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HAICAI: PARCIMÔNIA E PRODIGALIDADE

 

Criar todo um universo com um mínimo de recursos. Construí-lo com palavras. Somente no Reino da Poesia isto é possível e no âmbito daquilo que no Ocidente se convencionou chamar de Lírica. Quando a parcimônia é uma obrigatoriedade, aceitar o desafio é fazer: do pouco muito. Um pouco que traz um qualitativo apreciável. O Admirável. A poesia acontece quando se conseguem maravilhas com tão pouco, mesmo dispondo de muitos elementos. Escolha. Renúncia. Brevidade. Dificuldade em se conseguir algo com completude, inteireza.
O haicai: forma poética fixa da língua japonesa. Por sua concisão, encantou as sensibilidades no Ocidente, assim como fizeram as xilogravuras, os interiores das casa, os jardins, os arranjos florais, as artes marciais. Da estranheza causada pela cultura nipônica, na primeira expansão do Ocidente no Extremo-Oriente, ao maravilhamento causado, a partir da segunda metade do século XIX, pela mesma cultura, agora já no âmbito do admirável e do espanto - o que era mais que apenas pelo Japão. Porém, deste, o haiku (mais conhecido entre nós sob a forma de haicai) deitou raízes, frutificou. A mais visível (audível) das assimilações que permanecem vivas entre nós.

Produtores de linguagem se encantaram pela cultura daquele longínquo Oriente nipônico: Monet, Van Gogh, Ezra Pound, Octavio Paz, Haroldo de Campos, Julio Plaza. Este chegou a dedicar-se, em muitos trabalhos, a utilizar a lição daquela área do planeta, o haicai, em especial. Citem-se as variações sobre o mais famoso dos haicais, de Bashô: velho tanque…  com base na transcriação feita por Haroldo de Campos.

Muitos têm a parcimônia como uma condição. E o haicai reforçou esse aspecto. A dificuldade da aproximação e do fazer. Como tentar, utilizando uma língua românica - impregnada daquela helênica lógica - composição tão concisa?

O haicai teve de passar por toda uma aclimatação no que respeita à quantidade de sílabas de cada linha. Nas línguas românicas, cuja contagem também difere da nipônica, além de tantas outras gritantes diferenças - e a mais bela língua é a da poesia, seja qual for o idioma no qual venha expressa - um problema a resolver. Quase nunca fica bem o esquema original de cinco-sete-cinco sílabas e quando fica, simplesmente fica. Modifica-se o número fixo de sílabas e mantém-se a fonoeurritmia. Aqui e ali uma rima (que não há no original): consoante ou toante. Que isto soa bem aos nossos ouvidos e amarra a composição
.
Haicai é fanopéia (Pound) com algo de logopéia. Haicai é paisagem com reflexão, em três linhazinhas. Com tudo o que vier a implicar essa tal paisagem (estado/aspecto da natureza). Das vanguardas, nos inícios do século XX, aos dias atuais, o haicai tem feito adeptos no Ocidente, o que torna essa forma comum, quase como as quadras, para os nossos poetas. Trata-se de uma modalidade que se integrou às poéticas do Ocidente, entrando como um campo de expressão e até de experimentação, para  muitos.

Os haicais constantes deste livro: Haikus de los cuatro elementos, de Luz del Olmo, primam pela excelência de fatura poética e, do início ao final, a autora mantém um qualitativo muito elevado: digno das melhores realizações haicaísticas que conhecemos. A leitura das peças deste volume  nos causa admiração pelo que há nelas de beleza formal e sabedoria no manipular as palavras: poemas apreciáveis em espanhol!

Abrindo-se o livro a esmo encontrar-se-á infalivelmente um bom poema. Experimentar-se-á o sabor do poético. Da 'linguagem em estado de poesia'. Como o título já indicia, a obra compõe-se de quatro partes: agua, aire, fuego, tierra. Destaquemos um poema de cada uma delas:
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Agua en el mar
agua del agua,
llanto de nubes.
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Silencio quieto.
Despiertan azucenas,
se mueve el viento.
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Duermen cenizas.
No sueñan nunca, nada.
Llama a la llama.
.
Con lentitud
pasa una tristeza.
No es mariposa.

Esta pequena amostragem nos dá a medida da grandeza desses poemas mínimos com o máximo de informação estética. Não muito, mas muito. Luz n (d) as palavras. Todo um universo em sílabas poucas é o que traz com este conjunto Luz del Olmo. Fruir é a ordem. Que poesia é coisa rara.
Omar Khouri
São Paulo . maio 2005

 

 


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