V-8
Josiel Vieira de Araújo


       V-8
        Manhãs de segunda-feira sempre foram do caralho, e por conta disso daquela vez aqueles dois resolveram fazer algo diferente; Sílvio Santos e Hebe Camargo roubaram um Pontiac V-8 ano 74 e se mandaram pela rodovia que efetivamente ligava o nada ao lugar nenhum, para seqüestrar a Ética. Atrás de si deixaram o dono do veículo, terrivelmente ferido.
       Logo encontraram a Ética, que ia caminhando assim como quem não quer nada. O Pontiac, que ia a quase cem, freou bruscamente levantando uma cortina de poeira amarelenta como os cabelos da Hebe, que apontando uma pistola calibre 45 intimou docemente a Ética a acompanhá-los. Cabelos são poeira, é bom não esquecer.
       -- Afastem-se de mim! Vocês dois não estão no estado normal! – disse a Ética iluminada por um Sol azulado como a chama de um fogão – bom, pelo menos era assim que a dupla estava enxergando as coisas e por isso sorriram mercadologicamente.
       -- Ética, você é muito engraçada. Um pouco gordinha, mas ainda assim engraçada – Hebe Camargo comentou, entre sorrisinhos.
       -- O que querem de mim, seus lunáticos?!
       -- Ética, queremos que dê sentido às nossas vidas antes que a gasolina do Pontiac acabe – Sílvio Santos disse coçando a cara com sua assustadora faca de caça – caso contrário acabaremos você bem aos pouquinhos, sem muitos comerciais.
Ética tentou ser ética, mas desistiu quando os dois puseram suas mãos armadas para fora do carro em alta velocidade e dispararam contra um acampamento de sem-terras.
       -- Não sei, mas acho que acertei alguns – Silvio Santos disse, exultante – telespectadores a menos. Sempre tive raiva deles.
       -- Telespectadores realmente são um saco, e é melhor que morram, mesmo – Hebe comentou com indiferença enquanto retocava a maquiagem pesada.
       -- Esperem. Vocês querem que eu dê sentido às suas vidas. Então me deixem mostrar como é que se dirige de verdade um carro. Vamos lá; pela primeira vez na vida vocês serão conduzidos pela Ética! – ela disse após ver ao longe uma força-tarefa da polícia vindo, provavelmente para sentar a borracha nos sem-terra. Poderiam ser sua salvação.
       Eles concordaram. E logo descobririam que a vida conduzida pela Ética pode ser muito arriscada, pois ela levou o Pontiac à velocidade máxima, e em direção aos camburões da polícia – que desistiu de ir combater os sem-terra para se lançar ao encalço furioso do veículo em fuga. Para astros da televisão tudo é atração todo o tempo, e por isso disparavam alegremente suas armas contra as viaturas policiais. Ética aproveitou a distração para colocar o cinto de segurança: havia visto uma árvore... afinal, a busca de audiência sempre foi algo assim meio kamikase, mesmo...
       A polícia viu quando o pavoroso choque partiu o Pontiac no meio e arremessou bem longe dois corpos estraçalhados. Quando os homens da lei chegaram, constataram que uma mulher ficou presa nas ferragens, gravemente ferida e muito ensangüentada – só havia se salvado graças ao cinto de segurança. Viram sua identidade e sua carteira de trabalho: Maria, bibliotecária.        Quanto aos dois jovens cadáveres, um posterior exame toxicológico no I.M.L. revelou que estavam no limite de uma overdose fatal; haviam consumido quatro tipos diferentes de drogas. Pessoas nessa situação bem que poderiam achar que eram astros famosos.
       -- Que tipo de pessoa desalmada faria isso com um Pontiac V-8, meu Deus? – perguntava desconsolado um policial, vendo os destroços fumegantes do automóvel.
       -- Bom, caso encerrado – falou outro policial – Logo os repórteres estarão aqui. E por falar nisso, o que vai passar hoje de bom na T.V.?

observação do autor: se os personagens não agradaram, tentem substituí-los por Roberto Marinho, Xuxa e Bom-Senso num Mustang 69 ou Gugu Liberato, Feiticeira e Inteligência num Maverick 77...

FIM


Retirado de Sígnica: Um balaio da era pós verso (apesar do verso)
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