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APRECIAÇÕES CRÍTICAS
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PETER DE BRITO: UM BANQUETE COM EROS, DIONISO E AFRODITE (EXPOSIÇÃO 2013)

 

Não fora a etimologia, que aponta para a prostituição, e eu diria ser Peter de Brito um artista pornográfico, já que considero a pornografia parte integrante disto a que chamamos erotismo (em sentido lato), e tendo em conta que o termo erótico tem sido utilizado para legitimar como Arte todo um setor da produção de linguagem que utiliza as práticas sexuais, ou insinuações das mesmas, como tema. Em verdade, não me agrada estabelecer diferenças entre erotismo e pornografia – para mim, a questão é constatar maior ou menor complexidade na elaboração de obras. Peter de Brito labora num universo em que Eros (o Amor carnal) dá a tônica, o que justifica este preâmbulo.

Nesta nossa era da Internet, vislumbram-se fantásticas possibilidades de divulgação de tudo, e para o mundo todo (o que nem sempre ocorre, mas que pode chega a ocorrer), e isto vai de par com uma tremenda sem-cerimônia das pessoas, ansiosas por divulgar a própria imagem, em pelo e sem pejo, só ou acompanhadas, em ação ou paradas. Daí é que é evocada e/ou reivindicada a profecia de Andy Warhol de que no futuro todos poderiam ou teriam seus 15 minutos de fama, e a expressão 15’ se consagrou. Porém, décadas antes, em famoso ensaio, Walter Benjamin já havia dito que, via cinema (captação pela câmera), o anônimo poderia ter divulgada para o mundo todo a sua anônima imagem.

Eros, pulsão de vida, comanda as existências e a procura de sexo e, com a facilidade da e na Internet, a coisa se nos apresenta como algo estarrecedor. Porém, à demanda (estímulo) há como resposta uma grande oferta (gigantesca, mesmo), satisfazendo, portanto, por um lado, a gana de uns por aparecer e, de outro, a gana dos que procuram emoções sexuais, sem o contato físico, mas até com alguma interatividade, abrindo as portas, de um lado, para o exibicionismo e, de outro, para o voyeurismo: “deixo minha imagem, como eu bem queira, nesse mar de imagens e alguém, no mundo, haverá de fisgá-la”.

Peter de Brito que, desde antes de sua outra exposição (from gastão to the world, na Galeria Emma Thomas - uma espécie de site specific, que transformou a galeria numa loja de produtos de elegância e beleza e com a grife DD = Darcy Dias, que o também artista e crítico Ricardo Coelho considerou a melhor de quantas mostras aconteceram em São Paulo naquele ano de 2008), perseguia esse tema da fama, da celebridade e, na base da captura de imagens, fez uma espécie de garimpagem e selecionou, dentre milhares em disponibilidade, poucas dezenas + cerca de 2 mil, as quais elegeu como material morfo-semântico para os seus cometimentos pictóricos, fotocinéticos e escultóricos. O fotógrafo-artista já firmado (maduro), delegou a outrem a tarefa do registro, apenas se apropriando de imagens escolhidas entre miríades das pesquisadas e encontradas. A oferta, de fato, exorbita!

A exposição que Peter de Brito ora apresenta, na mesma Emma Thomas: ‘Refresh: estou ciente e quero continuar_’, em que visita sites com conteúdo erótico-pornográfico, traz 1 trabalho foto-cinético, não propriamente um vídeo, no qual, em corte-metralhadora, aparecem em pouco mais de 2 minutos mais de 1600 imagens obtidas na Internet, de pessoas exibindo-se, ao mesmo tempo em que se auto-fotografam, sem ou com trajes, no mínimo, menores, com o acompanhamento de um som em muito parecido com o da chamada Música Concreta, 1 escultura em bronze: oroboro fálico-anal, objeto para decorar paredes, e 23 pinturas (sendo 21 em pequeno e 2 em grande formato). As pinturas, portanto, predominam, todas executadas a partir do estímulo “imagem captada na REDE”, com a técnica de pintura a óleo, que Peter desenvolveu num período de quase 3 anos, na tentativa de assimilar o modo - uma tecnologia com mais de cinco séculos de existência e com prática artística sistemática, e que conhecia, mas com relação à qual teve de desenvolver uma familiaridade maior, ou seja, domá-la e dominá-la para poder realizar os seus intentos plásticos – esforço grande: pesquisas, visitas a grandes mestres em museus muitos, principalmente da Itália, livros, indagações. Uma verdadeira Via-Crucis para o produtor-de-linguagem Peter de Brito. Os resultados vão além do satisfatório atingindo, enquanto facturas, o grau de excelência.

