Provoca reações adversas. Conquista adeptos. O signo-novo apanha as pessoas despreparadas para compreendê-lo ou para dele se aproximar. Falta repertório específico ou até geral para uma aproximação (veja-se, por exemplo, a crítica de Monteiro Lobato à exposição Malfatti, de 1917. As obras apresentadas traziam um alto teor informativo para os destinatários paulistanos. Naquele momento, somente Anita Malfatti possuía repertório para apreciar sua própria  exposição, que acabou por apontar o caminho da mudança, em se tratando de linguagem: resultou no Movimento Modernista).
            O signo-novo incomoda (a sociedade precisa de tempo para neutralizar a sua força revolucionária…), cria problemas. Às vezes, ao susto inicial, segue-se uma grande paixão, principalmente quando se é jovem e se está aberto às mensagens com alto teor informativo. Periodicamente elas - as mensagens - vêm como uma avalanche e anunciam uma mudança de paradigma, como foi todo o processo que se iniciou na segunda metade do século XIX e adentrou o século XX. (Poucos viram LES DEMOISELLES D'AVIGNON, de Pablo Picasso, obra fundamental de 1907 e se assustaram: Braque estranhou e, em seguida, gamou. O primeiro ready-made - 1913 - invenção duchampiana, RODA DE BICICLETA, nem foi percebido como obra de arte, tal era a dificuldade de compreensão, dado o seu alto teor informativo e é quase certo que foi parar no lixo e o que se tem hoje são réplicas dele, autorizadas pelo próprio Duchamp nos anos 60 do século passado). Trata-se da questão do repertório mobilizado pela mensagem e auditório/destinatários. O problema do signo-novo, em qualquer área: arte, moda, ciência, provoca reações semelhantes. O signo-novo obriga os destinatários a repensar a tradição e isto dá trabalho, dói. O signo-novo provoca modificações no comportamento e o processo é irreversível, traz desdobramentos, pode provocar mudança substancial.
            As sociedades e as inovações: ao mesmo tempo em que as inovações são essenciais para que as sociedades não se esclerosem, para que se revigorem, há um grande conservadorismo que grassa as mesmas e isto deve ser importante para que elas não percam suas marcas definidoras. A irreversibilidade dos processos é coisa de que devemos estar certos: mais ou menos lentamente as coisas se encaminham para as mudanças, geralmente muito lentas (as mudanças de paradigma se arrastam por séculos. Veja-se, por exemplo, a provocada pela teoria do heliocentrismo que, embora cogitada pela  antigüidade helênica, foi lançada em meados do século XVI, em famosa obra de Nicolau Copérnico).
            Mesmo que as coisas melhorem em alguns aspectos, nenhuma mudança vem a representar a redenção da Humanidade. Chego a pensar que não há remédio para a nossa espécie: somos escravos da racionalidade e da ânsia pelo poder, por algum poder, em alguma dose. A felicidade é vocação de alguns poucos, não é para quem quer. Não passa pelo dinheiro, tampouco pelo sexo. Há os poucos que, possuindo  essa vocação, experimentam perenemente o bem-estar-no-mundo. Alguns outros, apenas administram bem o desenrolar dos processos existenciais. A maioria, ou sofre desmesuradamente ou se aliena naquele sentido, o mais sórdido. De qualquer modo, o signo-novo é um sopro de esperança, uma ilusão de que as coisas possam mudar substancialmente para melhor. Que soprem em nossa direção os ventos da novidade! OMAR KHOURI
 



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