Referências-admirações: Michelangelo - com sua androfilia ou filiandria evidente, comparece desde sempre em facturas de Peter de Brito, tendo a considerar os belos trabalhos fotográficos em que há a superposição, justaposição e colagem de imagens saídas da Sistina e outras tantas, que foram aproximadas por analogia formal, numa incursão que se poderia dizer paronomástica - mais Egon Schiele, Edward Hopper, David Hockney, Andy Warhol, Philip Pearlstein, Eric Fischl, Lucien Freud, Alair Gomes, Robert Mappelthorpe, James Rosenquist, Tom of Finland – aqui, mais a temática, ali mais a técnica pictórica, acolá as duas coisas, e algo do mood da pintura metafísica, em termos de técnica pictórica e/ou temática. Trazendo o vulgar para o âmbito erudito, sem ornamentos kitschizantes, Peter de Brito faz um trabalho que se aproxima do melhor que a arte dita erótica tem produzido: das pinturas e esculturas de Pompeia (que pôde ver de perto) a Alair Gomes, passando pela xilogravura japonesa e filmes, muitos, que adentram o universo das práticas eróticas.
O Realismo pode ser detectado no trabalho de Peter de Brito, não pura e simplesmente pelo modo como opera uma espécie de mimese, avizinhando-se da fotografia, mas pelo fato de os complexos sígnicos evocarem objetos (dinâmicos) passíveis de serem existentes – como se pode dizer, evocando a semiótica peirceana. Outrossim, o processo de elaboração das imagens comporta muito de indexicalidade (própria do signo fotográfico) + a indexicalidade tetectável em toda arte figurativa (o signo intentanto conformar-se ao objeto). Daí é que, verbalizando os trabalhos apresentados, ou seja, tentando uma tradução intersemiótica (Jakobson-Julio Plaza) os quadros assim se apresentariam:

CUECAÀMOSTRAPROVIDADEMALA. CUECAFALICOESCROTALMENTEINFLADA. AUTOFELAÇÃOouCHUPANDOOPRÓRIOPAU. PEITOÀMOSTRADE FIGURAEMREPOUSO. BUNDAMODESTA. MÃONOPAUSOBACUECA. UMPÉDESALTO. MÁSCARAANTIGÁS. PINTOMURCHO. OMANDONOCUCOMPOLVO. ARREGAÇANDOOPRÓPRIOCU. VESTINDOCAMISALISTRADA. DOCINHOBOSTOSO. VISLUMBREDAMALASOBACUECA. ESCORÇODEBUNDADEPERFILVESTIDA. MÁSCARACOELHO. BANDEIRAAOVENTO. PINTODUROVERMELHUSCO. EXIBINDOAMALA. CABEÇADECÃO. SOBASVESTESOSPEITOS. ABOBRINHAFÁLICA. PAUNOCUDOCARA

A ambiência pornô/erótica acaba por contaminar tudo, colocando, no mesmo universo, uma autofelação e um docinho. O vídeo Fresh + o objeto em bronze, paualcançandooprópriocu = oroboro, completam a cena: festa de Eros, orgia de Dioniso! O artista, espécie de Professor Pardal - ou, quem o saberá? até um Midas - dá nomes mais sutis aos seus cometimentos artísticos: “Location: Tokyo, Japan”, “Age 45”, “Opened relationship” etc.
As facilidades são justamente as dificuldades de ser-se um artista plástico hoje. Peter de Brito vive uma época da Arte em que não é a excelência de um afazer o que conta, mas o conhecimento de uma grande variedade de afazeres, cuja não-especialização (profunda) é compensada pela capacidade de relacionar técnicas e métodos, mesmo que, para isto, seja necessário o socorro de técnicos-especialistas e, portanto, a delegação de tarefas a outrem. Peter de Brito sabe e faz e, quando solicita o know how de um técnico, sabe como orientá-lo para aquilo a que pretende chegar. Tem a consciência, por outro lado, de que (quase) todas as tecnologias de (quase) todas as épocas estão por aí, disponíveis - mesclando-se com o que há de mais atual – e que é só ver e utilizar o que é adequado para o quê. Peter de Brito registra anseios da Contemporaneidade. É um artista do Hoje, que se projeta para o Devir.

OMAR KHOURI março 2013 

 

 

 


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